De um lado, uma candidata que pede aos eleitores que façam uma escolha entre a esperança e o caos. De outro, um adversário que intensifica a retórica agressiva contra "inimigos internos". No meio, cidadãos tomados pelo medo. Em três dias, Kamala Harris e Donald Trump serão os protagonistas de uma das eleições polarizadas das últimas décadas, também marcada pela desinformação. Ao desembarcar em Madison (Wisconsin), Kamala afirmou que a violência verbal de Trump o desqualifica à Presidência. Na quinta-feira (31/10), durante programa de tevê no Arizona, o republicano chamou a ex-deputada Liz Cheney de "burra" e "idiota" e sugeriu disparos contra o rosto da colega de partido. "Ela é um falcão radical de guerra. Vamos colocá-la com um rifle ali com nove canos disparando nela, certo?", disse. As autoridades do Arizona investigam a ameaça.
"Isto deve ser desqualificativo. Alguém que quer ser presidente dos EUA e que utilize este tipo de retórica violenta está claramente desqualificado para o cargo", declarou Kamala, no mais recente episódio de discurso violento. Cheney respondeu a Trump ao sustentar que "é assim que os ditadores destroem nações livres". "Ameaçam de morte aqueles que se manifestam contra eles. Não podemos confiar nosso país e nossa liberdade a um homem mesquinho, vingativo, cruel e instável, que quer ser um tirano." A Casa Branca qualificou as declarações de Trump de "inaceitáveis" e "perigosas".
Na terça-feira (5/11), os eleitores irão às urnas com preocupações específicas: a ameaça à democracia, o futuro da economia, a abertura à imigração ilegal, o reforço do racismo e o cerceamento do direito ao aborto.
Drew Roby, um estudante negro de 21 anos, apoia Trump, mesmo sem entusiasmo. "Vejo como o país tem sido administrado nos últimos quatro anos e era melhor quando ele era presidente", afirmou à agência France-Presse (AFP). Ele se disse ciente que escolher também significa aceitar a "loucura que vem com ele".
Morador do Arizona, um dos sete estados-pêndulo, Roby não esconde o temor do aumento do ódio e do racismo. No mesmo estado, Whitley Brown, 35, confessou à AFP que teme pelo futuro das filhas. "Tenho duas meninas, de 11 e 13 anos, e quero que, quando forem adultas, possam ter controle sobre seus próprios corpos, e que o governo não esteja na sala de exame com elas", disse. Estudante da área da saúde e eleitora de Kamala, Madelina Tena, 18, questiona: "Já estão tentando tirar o nosso direito ao aborto, o que mais podem nos tirar? Qual será o próximo?".
Tom Hollihan, professor de comunicação e ciência política da Universidade do Sul da Califórnia (USC), admitiu ao Correio que os Estados Unidos tornaram-se uma nação tão profundamente polarizada que, infelizmente, tanto republicanos quanto democratas veem um ao outro não como alguém equivocado, mas como alguém maligno. "Os democratas temem que a eleição de Trump represente o fim da democracia, como a conhecemos. Eles consideram Trump um déspota fascista que talvez nunca entregue o poder e que prometeu buscar vingança de seus inimigos políticos", avaliou. "Os republicanos, por sua vez, temem que Kamala continue a aceitar a entrada de muitos imigrantes não documentados nos EUA e que a cultura dominante (branca) se perca, à medida em que nos tornemos uma nação em que eles (republicanos) não se sintam mais em casa."
Hollihan não descarta que a eleição deste ano seja decidida nos tribunais e que o candidato republicano não aceite uma eventual derrota. "Acho que ambos os cenários são possíveis. É provável que Trump reclame vitória mesmo se perder. Ele está se preparando para tal resultado, tanto retoricamente em suas mensagens de campanha, quanto em briefings legais que podem ser apresentados à Corte, se necessário", observou.
Nas últimas semanas, um elemento a mais adicionou angústia na campanha eleitoral, repetindo uma tendência das eleições de 2020: a desinformação. Nas redes sociais, proliferaram inverdades sobre fraudes eleitorais ou sobre votos perdidos e destruídos. "Esse tipo de mensagem destrói a confiança da opinião pública e pode levar a mais violência política, como vimos em janeiro de 2021", advertiu o estudioso da USC, ao mencionar a invasão ao Capitólio.
Para Jake Grumbach, professor da Faculdade Goldman de Políticas Públicas da Universidade da Califórnia Berkeley, a atual eleição se insere em uma era de alta polarização partidária. Ele explicou ao Correio que a maioria dos eleitores não gosta do partido político adversário. "Muitos eleitores dizem que estão votando com base em posições políticas (geralmente, temas ligados à economia, ao aborto, à imigração e à segurança), mas, normalmente, estão mais motivados pelo desejo de derrotar o partido rival do que por assuntos específicos que Kamala ou Trump defendem", observou.
Grumbach ressaltou que existem litígios em torno dessa eleição e prevê uma onda de disputas judiciais depois de terça-feira. "Em 2000, a Suprema Corte dos EUA determinou o vencedor da eleição presidencial, ao suspender a recontagem de votos na Flórida. Em uma eleição acirrada em 2024, a máxima instância judicial pode, novamente, desempenhar um papel importante na determinação do vencedor", disse. "Além disso, se houver tentativas de subverter o pleito, como ocorreu em 2020, quando Trump pressionou as autoridades eleitorais da Geórgia a mudarem os resultados das urnas, os tribunais estarão ainda mais envolvidos."
A campanha de Kamala alertou, nesta sexta-feira (1º/11), que Trump poderá declarar vitória antecipadamente na noite de terça-feira, antes mesmo da totalização dos votos. A equipe de advogados da democrata tem se preparado para esse cenário desde 2020 e vê com preocupação manobras legais dos republicanos. Um dos casos envolve o Arizona, onde um aliado de Trump acusou a secretária de Estado de reter dados sobre os eleitores. Ao menos 63 milhões de pessoas votaram por antecipação.
"Os efeitos da desinformação sobre eleições recentes são frequentemente exagerados. No entanto, eles têm algum efeito, frequentemente no aumento da desconfiança nas instituições. A peça de desinformação mais prejudicial na política atual dos EUA é a teoria da conspiração de que a fraude eleitoral em massa levou a uma eleição 'roubada' em 2020. Apenas cerca de um terço dos americanos acredita nessa conspiração, mas ela levou a uma tentativa de golpe em janeiro de 2021, bem como a ameaças de violência contra autoridades eleitorais."
Jake Grumbach, professor da Faculdade Goldman de Políticas Públicas da Universidade da Califórnia Berkeley
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