Antes de ser eleito como próximo presidente dos EUA nesta terça (5/11), Donald Trump prometeu que deportará em massa os migrantes que não tiverem vistos válidos para permanecer nos Estados Unidos.
Embora a sua campanha tenha respondido de diferentes maneiras à questão de quantos poderiam acabar sendo expulsos, o seu companheiro de chapa, o candidato republicano à vice-presidência JD Vance, deu um número concreto durante uma entrevista à televisão ABC.
“Vamos começar com um milhão de pessoas. Foi aí que Kamala Harris falhou e a partir daí podemos começar a trabalhar”, afirmou o senador pelo estado de Ohio.
Mas embora a ideia já faça parte das propostas da plataforma eleitoral de Trump – sob o lema “Deportações em massa, já!” – os especialistas alertam que expulsar tantas pessoas do país implicaria uma série de desafios jurídicos e até práticos.
E os defensores dos migrantes também alertaram para o custo humano significativo das deportações, com famílias separadas e prejuízo a comunidades e diversos locais de trabalho nos EUA.
Agora que Trump venceu, ele será capaz de colocar em prática esta proposta?
De acordo com os últimos números do Departamento de Segurança Interna e do instituto de pesquisa Pew Research, cerca de 11 milhões de migrantes sem visto vivem hoje no país, um número que se manteve relativamente estável desde 2005.
A maioria deles são residentes de longa duração: quase quatro em cada cinco migrantes sem documentos estão no país há pelo menos uma década.
Os migrantes que estão ilegalmente no país têm direito ao devido processo, incluindo uma audiência judicial antes de serem removidos.
Assim, um aumento drástico nas deportações envolveria provavelmente primeiro a expansão do sistema judicial de migração, que atualmente está saturado e com atrasos na resolução de casos.
A maioria dos migrantes não entrou no sistema de deportação após serem detidos por agentes de Imigração e Alfândega (ICE), mas sim pela polícia local.
No entanto, foram aprovadas leis em muitas das principais cidades do país que restringem a cooperação entre a polícia e o ICE.
A campanha de Trump se comprometeu a tomar medidas contra essas cidades, chamadas “cidades santuário”, mas a rede de leis locais, estaduais e federais nos EUA complica a situação.
Kathleen Bush-Joseph, analista do instituto Migration Policy, com sede em Washington, destaca que a cooperação entre os agentes do ICE e as autoridades locais seria essencial para concretizar um programa de deportação em massa.
“É muito mais fácil para o ICE buscar alguém na prisão se as autoridades locais colaborarem, em vez de ter de precisar fazer essas buscas nas ruas”, diz Bush-Joseph.
Como exemplo de quão crucial é esse aspecto, Bush-Joseph recorda declarações proferidas no início de agosto por autoridades policiais do Condado de Broward e Palm Beach, na Flórida, quando garantiram que não enviariam nenhum dos seus agentes para ajudar nos planos de deportação em massa.
“Há muitos outros condados que não vão cooperar com o plano de deportação em massa de Trump. E isso torna tudo muito mais difícil”, explica.
Qualquer programa de deportação em massa também terá muitas implicações jurídicas, especialmente devido aos processos judiciais que se espera que isso gere entre organizações de direitos humanos.
No entanto, uma decisão do Supremo Tribunal de 2022 estabeleceu que os tribunais não podem emitir liminares sobre as políticas de aplicação da imigração, o que significa que permaneceriam em vigor mesmo que os desafios atravessassem o sistema jurídico.
Agora, se o governo dos EUA avançasse com as medidas legais que tornam possível o seu plano de deportação em massa, as autoridades ainda teriam de lidar com enormes desafios logísticos.
Durante o mandato de Joe Biden, os esforços de deportação se concentraram nos migrantes detidos na fronteira.
Aqueles que já estavam no país e acabam sendo deportados geralmente têm antecedentes criminais ou são considerados uma “ameaça à segurança nacional”.
Em 2021, as polêmicas ações realizadas durante o governo de Donald Trump em locais de trabalho foram suspensas.
E, ao contrário dos detidos na fronteira, o número de deportações de pessoas detidas dentro dos Estados Unidos tem diminuído na última década até ficar abaixo dos 100 mil anualmente, após ter atingido o seu máximo — 230 mil — durante os primeiros anos do governo de Barack Obama.
“Para multiplicar esse número e chegar a um milhão (de deportados) num único ano, será necessário um enorme investimento de recursos que atualmente parecem não existir”, afirma Aaron Reichlin-Melnick, diretor de políticas do Conselho de Imigração dos EUA.
Por um lado, os especialistas duvidam que os 20 mil agentes do ICE e pessoal de apoio sejam suficientes para procurar e encontrar mesmo uma fração do número que Trump tem como alvo.
Além disso, Reichlin-Melnick salienta que o processo de deportação é longo e complicado e que a identificação e detenção de um migrante indocumentado é apenas o começo.
Depois, os detidos precisam ficar em um centro de detenção ou em um programa alternativo, à espera de comparecer perante um juiz de imigração, e o sistema acumula casos há anos sem poder encerrá-los.
Concluída esta etapa, procedem à deportação, o que também requer a cooperação diplomática do país destinatário.
“Em cada uma dessas etapas, o ICE simplesmente não tem capacidade para processar milhões de pessoas”, diz Reichlin-Melnick.
Trump disse que envolverá a Guarda Nacional e outras forças militares para ajudar nas deportações.
Historicamente, as forças militares dos EUA tiveram um papel limitado, mais como um apoio na fronteira EUA-México.
Além de contar com os militares e com a ajuda das “aplicações da lei locais”, Trump deu poucas pistas sobre como executaria o seu plano de deportação em massa.
Numa entrevista à revista Time no início deste ano, o futuro presidente disse apenas que não descartava a construção de novos centros de detenção de migrantes e que tomaria medidas para proporcionar imunidade processual à polícia, para protegê-la de possíveis processos judiciais de grupos progressistas.
E acrescentou que poderá haver incentivos para as polícias locais e estaduais que participem do plano, e que quem não quiser “não participará dos benefícios”.
“Temos que fazer isso. Não é sustentável para o nosso país.”
A BBC tentou contato com a equipe de Trump para obter mais detalhes.
Eric Ruark, diretor de investigação da NumbersUSA – uma organização que defende controles de imigração mais rigorosos – disse que qualquer programa de deportação dentro do país só será eficaz se for acompanhado de um aumento no pessoal que controla a fronteira.
“Essa tem que ser a prioridade. Caso contrário, não haverá muito progresso nesta questão. É o que faz com que as pessoas cheguem à fronteira”, ressalta.
E acrescenta que também é necessária uma ofensiva contra as empresas que contratam imigrantes indocumentados.
“(Os imigrantes) vêm em busca de trabalho”, enfatiza. "E estão tendo sucesso, basicamente porque a capacidade de monitorar e fazer cumprir a lei foi desmantelada."
Os especialistas estimam o custo de manter um plano como o proposto por Trump em cerca de 100 bilhões de dólares.
O orçamento do ICE para 2023 para transferência e deportação foi de 327 milhões de dólares e expulsou quase 140 mil pessoas do país.
Segundo o plano de Trump, milhares de pessoas que aguardam audiências de imigração poderão ser detidas. A campanha do candidato presidencial republicano planejou construir grandes acampamentos para abrigar todos eles.
Também seria necessário multiplicar os voos para realizar as deportações, o que provavelmente envolveria o apoio da Aeronáutica.
E o que está claro é que qualquer aumento no funcionamento dos departamentos correspondentes implica que os custos dispararão.
“Mesmo uma pequena alteração custa dezenas de milhões de dólares”, explica Reichlin-Melnick.
Além disso, teriam de ser somados às despesas de outros esforços de controle fronteiriço que Trump prometeu: os de continuar construindo o muro na fronteira com o México, um bloqueio naval para impedir a entrada de fentanil no país e as transferências de milhares de soldados para a fronteira.
Adam Isacson, especialista em migração e fronteiras do Escritório de Washington para a América Latina (WOLA, na sigla em inglês), disse que “imagens horríveis de deportações em massa” também poderiam ter um custo político para Trump, no nível de relações públicas, se ele voltasse ao poder .
“Todas as comunidades da América veriam pessoas que conhecem e amam sendo colocadas nesses ônibus”, explica ele.
“Haveria imagens muito dolorosas de crianças chorando, de famílias, na televisão. Tudo isso é uma péssima impressão. É o que já vimos com a política de separação familiar, mas de forma amplificada”, conclui.
Nos quatro anos em que Trump ocupou a Casa Branca, cerca de 1,5 milhões de pessoas foram deportadas, tanto da fronteira como de dentro do país.
A administração Biden, que deportou cerca de 1,1 milhão de pessoas até fevereiro de 2024, está no caminho para igualar esse número, mostram as estatísticas.
Durante os dois mandatos de Obama, quando Biden era vice-presidente, mais de três milhões de pessoas foram deportadas, o que levou alguns defensores da reforma da imigração a apelidarem o então presidente de “deportador-chefe”.
Mas o único programa comparável ao proposto por Trump seria talvez o realizado em 1954 no âmbito da chamada "Operação Wetback", que leva o nome de um insulto comum que foi usado na época contra os mexicanos, e que levou à deportação de 1,3 milhão de pessoas.
Embora existam historiadores que duvidam do número.
O plano, aprovado pelo presidente Dwight Eisenhower, encontrou considerável oposição pública – em parte porque alguns cidadãos americanos também foram deportados – bem como falta de financiamento.
Em 1955 foi descontinuado.
Especialistas em imigração afirmam que o fato de se concentrar em pessoas originárias do México e a falta do devido processo legal significa que essa operação não pode ser comparada a um atual programa de deportação em massa.
“Os deportados eram homens mexicanos solteiros”, observa Bush-Joseph.
“Agora, a grande maioria dos que atravessam a fronteira nas áreas entre os portos de entrada não são originários do México, nem mesmo do norte da América Central. E isso torna muito mais difícil deportá-los”, acrescenta.
“São situações incomparáveis”.
Fonte: correiobraziliense
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