14 de Novembro de 2024

'Musk vai influenciar a percepção sobre Brasil no governo Trump': os fatores que bolsonaristas celebram na vitória


A volta de Donald Trump à Casa Branca como novo presidente americano, conforme apontam as projeções dos resultados, deverá produzir efeitos políticos diretos no Brasil e no mundo, segundo expoentes da direita bolsonaristas ouvidos pela BBC News Brasil.

Poucos dias antes das eleições americanas, realizada na terça-feira (5/11), na qual Trump derrotou a candidata democrata e atual vice-presidente Kamala Harris, a reportagem conversou com Paulo Figueiredo, ex-comentarista da Jovem Pan, e Ernesto Araújo, que chefiou o Itamaraty no governo Bolsonaro.

Ambos se envolveram em diferente intensidade a um esforço de brasileiros na campanha online pró-Trump e atuam como uma interface entre representantes da direita do Brasil e dos Estados Unidos, se consolidando como vozes influentes na diáspora brasileira em território americano.

Araújo soma quase 900 mil seguidores em sua conta do X e, atualmente licenciado do Itamaraty, vende cursos online de formação política à direita, que ele admite ter criado sob “inspiração” do guru Olavo de Carvalho, morto há dois anos.

Já Figueiredo, cuja conta na rede social X está atualmente bloqueada no Brasil por determinação do Supremo Tribunal Federal, reúne 1,3 milhão de seguidores ali. Nos EUA, ele consegue operar seu perfil normalmente, sem restrições legais.

Figueiredo é alvo de investigação da Polícia Federal, que o acusa de ter participação na suposta tentativa de golpe de Estado liderada por alguns expoentes do governo de Bolsonaro depois da derrota eleitoral de 2022, o que ele nega.

Em diferentes graus, Araújo e Figueiredo estão convencidos de que, no poder, Trump colocará em evidência o ex-presidente Bolsonaro, levará o bolsonarismo a retomar seu foco em uma agenda de direita radical, produzirá impactos no modo como o Brasil combate às fake news e deverá aprofundar os intercâmbios políticos de lideranças conservadoras de direita em âmbito global.

Paulo Figueiredo recorda que o ex-presidente Donald Trump tem "um enorme carinho pessoal" por Bolsonaro e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Ele acredita que essa proximidade vai derivar em uma maior e natural atenção ao político brasileiro.

Os bolsonaristas não estão sozinhos na avaliação. O ex-subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, que serviu também como embaixador dos Estados Unidos no Brasil, vê na volta de Trump ao poder como o provável início de um novo capítulo da recente história espelhada que Brasil e Estados Unidostêm escrito.

Nos últimos dez anos, os dois países viveram o desgaste dos políticos tradicionais, a ascensão ao poder de modelos populistas de direita, a derrota nas urnas dos representantes desse modelo (Trump e Bolsonaro), as contestações ao modelo democrático que culminaram em ataques físicos às instituições pelos apoiadores desses líderes, como a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e a depredação da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Trump reeleito, disse Shannon, "deve ajudar Bolsonaro, porque mostra que é possível perder e ainda assim voltar ao poder quatro anos depois”.

A questão é que, à diferença de Trump, Bolsonaro está inelegível.

O ex-presidente, que também é alvo de outras investigações no âmbito da Polícia Federal, não pode concorrer a cargos eletivos até 2030.

Em sentença de junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que ele cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em uma reunião com embaixadores durante a campanha de 2022 na qual atacou, sem provas, as urnas eletrônicas.

Bolsonaro, no entanto, refuta o veredito e tem dito que vai concorrer em 2026, sem explicar como. Para que isso aconteça, ele teria que conseguir deixar sem efeito a punição do TSE.

Um dos caminhos seria aprovar no Congresso um projeto de anistia para ele e envolvidos no ataque à sede dos Três Poderes em janeiro de 2023.

A avaliação de analistas, no entanto, é que Bolsonaro, ao mesmo tempo em que demonstrou força nas eleições municipais nas grandes cidades, também amargou derrotas, o que não faria a pauta de anistia tão forte no Congresso.

Tanto Figueiredo como o ex-chanceler Araújo foram categóricos em dizer que Trump “não se envolveria na política interna do Brasil” quando perguntados sobre como o governo do republicano poderia influenciar a aprovação de um projeto de anistia.

Mas não descartam que Trump seja capaz de promover uma mudança de atmosfera que faça as autoridades brasileiras repensarem suas ações.

Elon Musk vai ter influência no governo Trump, e o Brasil está no mapa mental do Musk, então eu acho que ele vai influenciar a percepção sobre Brasil”, diz Ernesto Araújo.

No cálculo dos bolsonaristas, o tamanho que se projeta que o bilionário dono da Tesla, do X e da Space X, terá na futura administração é motivo de celebração.

“O grande tema do momento no mundo é a liberdade de expressão, e o Musk vê o Brasil como uma das principais frentes de batalha no assunto, por tudo o que aconteceu com o X", segue Araújo.

"Então é alguém que pode influenciar a administração do Trump em medidas que sejam, de certa forma, mais críticas da ausência de liberdade de expressão no Brasil, mais favoráveis a uma pressão.”

Como ex-chanceler do Brasil, Araújo disse não querer “entrar tanto em especulação sobre essa coisa de sanções”.

“Porque isso depende, há coisas que são da alçada do Executivo, alguma investigação do Departamento de Justiça, mas é preciso ver se essa mudança de entendimento ficará só na Casa Branca, porque nem tudo depende só do presidente”, explica Araújo.

Como ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Araújo empreendeu alinhamento total do Brasil com a gestão Trump, mas não conseguiu aprovar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, uma meta do então governo, travada no Congresso americano.

Outro foco dos bolsonaristas é um projeto de lei, introduzido em setembro no Congresso americano, batizado de "No Censors on our Shores Act", ou algo como "Ato Sem Censores em Nossa Área de Jurisdição".

Quem copatrocina o projeto é o deputado Chris Smith, que prevê a cassação de vistos ou mesmo a deportação de “qualquer autoridade estrangeira envolvida em atos de censura” contra cidadãos americanos que, se estivessem nos EUA, violariam a primeira emenda da Constituição (que garante liberdade de expressão).

Tanto Figueiredo como Ernesto Araújo admitem que o alvo da lei são os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

“O projeto já está pronto para ser votado agora depois das eleições, a gente vai trabalhar para que seja votado ainda por essa legislatura na Câmara [de maioria republicana] e na próxima legislatura pelo Senado [que será de maioria republicana]", afirma Figueiredo.

"Não só os ministros ficariam impedidos de entrar nos Estados Unidos, mas também os delegados da Polícia Federal, juízes auxiliares, outras figuras que certamente a gente tem trabalhado para identificar. E aí a gente vai depender da sanção presidencial”, segue ele, para quem Trump exercerá pressão sobre a base republicana em prol do projeto de lei.

“É um otimismo informado”, acrescenta.

Um segundo projeto de lei, que prevê a proibição de que agências governamentais americanas financiem ações ou deem assistência com dinheiro público a entidades estrangeiras que "promovam censura" de entes americanos, poderia seguir o mesmo caminho legislativo. O texto foi igualmente criado pensando em punir o Brasil pelo caso com o X.

Já Ernesto Araújo se mostra menos seguro de um caminho legislativo tão certo para as medidas e tenta também reduzir expectativas: “Não é que o Trump vai invadir o Brasil, precisa ver a estratégia que eles terão para o país, que instrumentos táticos estarão disponíveis, mas eu não espero nada dramático”.

O ex-chanceler aposta que Trump poderia exercer algum protecionismo econômico e constranger empresas brasileiras ao abrir investigações por corrupção via Departamento de Justiça, como aconteceu com a Lava Jato. Ou mesmo focar em empresas chinesas atuando no Brasil.

O republicano tem prometido distribuir tarifas a produtos importados pelos EUA, o que também poderia afetar o Brasil.

Em setembro, no auge da batalha judicial com o STF, Elon Musk tuitou: ''Espero que Lula goste de voo comercial. A menos que o governo brasileiro devolva os bens ilegalmente apreendidos do X e da SpaceX, buscaremos a apreensão recíproca dos ativos do governo também''.

“Se o Brasil continuar violando os acordos internacionais do qual é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, se o Brasil continuar nessa flagrante violação [do direito à liberdade de expressão], pode ser que leve a administração Trump ao ponto de, se necessário, aplicar sanções diretamente ao Brasil”, opina Figueiredo.

Ernesto Araújo e, em menor grau, Paulo Figueiredo, expressaram certa expectativa de que o retorno de Trump ao poder leve Bolsonaro a retomar uma agenda mais ideológica e programática em direção à direita radical.

“Se o Trump vier com determinadas políticas que seriam semelhantes provavelmente às do mandato anterior, isso nos anima no Brasil, quem acredita nessas políticas de ideário conservador, até porque mostra que há viabilidade eleitoral nelas”, diz Araújo.

Para ele, “o bolsonarismo se aproximou do centrão, não o centrão que se aproximou do bolsonarismo", afirma.

"Mas o exemplo de Trump, que volta ao poder sem ter se aliado a um Valdemar [da Costa Neto, presidente do PL], faz também ressurgir programas e discussões que estavam enterradas”.

Trump foi capaz de colonizar completamente o Partido Republicano, enquanto que Bolsonaro falhou em criar o seu Aliança Brasil e acabou abrigado na legenda de Valdemar. “Eu acho um erro”, diz Figueiredo.

“Nos EUA, foi a liderança que absorveu o partido, no Brasil foi o contrário”, critica Araújo, que diz que a emergência do ex-coach e empresário Pablo Marçal, candidato derrotado nas eleições de São Paulo, é exemplo da "demanda que existe por um líder populista de direita".

Ernesto Araújo, que atualmente trabalha na assessoria internacional do partido de direita radical espanhol Vox, diz esperar que a chegada de Trump ao poder possa fortalecer a articulação de lideranças conservadoras em âmbito global.

A volta de Trump poderia, na visão do ex-chanceler, impulsionar o Foro de Madrid, uma espécie de internacional dos ideários conservadores e anticomunistas criada em 2020.

Araújo se entusiasma com as ideias de gestão que Elon Musk possa trazer para o grupo e imagina que os países possam replicar as estratégias de rede do bilionário.

O ex-chanceler brasileiro também tem a expectativa de que a chegada de Trump ao poder gere uma injeção de dólares no intercâmbio internacional deste campo político.

Fariam parte desta rede húngaros ligados ao governo de Viktor Orban, italianos do grupo da premiê Georgia Meloni, poloneses ligados ao presidente do país Andrzej Dudah, além de latinos dos movimentos de Javier Milei, na Argentina, e José Antônio Kast, no Chile.

Com informações de reportagem publicada em 3 de novembro.

Fonte: correiobraziliense

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