22 de Novembro de 2024

'Donald Trump é o pesadelo da Europa': como vitória de republicano afeta o mundo


Quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, passou por Kiev em fevereiro de 2023, em uma visita surpresa para demonstrar solidariedade a Volodymyr Zelensky, seu homólogo ucraniano, as sirenes de ataque aéreo soaram.

"Senti algo... mais forte do que nunca", lembrou ele mais tarde. "Os Estados Unidos são um farol para o mundo."

Agora, quem assumirá o comando desse autodenominado farol do mundo será Donald Trump, com sua esperança de que o "americanismo, e não o globalismo" é que guie o caminho.

Trump vai voltar à Casa Branca em um mundo em que o valor da influência global dos Estados Unidos está sendo questionado.

Potências regionais seguindo seus próprios caminhos, regimes autocráticos fazendo suas próprias alianças e as guerras devastadoras em Gaza, na Ucrânia e em outros lugares estão levantando perguntas incômodas sobre o valor do papel de Washington.

Mas os Estados Unidos seguem um país importante devido ao seu poderio econômico e militar e ao seu papel de destaque em muitas alianças.

Lyse Doucet, correspondente-chefe internacional da BBC News, dias antes da eleição que sagrou o republicano vencedor, conversou com alguns especialistas em diferentes áreas para ouvir suas reflexões sobre as consequências globais deste desfecho.

"Não posso amenizar essas advertências", diz Rose Gottemoeller, ex-secretária-geral adjunta da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "Donald Trump é o pesadelo da Europa, com os ecos de sua ameaça de se retirar da Otan nos ouvidos de todos."

Os gastos de defesa de Washington equivalem a dois terços dos orçamentos militares dos outros 31 membros da aliança militar. Além da Otan, os Estados Unidos gastam mais em suas Forças Armadas do que os 10 países seguintes juntos, incluindo China e Rússia.

Trump se gaba de estar jogando duro para forçar outros países da Otan a cumprir suas metas de gastos, que é de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) — apenas 23 dos países membros atingiram esta meta em 2024. Mas suas declarações erráticas ainda são chocantes.

Mas Gottemoeller não acredita que "a Otan deva ruir". A Europa vai precisar "dar um passo à frente para liderar".

Trump vai ter que governar em um mundo que enfrenta o maior risco de confronto entre grandes potências desde a Guerra Fria.

"Os Estados Unidos continuam sendo o ator internacional mais significativo em questões de paz e segurança", afirma Comfort Ero, presidente e CEO da ONG International Crisis Group.

"Mas seu poder de ajudar a resolver conflitos está diminuindo", ela adverte.

As guerras estão se tornando cada vez mais difíceis de acabar.

"Os conflitos mortais estão se tornando mais intratáveis, com a competição entre grandes potências se acelerando, e potências médias em ascensão", diz Ero sobre o atual cenário. Guerras como a da Ucrânia atraem várias potências, e conflitos como o do Sudão colocam os participantes regionais com interesses concorrentes uns contra os outros, e alguns investem mais na guerra do que na paz.

Essas ressalvas postas, de acordo com ela, Trump "pode dar a Israel mais liberdade em Gaza e em outros lugares, e já insinuou que poderia tentar fazer um acordo com Moscou em relação à Ucrânia, passando por cima de Kiev".

Trump também já declarou que é hora de "voltar à paz, e parar de matar pessoas". Mas ele teria dito ao líder israelense, Benjamin Netanyahu, para "fazer o que tem que fazer".

O republicano se orgulha de ser um pacificador. "Vou alcançar a paz no Oriente Médio, e em breve", ele afirmou em entrevista à TV Al Arabiya, da Arábia Saudita, na noite de domingo (27/10).

Ele prometeu expandir os Acordos de Abraham de 2020, se voltasse à Casa Branca. Esses acordos bilaterais normalizaram as relações entre Israel e alguns Estados árabes, mas foram amplamente vistos como tendo marginalizado os palestinos e, em última análise, contribuído para a atual crise sem precedentes.

Em relação à Ucrânia, Trump nunca esconde sua admiração por homens fortes como o presidente russo, Vladimir Putin.

Ele deixou claro que quer acabar com a guerra na Ucrânia e, assim, com o forte apoio militar e financeiro dos Estados Unidos. "Eu vou sair. Temos que sair", ele insistiu em um comício recente.

"O maior choque para a economia global em décadas". Esta é a opinião de Rana Mitter, um renomado acadêmico especializado em China, sobre as tarifas de 60% propostas por Trump sobre todos os produtos chineses importados.

A imposição de custos elevados à China e a muitos outros parceiros comerciais tem sido uma das ameaças mais persistentes de Trump em sua abordagem "Estados Unidos em primeiro lugar". Mas Trump também elogia o que ele considera ser sua forte conexão pessoal com o presidente Xi Jinping. Ele disse ao conselho editorial do Wall Street Journal que não precisaria usar força militar contra um eventual bloqueio de Pequim a Taiwan, porque o líder chinês "me respeita, e sabe que sou louco".

Mas Mitter, historiador britânico que dá aula de relações internacionais entre Estados Unidos e Ásia na Harvard Kennedy School, diz que, com Trump, o cenário será mais "fluido". Por exemplo, em relação a Taiwan, Mitter aponta para a ambivalência de Trump sobre se ele sairia em defesa de uma ilha distante dos Estados Unidos.

Se a a liderança chinesa previa que qualquer cenário seria duro para Pequim, uma minoria significativa vê Trump como um homem de negócios cuja imprevisibilidade pode significar uma grande barganha com a China, "por mais improvável que isso pareça".

"A eleição nos Estados Unidos é extremamente importante não apenas para seus cidadãos, mas para o mundo todo, devido ao imperativo urgente da crise climática e da natureza", diz Mary Robinson, atual presidente do Elders, um grupo de líderes mundiais fundado por Nelson Mandela. Ela é ex-presidente da Irlanda, e já ocupou o cargo de alta comissária da ONU para os direitos humanos.

"Cada fração de grau é importante para evitar os piores impactos das mudanças climáticas e impedir um futuro em que furacões devastadores, como o Milton, sejam a norma", acrescentou.

O próximo ocupante da Casa Branca, no entanto, ridicularizou os planos e as políticas ambientais para enfrentar essa emergência climática, classificando como "um dos maiores golpes de todos os tempos".

Muitos esperam que ele saia do acordo climático assinado em Paris em 2015, como fez em seu primeiro mandato.

Mas Robinson acredita que Trump não pode deter o ímpeto que está ganhando força. "Ele não pode interromper a transição energética dos Estados Unidos, e reverter os bilhões de dólares em subsídios verdes... nem pode deter o incansável movimento climático não federal."

"O resultado das eleições nos Estados Unidos tem um significado imenso, dada a influência incomparável que os Estados Unidos exercem, não apenas por meio de seu poderio militar e econômico, mas por meio de seu potencial de liderar com autoridade moral no cenário global", diz Martin Griffiths, um mediador de conflitos veterano que, até recentemente, era subsecretário-geral da ONU para assuntos humanitários e coordenador de ajuda de emergência.

"Um retorno à presidência de Trump, marcada pelo isolacionismo e unilateralismo, oferece pouco além de um aprofundamento da instabilidade e da desesperança global", diz Griffiths.

Os Estados Unidos também são o maior doador individual no que diz respeito ao sistema da ONU. Em 2022, eles forneceram um valor recorde de US$ 18,1 bilhões.

Mas no primeiro mandato de Trump, ele cortou o financiamento de várias agências da ONU e se retirou da Organização Mundial da Saúde (OMS). Outros doadores se esforçaram para preencher as lacunas — que é o que Trump queria que acontecesse.

Griffiths destaca uma desesperança cada vez maior na comunidade humanitária e fora dela, e lembra que houve critica à "hesitação" do governo Biden em relação à deterioração da situação no Oriente Médio.

Os chefes das agências de ajuda humanitária condenaram repetidamente o ataque mortal do Hamas em 7 de outubro de 2023 contra civis israelenses. Mas também pediram repetidas vezes que os Estados Unidos fizessem muito mais para acabar com o profundo sofrimento dos civis em Gaza e no Líbano.

Mas Griffiths ainda acredita que os Estados Unidos são uma potência indispensável. "Em uma época de conflitos e incertezas globais, o mundo anseia que os Estados Unidos enfrentem o desafio de uma liderança responsável e baseada em princípios... Nós exigimos mais. Nós merecemos mais. E ousamos esperar por mais."

*Com informações da reportagem de Lyse Doucet, correspondente-chefe internacional da BBC News.

Fonte: correiobraziliense

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