12 de Novembro de 2024

O Estado dos EUA que quer receber mais imigrantes: 'mexicanos sustentam a economia aqui'


No Alasca, o estado mais frio dos Estados Unidos, à beira do Círculo Polar Ártico, me oferecem no almoço tacos e tortilhas.

Nesta fábrica de processamento de peixes em Cordova, uma pequena e isolada cidade pesqueira ao longo do delta do rio Copper, no Golfo do Alasca, a maioria dos trabalhadores é mexicana e isso determina o cardápio.

“Hoje temos tacos de peixe, você não quer experimentar?”, pergunta Rosa, a afável cozinheira, também mexicana, encarregada de alimentá-los. Assim como eles, ela viaja para cá todo verão para trabalhar durante a temporada de pesca.

Aqui, a vida passa a maior parte do ano encurralada pelo gelo, com temperaturas abaixo de zero, chuva ou neve em mais de 200 dias por ano, e em noites de inverno que duram semanas.

Mas no verão o clima dá alguns meses de descanso e muitos dos seus pouco mais de 2.000 habitantes vão pescar salmão selvagem do Alasca e outras espécies que vivem no delta do rio Copper.

Os pescadores precisam capturar tudo o que é possível no curto espaço de tempo que o clima permite. Essa corrida desencadeia uma enxurrada de atividades cruciais para uma cidade onde, segundo dados do Departamento do Trabalho, mais da metade dos empregos depende da pesca.

Mesmo no verão, há pouco mais para fazer em Cordova além de pescar e trabalhar. Não há cinemas ou centros comerciais, e nos dias em que o tempo os impede de pescar - o que acontece com frequência - os pescadores bebem e jogam sinuca no único bar da cidade, um lugar com ares de pub londrino que, por algum motivo, ninguém lembra que a placa da fachada está de cabeça para baixo.

Hoje chegaram mais de 18 mil quilos de bacalhau que precisam ser processados, por isso Edgar está ocupado manuseando as duas facas com as quais extrai as espinhas, o sangue e outras impurezas de cada peixe.

Ele não pode falhar. Os peixes devem chegar limpos na outra extremidade da esteira para que outros trabalhadores possam pesá-los e embalá-los.

É um trabalho considerado bem remunerado, mas árduo e monótono, com dias que, muitas vezes, começam de madrugada e duram 18 horas ou mais; tarefa essencial para que o peixe chegue ao consumidor fresco e com qualidade.

Depois de um tempo, o cheiro de peixe e umidade é sentido quase nos ossos, mas Edgar trabalha feliz.

Com o dinheiro que ele ganhar nestes meses em Cordova, poderá viver confortavelmente durante o resto do ano em Mexicali, cidade fronteiriça do departamento mexicano da Baixa Califórnia, onde quatro filhos o esperam.

Seus dólares percorrem um longo caminho até lá. “O dinheiro que ganho aqui vale o dobro em Mexicali”, diz ele.

As estatísticas parecem provar que ele está certo. De acordo com a OCDE, o rendimento médio de uma família mexicana é de pouco mais de 16 mil dólares por ano. Ele recebe um pouco mais do que isso em poucos meses.

Fora das peixarias, a oferta de lazer se limita a passear pelas montanhas, tendo sempre o cuidado de não topar com nenhum dos ursos de comportamento imprevisível que ali reinam.

Todos os anos, trabalhadores de todo o mundo vêm aqui para preencher cargos para os quais a mão-de-obra local não é suficiente.

São ucranianos, turcos, peruanos, filipinos... e mexicanos, muitos mexicanos.

Há uma razão.

“No ano passado, ganhei 27 mil dólares limpos em quatro meses”, explica Edgar Vega García, enquanto fileta, um após o outro, os peixes que desfilam diante dele em uma esteira que nunca para.

Edgar começou a vir para o Alasca há 18 anos. Foi sua mãe, Rosa, quem o incentivou.

Depois de trabalharem em diversas empresas, durante três verões ambos trabalharam na North 60 Seafoods, empresa de Rich Wheeler, um americano que está encantado com eles e com os seus compatriotas.

“Foi fantástico conhecer os mexicanos. Eles deram ao meu negócio a estabilidade que eu precisava e que não conseguíamos encontrar”, ele me conta, no escritório da fábrica, uma sala bagunçada com uma cabeça de veado e uma pele de urso pendurada nas paredes úmidas de madeira.

“Honestamente, se não fosse pelos mexicanos, meu negócio não existiria”.

Segundo Weeler, ele teve muitos problemas no passado com funcionários americanos, como uso de drogas no trabalho, faltas injustificadas e brigas.

“Não creio que teríamos feito o mesmo sem os mexicanos”, acrescenta. “Eles são sempre pontuais e sei que posso esperar que trabalhem duro e profissionalmente todos os dias. Estou muito grato a vocês”, elogia Rich.

Agora que os Estados Unidos vivem uma campanha eleitoral tensa e o candidato Donald Trump levanta o temor de uma “invasão” de imigrantes ilegais que supostamente tiram empregos dos americanos, neste canto remoto do país os estrangeiros são essenciais na indústria de transformação de peixe que é o pilar da economia da região.

César Méndez, também de Mexicali, trabalha no Alasca há 14 anos. Obtém o que considera “bons lucros” e depois volta ao México, onde complementa os seus rendimentos com um negócio de venda de ferramentas.

“O Alasca me deu muito. Permitiu-me ter uma boa qualidade de vida e sempre senti que eles estão gratos pelo trabalho que fazemos aqui”, afirma.

O prefeito de Cordova, David Allison, sabe que os imigrantes desempenham um papel crucial na sua cidade, onde estima que 50% das famílias dependem da pesca.

“O peixe não é processado se não houver mãos para fazê-lo, e se não fosse a pesca, esta seria provavelmente uma cidade-fantasma”, diz ele na sede do governo local.

Allison não tem escritório e trabalhou durante anos na indústria de processamento de pescado, onde aprendeu que “se você colocar um anúncio em um jornal do Alasca dizendo que precisa de 250 trabalhadores, não receberá mais de 20 inscrições”.

A população local de apenas 2.600 habitantes triplica no verão com a chegada de estrangeiros, mas Allison afirma que em Cordova não há problemas de convivência. “Geralmente eles vêm com a documentação em ordem, trabalham durante a temporada e assim sustentam a família.”

Cordova é apenas uma pequena amostra da importância da pesca para a economia local. Segundo a Universidade do Alasca-Fairbanks, a indústria de frutos do mar produz 2.268 toneladas de alimentos por ano, mais da metade do total dos Estados Unidos, e é a que mais gera empregos em todo o estado.

Grandes corporações, como a Ocean Beauty Seafoods e a Trident, processam a captura em centenas de plantas espalhadas por regiões do Alasca, como a Baia de Bristol, Valdez e o Delta do Cobre.

Para fazer isso, eles precisam de pessoas de fora. Em 2022, último ano para o qual existem dados oficiais, mais de 80% do total de trabalhadores eram estrangeiros.

Foram os pedidos destas empresas e dos congressistas estaduais que levaram o governo de Joe Biden, nos últimos anos, a aumentar significativamente os vistos que muitos destes imigrantes utilizam para trabalhar legalmente nos Estados Unidos. Dos 66 mil disponíveis em 2022, aumentou para quase o dobro em 2023 e 2024.

A demanda por trabalhadores neste setor explica porque os salários são bons.

Além da remuneração, as empresas oferecem alojamento e três refeições diárias durante a vigência do contrato, para que os trabalhadores possam poupar quase tudo o que ganham.

Soma-se a isso o pagamento de 50% a mais por horas extras exigidos pela lei do Alasca. E elas são comuns em uma atividade tão intensiva e sazonal, especialmente quando a estação é boa. Com os últimos aumentos aprovados, um processador recebe um salário de US$ 18,06 (R$ 100) por hora, que sobe para US$ 27,09 (R$ 153) em horas extras.

As empresas também cobrem a viagem até aqui, o que é especialmente importante num local tão isolado e distante.

Antigamente, uma rodovia ligava Cordova a outras cidades na Prince William Sound (enseada no litoral sul), mas uma tempestade anos atrás destruiu a ponte que cruzava o Rio Copper e a cidade ficou sem conexão terrestre com o resto da civilização.

A única maneira de chegar lá agora é de avião ou barco que sai da cidade de Whittier, quando o tempo permite, e leva sete horas para chegar.

Aos 67 anos, Rosa Vega, mãe de Edgar, há anos percorre uma longa jornada para assumir seu cargo. De Mexicali a San Diego por estrada. Depois, três voos: San Diego-Seattle, Seattle-Anchorage, Anchorage-Cordova.

Ela viaja por dias para trabalhar em um local bem diferente de casa, onde passa de 5 a 6 meses.

“Mexicali é muito quente. Neste momento, está fazendo 52 graus lá e dá para cozinhar um ovo em cima de uma pedra”, diz ela quando fala comigo num dia de julho. A cidade deles foi identificada como um dos lugares mais quentes da Terra.

“Assim como as pessoas que vão para Mexicali precisam se acostumar com o calor, eu tive que me acostumar com o frio no Alasca.”

E mesmo que o salário seja bom, aqui não há espaço para luxos.

Rosa e os demais trabalhadores dividem quartos para quatro pessoas e dois beliches em um contêiner montado em forma de casa, onde precisam guardar pertences para vários meses em um pequeno armário.

Na sala de jantar, único espaço social, os mais novos jogam vídeo-game enquanto Rosa tenta falar com a mãe. De todos que ela deixa para trás todo ano em Mexicali, a mãe é com quem ela mais se importa.

“Ela está muito idosa e ultimamente tem me pedido para não vir mais para cá”, diz.

Ela não é a única que diz que, muito mais que o frio, a chuva ou os desconfortos de uma vida no campo, o que mais pesa é ficar tanto tempo longe da família.

Embora também se fale tagalo (a língua mais comum falada nas Filipinas) e inglês, o espanhol é a língua mais ouvida durante um passeio pelo pequeno porto de Cordova.

Na verdade, o espanhol está presente desde as origens do local.

Foi o explorador espanhol Salvador Fidalgo quem deu a este lugar o nome de Puerto Córdoba quando aqui chegou em 1790, enviado pela coroa.

Desde então, pessoas de diversas origens chegaram ao Alasca dispostas a suportar as suas intempéries para explorar os seus abundantes recursos naturais.

Os russos apropriaram-se dela e ao longo do século 19 dedicaram-se à caça de lontras para vender a sua preciosa pele.

Em 1867, a Rússia czarista vendeu o Alasca aos Estados Unidos e a partir de 1957 a descoberta de grandes depósitos de petróleo acelerou o desenvolvimento e causou muitos problemas ambientais.

Em Cordova ainda se lembram de quando o petroleiro Exxon Valdez encalhou em 1989 e derramou milhares de toneladas de petróleo bruto no mar. Foi considerado o pior desastre ecológico da história americana e colocou em perigo o modo de vida local.

Ali, inclusive, o salmão é rei. Eles o chamam de King Salmon por um motivo.

Vital para os ursos que habitam o delta e para os pescadores de Córdoba, o salmão local, nas suas diferentes variedades, não é apenas uma matéria-prima essencial, mas também um motivo de orgulho.

Como me explica Greg Olsen, gerente de recursos humanos e produção da North 60 Seafoods, “a limpeza e as baixas temperaturas da água explicam a extraordinária qualidade do salmão do Rio Copper”.

Em alguns dos melhores restaurantes do Japão preparam sushi com salmão pescado no Delta do Cobre.

Embora nasçam em rios, os salmões nadam para águas abertas e vivem durante anos no oceano, voltando para desovar e morrer exatamente onde nasceram.

O pescador Bret Bradford conhece muito bem a rota do salmão. Há anos ele ganha a vida perseguindo os peixes pelo Estuário do Cobre.

Ao leme do seu pequeno barco de pesca, que leva o nome científico de uma das variedades locais de salmão, ele segura entre os dentes um cachimbo com um bocal roído e me mostra os leões marinhos, focas e outras criaturas que encontra todos os dias no trabalho.

Uma cabine bagunçada, onde mal cabe ele, revela que ele costuma navegar sozinho.

Bret lembra que “nos Estados Unidos, exceto os povos nativos, somos todos descendentes de imigrantes, mas há um processo”.

Ele acredita na imigração legal. Ele sabe que o sustento da sua família depende de estrangeiros que processam em terra o peixe que pesca.

No final de setembro, depois de mais uma temporada difícil, Rosa e Edgar, mãe e filho, voltaram a Mexicali.

Ele já busca rentabilizar o que ganhou com a venda de muitos carros usados ??que acabou de adquirir.

Ela teve uma surpresa desagradável assim que voltou do Alasca. Sua mãe acaba de sofrer um acidente cerebral e teve que ser hospitalizada.

Assim que desce do avião, sem passar em casa, vai visitá-la.

“Eu sei que qualquer dia ela pode ir embora e isso pode acontecer quando eu estiver no Alasca”, reflete Rosa, garantindo que sua mãe está de bom humor, apesar de estar acamada.

Rosa sabe que cuidar da mãe será sua principal tarefa agora que voltou.

Ela planejava compartilhar com a mãe um pouco do salmão que trouxe do Alasca em uma grande caixa de papelão, mas isso terá que esperar.

“Agora tenho que recomeçar tudo aqui. A primeira coisa que quero fazer é arrumar meu jardim”, diz ele, enquanto verifica as plantas que secaram nos meses que ele não esteve ali.

É uma bela construção, com ar colonial e um amplo quintal com paredes amarelas, que ocupa um quarteirão inteiro e se destaca entre os demais prédios do bairro onde mora.

Agora, livre do trabalho, ela pode se dedicar às plantas.

"Espero recuperar o jardim... Até ter que voltar para o Alasca no próximo ano."

Fonte: correiobraziliense

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