12 de Novembro de 2024

As lições das escolas do Reino Unido que baniram celulares: 'crianças deixaram de ser zumbis'


"As crianças ficam grudadas em seus telefones celulares e nem sequer percebem nada ao seu redor. Elas mais parecem zumbis."

Quem diz isso é o diretor de uma escola em Sheffield, cidade no norte da Inglaterra, que recentemente proibiu o uso de smartphones, smartwatches (relógios com acesso à internet) ou fones de ouvido em suas dependências.

Qualquer aluno pego usando algum desses aparelhos precisa entregá-los à direção da escola. Os gadgets ficam na escola e só são devolvidos no dia seguinte.

Os alunos da escola, a Forge Valley School, disseram que demoraram um pouco para se acostumar com a ideia — mas que passaram a interagir muito mais com os demais colegas na ausência dos telefones.

O diretor da escola, Dale Barrowclough, disse estar confiante que a nova política vai dar certo e que ela veio para ficar.

Um novo ano escolar começou no mês passado no Reino Unido e diversos alunos e pais estão sendo surpreendidos com escolas que passaram a banir telefones celulares. A proibição não é uma política nacional — ela tem partido das próprias escolas, que reclamam do impacto negativo que diversos aparelhos têm no desenvolvimento acadêmico e no convívio social dos alunos.

No início deste ano, o Departamento de Educação emitiu orientações sobre como limitar o uso de celulares durante o turno escolar e para "minimizar a interrupção e melhorar o comportamento nas salas de aula".

Cada vez mais escolas estão criando políticas próprias desse tipo.

No norte de Londres, 60 escolas estão revisando suas políticas sobre uso de telefones na escola após uma campanha da Smartphone Free Childhood (SFC), uma entidade que faz campanha para reduzir o uso de celulares entre crianças.

A entidade está pedindo aos pais quem adiem a compra de smartphones até que seus filhos tenham pelo menos 14 anos. E também pede que acesso a mídias sociais só seja dado após os 16 anos.

A SFC também estimula que os pais comprem outros tipos de telefones que não são smartphones, e que só permitem chamadas e mensagens de texto. Alguns modelos têm jogos básicos (como Tetris) e têm acesso a podcasts e músicas, mas não à internet e redes sociais.

Segundo a SFC, em todo o Reino Unido, centenas de milhares de pais estão aderindo ao movimento. Só no norte de Londres, mais de 2,5 mil pais de quase 200 escolas apoiam a causa.

A líder regional da SFC para o norte de Londres, Nova Eden, disse que o objetivo da campanha é fazer as crianças aprenderem a priorizar melhor sua curta infância, por exemplo passando tempo com a família ou aprendendo novas habilidades.

"O que estamos defendendo não é 'nunca', mas simplesmente 'ainda não'", ela disse.

"Enquanto os cérebros das crianças ainda estão se desenvolvendo, é muito mais saudável para elas aproveitarem a infância brincando, em vez de ficarem grudadas em smartphones e mídias sociais", diz a ativista.

"Nossa campanha não está sugerindo que as crianças não tenham telefone algum. Em vez disso, estamos sugerindo um telefone antigo que permite chamadas e mensagens, mas sem os perigos de ter a internet no bolso de uma criança por 12 horas por dia, onde estranhos podem entrar em contato com elas."

"As crianças não precisam de smartphones, as crianças precisam de uma infância."

Na escola Boston Grammar School, que proibiu smartphones, o vice-diretor disse que "onde antes você via alunos olhando para seus celulares, agora você vê interações".

"Nós queríamos remover essa toxicidade do nosso turno escolar. O que descobrimos foi uma redução significativa na quantidade de incidentes normais que teriam sido piorados por celulares."

A diretora de uma escola em Devon (sudoeste da Inglaterra) que proibiu o uso de celulares há cinco anos diz que os professores notaram melhorias no desempenho escolar e na vida social.

A UTC Plymouth permite que os alunos levem seus celulares para a escola, mas eles têm que entregá-los à direção no início do dia. A diretora Jo Ware disse que a política ajudou a elevar os padrões da escola.

Phoebe, uma aluna da Sacred Heart Catholic Academy em Liverpool, disse que a política de sua escola para smartphones ajuda os alunos a se concentrarem no trabalho.

"Se a regra não existisse, acho que as crianças usariam muito mais seus celulares", disse ela. "Isso ensina disciplina para as crianças não usarem seus celulares e realmente se concentrarem nas aulas."

Na escola Fulham Boys School’s, no oeste de Londres, o diretor da escola, David Smith, fez uma pesquisa com alunos para entender o impacto dos smartphones nas suas vidas.

Ele descobriu que 97% dos alunos estimaram receber mais de 50 notificações e mensagens por dia — e que 38% dos alunos podiam usar seu telefone sem nenhuma restrição.

A decisão de proibir smartphones foi comunicada aos pais por carta em maio. A reação dos pais não foi unânime.

Alguns pais disseram que a escola estava tentando enfrentrar uma causa perdida.

Mas outros foram mais receptivos — em especial os pais de crianças mais jovens que disseram que a política da escola aliviou a pressão que eles sentem para comprar smartphones aos filhos que ainda não têm os aparelhos.

Smith fez um apelo aos pais para que não cedam nos seus princípios e não comprem smartphones para crianças muito jovens.

E se elas já têm um smartphone, ele pede aos pais que acompanhem a frequência do uso e que tenham uma diálogo aberto sobre isso.

Smith usou a mesma expressão do diretor da escola de Sheffield: ele diz que as crianças estão virando "zumbis" por causa dos algoritmos de mídia social. Ele também se preocupa com a influência de personalidades como o youtuber Andrew Tate, que promovem a chamada "masculinidade tóxica".

"Minha opinião contundente é que precisamos educar os jovens sobre sexo antes que eles façam sexo: é realmente importante que os eduquemos antes que eles se envolvam em atividade sexual. Mas estamos tendo que educar os jovens e os pais sobre telefones quando as crianças já têm um telefone."

A proibição de telefones celulares está sendo adotada em diversos lugares neste ano.

Uma das maiores associações de escolas da Inglaterra, que administra 42 escolas públicas em todo o país, está começando a restringir o acesso a smartphones para cerca de 35 mil alunos em seus estabelecimentos.

Uma das mais tradicionais escolas do Reino Unido, a Eton College, por onde passaram diversos ex-primeiros-ministros britânicos, passou a fornecer telefones sem internet para seus alunos desde o mês passado, quando as aulas recomeçaram.

Os dispositivos, que só podem enviar e receber mensagens de texto e chamadas foram dados aos alunos de 13 anos.

Mas nem todos concordam com as políticas das escolas.

Muitos pais reclamaram de políticas de proibição total, argumentando que celulares são parte importante da vida moderna.

“A proibição total é perigosa e irresponsável", afirma Joe Mayatt, de Hastings. Ele diz que seus filhos dependem de smartphones para checar os horários de ônibus e para pagar por compras.

“Eu preferiria que eles pudessem entrar em contato comigo a qualquer momento. Concordo que eles não devem ser usados ??durante o turno escolar, mas a escola está negligenciando o bem-estar deles antes e depois."

A deputada Helena Dollimore levantou o assunto no Parlamento britânico, dizendo que os pais apoiavam a proibição do uso do telefone na escola, mas estão preocupados com a segurança das crianças na ida e na volta para casa.

Stacey Holohan tem um filho de 11 anos na escola Queen's Park Community School, de Londres. Ela conta que seu filho tem um smartphone que usa para fazer chamadas, mas não tem acesso à mídia social.

A escola não permite smartphones. Ela concorda com a política para crianças mais jovens, mas diz que uma criança não deve esperar até os 14 anos.

Stacey disse: "Eles vão para a escola e vêm de muito longe. Como eles vão se comunicar com os pais se algo acontecer? Se houver um acidente e eles estiverem atrasados? É mais paz de espírito para os pais."

Após três anos manifestando preocupação com celulares em escolas, o governo britânico publicou orientações para escolas em fevereiro deste ano.

A orientação estabelece uma série de exemplos para ilustrar como um ambiente sem telefones pode ser alcançado, incluindo uma proibição total de smartphones nas dependências das escolas ou regras que exigem que os aparelhos sejam entregues no início do dia.

O documento do governo também diz que as escolas podem permitir que os alunos mantenham seus telefones, mas "apenas na estrita condição de que eles nunca sejam usados, vistos ou ouvidos" durante o dia.

A orientação afirma que as escolas devem "desenvolver e implementar uma política... que reflita os contextos e necessidades individuais de cada escola".

E acrescenta que as escolas têm o dever legal de garantir o bem-estar dos alunos e que interromper o uso do telefone durante o dia é "essencial" para garantir que os professores possam dar aula.

Os diretores têm permissão para revistar os alunos em busca de itens proibidos pelas regras das escolas e são amparados legalmente contra processos por perda ou dano a itens confiscados.

O governo também citou uma pesquisa com alunos do ensino médio na qual 29% dos entrevistados relataram que smartphones estavam sendo usados ??quando não deveriam estar na maioria ou em todas as aulas.

O sindicato de trabalhadores em escolas, a Association of School and College Leaders (ASCL), criticou a orientação dada pelo governo e disse que ela provavelmente não terá qualquer efeito perceptível.

Para a associação, o problema não é regular o uso de celulares em escolas — mas sim regular o conteúdo que está disponível às crianças na internet.

"A maioria das escolas já proíbe o uso de celulares durante o turno escolar, ou permite seu uso apenas em circunstâncias limitadas", disse o secretário-geral Geoff Barton.

"Perdemos a conta do número de vezes que os políticos anunciaram uma repressão aos celulares nas escolas. É uma não-política para um não-problema."

"O governo faria muito melhor se colocasse suas energias em restringir as plataformas online por meio das quais as crianças conseguem acessar conteúdo perturbador e extremo."

Fonte: correiobraziliense

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