Kamala Harris não era a primeira escolha dos democratas para 2024, mas, ao se tornar a candidata presidencial oficial do partido, ela agora tem a oportunidade histórica de se tornar a primeira mulher a liderar os Estados Unidos.
A decisão de Joe Biden de não concorrer foi rápida, dada sua saúde e a idade avançada, além da pressão de eleitores que queriam uma nova liderança, especialmente após pesquisas recentes mostrarem uma leve vantagem de Trump sobre o presidente atual. E, em menos de uma hora após o anúncio de Biden, os principais líderes do partido já haviam se unido para apoiar Harris.
Essa rápida mobilização impulsionou sua campanha e trouxe nova energia aos liberais, que doaram, só nos últimos dois meses, um recorde de 671 milhões de dólares (cerca de 3,8 bilhões de reais) para sua candidatura – quase três vezes o valor arrecadado por Donald Trump, seu oponente republicano.
Sua trajetória até se tornar a primeira mulher negra candidata à presidência tem sido única, marcada por desafios e questões sobre sua política e estilo de liderança.
Nascida em Oakland, Califórnia, Kamala é filha de imigrantes: sua mãe, Shyamala Gopalan, uma indiana e pesquisadora do câncer e ativista dos direitos civis; e seu pai, Donald Harris, um economista nascido na Jamaica.
Com uma educação multicultural, Kamala passou parte da infância em visitas à Índia e também foi imersa na cultura negra de Oakland, uma cidade com forte histórico de ativismo.
Seus pais se divorciaram quando ela tinha cinco anos, e ela foi criada principalmente por sua mãe, Shyamala Gopalan Harris, uma hindu, pesquisadora de câncer e ativista dos direitos civis. Harris fala com frequência sobre as lições que sua mãe passou para as filhas.
“Ela era forte, corajosa, uma pioneira na luta pela saúde das mulheres,” contou Harris durante a convenção do Partido Democrata. “Ela nos ensinou a nunca reclamar da injustiça, mas a fazer algo a respeito.”
Harris cresceu conectada à sua herança indiana, acompanhando a mãe em visitas à Índia, mas disse que sua mãe também a imergiu, junto com a irmã mais nova, Maya, na cultura negra de Oakland.
“Minha mãe entendia muito bem que estava criando duas meninas negras,” escreveu ela em sua autobiografia The Truths We Hold ('As Verdades que nos Movem', no título publicado no Brasil pela editora Intrínseca).
“Ela sabia que seu país adotivo veria Maya e eu como meninas negras e estava determinada a garantir que nos tornaríamos mulheres negras confiantes e orgulhosas.”
Suas raízes e educação birraciais podem facilitar sua conexão com muitos americanos. Regiões do país com mudanças demográficas rápidas – mudanças capazes de alterar a política local – veem nela um símbolo inspirador.
Por outro lado, apesar das fortes raízes com a cultura afro-americana, Harris sempre se identificou como americana e resiste a ser rotulada.
Em uma entrevista ao jornal Washington Post, em 2019, ela comentou que a sociedade muitas vezes busca enquadrar pessoas em categorias, mas que ela é confortável com quem é, independente das expectativas dos outros.
Sua carreira política começou como promotora no condado de Alameda, na Califórnia, e, posteriormente, em San Francisco, no mesmo Estado.
Já em 2010, Harris se tornou a primeira mulher negra e asiática-americana a atuar como procuradora-geral da Califórnia, Estado mais populoso dos EUA, onde ganhou visibilidade ao enfrentar bancos durante a crise hipotecária de 2008.
Seu trabalho chamou atenção pela tenacidade e por posições firmes em relação a grandes corporações.
Ao mesmo tempo, ela também enfrentou críticas, especialmente sobre temas como a aplicação da pena de morte, a qual se opoõe, e sua postura a favor do uso de câmeras nos uniformes policiais. Essas questões geraram debates tanto entre progressistas quanto conservadores.
Em 2016, Harris concorreu e venceu uma vaga no Senado, representando a Califórnia. Em Washington, D.C., seu estilo direto e confrontador em audiências a fez ganhar ainda mais destaque e respeito no cenário político.
Dois anos depois, ela lançou sua primeira candidatura à presidência para as eleições de 2020, mas a campanha perdeu força em menos de um ano devido a dificuldades para definir claramente sua ideologia e propostas de políticas públicas.
No entanto, sua presença e experiência a mantiveram no radar do Partido Democrata, e, em uma reviravolta surpreendente, Biden a escolheu como vice em sua chapa.
Segundo Gil Duran, ex-diretor de comunicações de Harris, isso representou uma “grande reviravolta de sorte” e destacou que, embora muitos duvidassem de sua disciplina para ocupar um alto cargo no governo, sempre foi claro que ela tinha ambição e potencial.
Na vice-presidência, foi designada para liderar iniciativas fundamentais, quebrando recordes como vice-presidente que mais desempatou votações no Senado e ajudando a aprovar a Lei de Redução da Inflação e o Plano de Resgate Americano, que garantiu ajuda financeira durante a pandemia de covid-19.
Harris também foi escolhida para chefiar os trabalhos na fronteira EUA-México, enfrentando um aumento no número de migrantes que buscavam entrar no país.
Esse foi um tema controverso, pois muitos críticos, inclusive alguns democratas, a atacaram por demorar seis meses para visitar a fronteira, o que passou a ser visto como um sinal de falta de ação por parte de seus oponentes.
Em temas sociais, Harris se destacou após a decisão da Suprema Corte de revogar o caso Roe v. Wade, que garantia o direito ao aborto nos Estados Unidos.
Ela assumiu o papel de principal voz do governo contra as proibições ao aborto e transformou esse tema em um dos principais pilares de sua campanha.
Na convenção do Partido Democrata em agosto, seu discurso foi uma crítica forte aos esforços de Trump e dos republicanos para restringir o acesso ao aborto, chamando as medidas de “insanas” e prometendo restaurar as proteções da legislação Roe.
Esse discurso fortaleceu ainda mais o tom progressista de sua candidatura, alinhando-se à mensagem de liberdade que o partido quer transmitir para os eleitores.
Harris também tenta se apresentar de forma diferente aos eleitores, com algumas pesquisas mostrando que muitos veem Trump como mais próximo do centro do espectro político.
Na campanha de 2020, ela defendeu posições mais à esquerda em temas como imigração, direitos LGBT e outras questões, mas enfrentou repetidos ataques por seu passado como promotora.
Quatro anos depois, Harris se apresenta como a policial que vai agir com firmeza contra um criminoso condenado, no caso, Trump.
Mas ela também promete cumprir uma agenda progressista que valorize famílias de classe média como a dela.
“Em toda a minha carreira, só tive um cliente: o povo”, afirmou.
Em 2014, a então senadora Harris se casou com o advogado Doug Emhoff e se tornou madrasta de seus dois filhos, Cole e Ella.
Ela escreveu um artigo para a revista Elle em 2019 sobre a experiência de se tornar madrasta e revelou o nome que passou a dominar muitas manchetes que se seguiram.
"Quando Doug e eu nos casamos, Cole, Ella e eu concordamos que não gostávamos do termo 'madrasta'. Em vez disso, eles sugeriram o nome 'Momala'."
Junto com o pai, Cole e Ella foram presenças marcantes na Convenção Nacional Democrata de 2024, subindo ao palco para celebrar Harris e o que eles chamam de sua "grande e linda família diversa".
Sua irmã, Maya, sua sobrinha Meena e - talvez de forma mais memorável - suas duas sobrinhas-netas também fizeram aparições em Chicago.
Muitos argumentam que ela também deve ser vista e reconhecida como descendente de outro tipo de família, sendo a herdeira de gerações de ativistas negras.
Nadia Brown, professora associada de ciência política e estudos afro-americanos na Universidade Purdue, disse à BBC que Harris segue os passos de Fannie Lou Hamer, Ella Baker e Septima Clark, entre outras.
"Ela é herdeira de um legado de organizadores comunitários, funcionários eleitos e candidatos sem sucesso que abriram caminho até a Casa Branca", afirmou.
Fonte: correiobraziliense
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