Donald Trump está de volta. Com o controle absoluto do Senado (e possivelmente da Câmara dos Representantes), uma Suprema Corte conservadora, e com 27 dos 50 governadores ao seu lado, o republicano retornará à Casa Branca em 20 de janeiro, quatro anos depois de se recusar a participar da transmissão de poder para Joe Biden. Até o fechamento desta edição, ele ganhava no voto popular: 72,1 milhões de votos contra 67,4 milhões para a vice-presidente democrata Kamala Harris. No Colégio Eleitoral, Trump tinha conquistado 291 dos 270 delegados necessários para a eleição, enquanto Kamala tinha 223.
Apenas outro presidente conseguiu a façanha de se reeleger para um segundo mandato, depois de perder as eleições: o democrata Grover Cleveland, que governou entre 1885 e 1889 e de 1893 a 1897. O último chefe do Executivo dos EUA a concentrar tanto poder foi o democrata Lyndon Johnson, que ocupou a Casa Branca de 1963 a 1969.
Durante o discurso de vitória, Trump assegurou que seu governo "será verdadeiramente a era de ouro da América". "Este é o maior movimento político de todos os tempos. (...) Fizemos história. Vamos ajudar nosso país a se curar", prometeu. A retórica direta ecoou na classe trabalhadora e no meio rural, desiludidos com Washington. Na caminhada de volta à Casa Branca, ele enfrentou um atentado à bala e indiciamentos na Justiça, relacionados a um suborno para esconder uma relação extraconjugal com a ex-atriz pornô Stormy Daniels; à incitação à invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021; e à tentativa de anular o resultado das eleições de 2020.
No início da tarde desta quarta-feira (6/11), Kamala telefonou para Trump, reconheceu a derrota e prometeu trabalhar, ao lado do presidente Joe Biden, para garantir uma transição pacífica de poder. "Ela deixou claro que espera que Trump seja um presidente de todos os americanos", disse Jen O'Malley Dilon, chefe de campanha de Kamala, segundo a emissora de tevê NBC News. Steven Cheung, porta-voz do presidente republicano eleito, explicou que "Trump reconheceu à vice-presidente (Kamala Harris) sua determinação, profissionalismo e perseverança ao longo da campanha". Ambos concordaram com a importância de unir os Estados Unidos. Horas depois, Kamala instou os eleitores a aceitarem o resultado das urnas.
Na mesma direção, Biden ligou para o presidente eleito e, além de parabenizá-lo, o convidou a "visitar" a Casa Branca. Nesta quinta-feira, o líder democrata, de 81 anos, fará um pronunciamento à nação para abordar as eleições e a transição. Em 2021, depois da derrota nas urnas, Trump deixou Washington de helicóptero e se ausentou da cerimônia de posse.
Líderes mundiais felicitaram Trump e expressaram o desejo de trabalharem com o novo governo. Uma das saudações mais efusivas partiu do premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, ao declarar que Trump conseguiu "maior retorno da história". "O seu retorno histórico à Casa Branca fornece aos EUA um novo começo e um compromisso poderoso com esta grande aliança entre Israel e os EUA", disse. Os dois conversaram sobre a ameaça representada pelo Irã.
Na avaliação de Bruce E. Cain, professor de ciência política da Universidade de Stanford, o empoderamento de Trump o levará a tomar medidas polêmicas. "Ele avançará no corte de impostos e de cargos públicos no governo, pressionará os europeus e a Ucrânia, e promoverá a detenção e a deportação de imigrantes ilegais", disse ao Correio. "Trump se sentirá justificado pelos resultados e mais livre para fazer o que quiser. Mesmo assim, será mais difícil navegar dentro das fileiras republicanas em questões como aborto, tarifas e deficits orçamentários."
Insatisfação
Cientista político da Universidade Columbia, Donald P. Green crê que a explicação para a vitória de Trump está no sentimento geral de insatisfação com a economia e com a baixa popularidade de Biden. "Kamala acabou sobrecarregada pela fraca avaliação do eleitorado sobre Biden", afirmou à reportagem. "Foi difícil para ela alegar, com credibilidade, que defende novas políticas e ideias. A maioria dos analistas esperava que o eleitorado punisse Trump por seus delitos, mas isso não se materializou em perda significativa de apoio, talvez por refletir a profundidade da divisão partidária nos EUA."
James Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), explicou que os americanos acreditam que o não branco está tomando o lugar do branco no país. "Há o medo de que, em alguns anos, os EUA serão formados por uma 'maioria de minorias'", explicou ao Correio. "Trump se mobilizou sobre a noção da masculinidade ameaçada pelo movimento feminista."
Professora de direito da Universidade de Michigan e ex-procuradora federal, Barbara McQuade afirmou ao Correio que Trump provavelmente se livrará de algumas acusações. "É provável que oriente o seu procurador-geral a rejeitar os casos federais contra ele. Também creio que os casos estaduais serão paralisados durante o tempo em que ele ocupar a presidência. Trump anunciou que perdoará os condenados pela invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021."
"A vitória de Trump é ruim para o Estado de direito. Penso que a prisão e uma sentença contra ele será altamente improvável. É possível que um dos dois casos em Cortes estaduais contra o republicano seja retomado apenas em janeiro de 2029, quando ele deixar a Casa Branca, e ele seja condenado e enviado à prisão. No entanto, os casos judicias não se fortalecem com a idade. Justiça atrasada é justiça negada."
Barbara McQuade, professora de direito da Universidade de Michigan e ex-procuradora federal
"Trump será muito poderoso. Ele ganhou o Senado e deve obter a maioria da Câmara dos Representantes. Caso isso ocorra, ele receberá poder total para implementar seu Projeto 2025, marcado pela reestuturação do Estado e pela eliminação da regulamentação e de controle da saúde pública. Será um desastre. Trump descontruirá o Estado. Os democratas e outros terão que organizar uma resistência como ocorreu no Brasil durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro."
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
"Trump usará o segundo mandato para enriquecer sua família e a si mesmo. Também colocará fim às investigações, concederá autoperdão se achar necessário, perseguirá seus inimigos, empurrará sua agenda e, claro, jogará muito golfe."
Bruce E. Cain, professor de ciência política da Universidade de Stanford
Com esta frase, o executivo bilionário Elon Musk — dono de empresas como a SpaceX, a Tesla e X (antigo Twitter) — usou sua própria rede social para comemorar a vitória de Donald Trump. Ele publicou uma imagem em que aparece fazendo continência diante de uma bandeira dos Estados Unidos, no alto de um arranha-céu, em Nova York. O republicano garantiu que contará com Musk para realizar uma "auditoria completa" da administração fedeal e reformá-la drasticamente. O empresário aceitou a tarefa. Musk trabalhou de forma ativa na campanha e gastou mais de US$ 110 milhões (ou R$ 601,4 milhões) de sua fortuna pessoal para ajudar Trump a ser eleito. Ele também organizou uma série de eventos de campanha no disputado estado da Pensilvânia, onde o republicano venceu.
"A promessa de Donald Trump é acabar com a vida dos imigrantes. A vitória dele foi a pior coisa que poderia acontecer com a gente", afirmou ao Correio o carpinteiro Júnior Alves, 40 anos, que trocou a cidade de Gonzaga (MG) pela Filadélfia, na Pensilvânia, em 2005. "Não tenho medo de ser deportado. Estou aqui há muitos anos e, se Deus quiser, no Natal de 2025, eu e minha família iremos embora para o Brasil. Temo que muitos pais sejam deportados e seus filhos fiquem por aqui", acrescentou. O presidente eleito prometeu realizar a maior deportação em massa na história dos Estados Unidos e expulsar cerca de 1 milhão de estrangeiros não documentados.
Para Júnior, um presidente eleito preciza zelar por toda a nação. "Um líder não pode olhar para o inimigo, mas em sua volta, tem que olhar por muitas pessoas", ressaltou. Ele acredita que a política de Trump será a de expulsar os imigrantes. "Ele cortará os benefícios dos estrangeiros ilegais, quer que o imigrante ilegal procure o hospital e, se não tiver seguro-saúde, não será atendido. Também deseja que nós não matriculemos nossos filhos na escola", desabafou.
A favor
A massoterapeuta mineira Glaucimar (ela não quis er o sobrenome divulgado), 44, tambem vive na Filadélfia. "Tenho quase certeza de que Trump usará um sistema para deportação em massa que atingirá as pessoas que cometeram crimes nos EUA e no país de origem. Então, não estou com medo. Não acho que ele vá simplesmte pegar as pessoas ilegais nas ruas e deportá-las", disse à reportagem, por telefone.
Na opinião de Glaucimar, para fazer um bom governo, Trump precisará adotar a deportação. "Muitas pessoas necessitam ser deportadas. Eu e meu marido trabalhamos. Tem muito brasileiro, aqui, roubando carro, dirigindo bêbado e vivendo às custas do governo. Se Trump quer um país em crescimento, precisa deportar essas pessoas. Sou a favor disso."
Além de expulsar os imigrantes, Trump promete reconquistar as cidades "tomadas", segundo ele, pelos ilegais e fechar a fronteira com o México. Em vários discursos, afirmou que o dia da vitória seria o "dia da libertação". Nesta quarta-feira (6/11), Trump disse que os imigrantes poderão entrar nos EUA, mas apenas legalmente. O republicano adotou uma retórica agressiva, em que chamou todos os imigrantes ilegais de "criminosos". (Rodrigo Craveiro)
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