Sob a promessa de aumentar as tarifas de importação para parceiros comerciais, a vitória de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos traz potenciais impactos para o Brasil e para o cenário econômico global. Com uma política protecionista, uma de suas propostas de campanha prevê a imposição de tarifas de 10% a 20% sobre todas as importações, além de taxas de 60% ou mais sobre produtos vindos da China.
Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações totais brasileiras, atrás apenas da China. No ano passado, o Brasil exportou US$ 36,9 bilhões para os norte-americanos, o que representa cerca de um terço do total exportado para os chineses. Na avaliação de analistas, a nova rota da economia representa tanto implicações como oportunidades.
Para Marcelo Vitali, diretor da consultoria de internacionalização How2Go no Brasil, o comércio internacional certamente é um dos principais perdedores com a eleição de Trump. "México, China e Brasil serão os principais impactados, com efeito negativo especialmente no setor de exportação. Em um de seus últimos discursos antes da eleição, Trump já enfatizou sua preferência pela aplicação de novas tarifas, ampliando a proteção para as empresas locais em detrimento das internacionais", destacou.
O especialista lembrou que em seu último governo, por exemplo, o americano adotou uma alta tarifa contra o aço brasileiro, afetando diretamente as siderúrgicas. "Setores como aço, etanol, suco de laranja e outras commodities estão na mira, já que o Brasil é um grande exportador desses produtos", apontou.
Segundo ele, as medidas protecionistas podem obrigar a indústria brasileira a ter que buscar novos parceiros comerciais. "Diversificar mercados é uma estratégia inteligente para exportadores que dependem fortemente dos Estados Unidos. Grandes empresas podem até ser incentivadas a estabelecer unidades produtivas nos EUA para mitigar o impacto das tarifas. Ainda assim, o problema sempre pode ser visto como oportunidade, apesar das dificuldades, como a necessidade de explorar novos mercados", ponderou.
Na avaliação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Trump fez um discurso mais moderado após a vitória do que o da campanha. "Foram ditas muitas coisas que causam apreensão no mundo inteiro. Causam a apreensão nos mercados emergentes, nos países endividados, na Europa, no mundo", destacou o chefe da equipe econômica, que disse acreditar em um distanciamento dessa postura ao longo do governo.
"Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos que isso já aconteceu no passado, as coisas às vezes não se traduzem da maneira como foram anunciadas", avaliou. "Nós temos que aguardar um pouquinho e cuidar da nossa casa para ser o menos afetado possível, qualquer que seja o cenário externo", completou.
O primeiro governo de Trump foi marcado pela política "America First" (América em Primeiro), com forte protecionismo da indústria norte-americana e taxação de produtos, sobretudo vindos da China, retomando a guerra comercial entre os dois países. À época, o republicano implementou taxas de 7,5% a 25% para a segunda maior economia mundial.
A tensão entre os países é conhecida desde o século 20, no entanto, desde a década de 1990, empresas norte-americanas decidiram centralizar produções na China, devido ao baixo custo de produção, legislação flexível e leis trabalhistas mais brandas.
"Se tudo isso ocorrer, possivelmente o consumo de produtos brasileiros pelos americanos vai crescer, a exportação brasileira para os americanos deve crescer, e os produtos brasileiros passarão a ter maior competitividade. Essa é a parte positiva", afirmou Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.
"É bom para a indústria brasileira que exporta, mas em muitas situações é ruim para o Brasil com o aumento do juros e aumento da inflação brasileira levando a uma desvalorização do real", acrescentou o economista. Ele considera crucial para o Brasil adotar uma postura "diplomática e pragmática" para minimizar impactos negativos na relação bilateral e no mercado econômico global.
O Brasil é um importante fornecedor de alimentos para os EUA, liderando as exportações de café para o país. Outros itens agrícolas também têm peso na corrente comercial como suco de laranja, carne bovina, produtos da cana-de-açúcar, couro e soja. Na avaliação dos analistas, é difícil que Trump taxe a importação de produtos de primeira necessidade, sob o risco de provocar um aumento nos preços dos alimentos.
"A ampliação do setor privado deverá intensificar a atividade econômica nos Estados Unidos, gerando uma demanda adicional por produtos agrícolas, o que beneficia a produção nacional", avaliou Luiz Felipe Baggio, consultor jurídico da Evoinc. O cenário, de acordo com ele, ainda pode abrir portas para que o Brasil intensifique parcerias com países do Oriente Médio e diversifique sua pauta de exportação.
No entanto, Baggio alerta para possíveis barreiras alfandegárias impostas aos produtos brasileiros, já que o Brasil se posiciona como um dos principais concorrentes agrícolas dos EUA. "Nosso setor agro compete diretamente com o americano em várias bolsas de commodities, o que pode levar a uma política protecionista nos EUA", destaca.
Um dólar mais forte pode impactar diretamente economias emergentes, mas também fortalecer as exportações brasileiras, especialmente no agronegócio. "Com a postura de Trump em adotar medidas protecionistas e restringir importações da China, o Brasil poderia ganhar competitividade no mercado americano, aumentando suas exportações de commodities e produtos agrícolas", aponta Juliana Tescaro, sócia e diretora do hub de soluções financeiras Grupo Studio.
Uma eventual guerra comercial com a China também pode aproximar ainda mais o agronegócio brasileiro dos chineses como aconteceu no primeiro mandato de Trump, quando houve aumento das vendas de soja, carne bovina e milho do Brasil para o país asiático.
"Além disso, a firmeza nas relações com a China pode gerar oportunidades para o Brasil substituir produtos chineses, embora a política econômica americana também possa influenciar a inflação e os juros brasileiros, o que exigirá atenção na condução da política econômica do país", completou Tescaro.
A perspectiva de políticas econômicas mais protecionistas e de estímulo fiscal nos EUA fortalece o dólar, que atingiu patamares elevados em relação ao real na última semana. Suas políticas protecionistas e de incentivo à indústria interna tendem a valorizar a moeda norte-americana, o que pode pressionar ainda mais as economias emergentes, incluindo o Brasil.
De acordo com Felipe Vasconcellos, sócio da Equss Capital, esse movimento pressiona moedas de mercados emergentes e tende a adicionar uma nova fonte de pressão à inflação brasileira devido ao aumento dos custos de importação. Segundo ele, o fenômeno conhecido como "Trump Trade" impulsiona ações, criptomoedas e o dólar, refletindo expectativas de políticas que favoreçam o crescimento econômico nos EUA. "Para o Brasil, a valorização do dólar pode agravar o deficit em transações correntes e dificultar o controle da inflação", alerta.
Se a tendência de alta continuar, o analista afirma que há possibilidade de o dólar se estabilizar na casa dos R$ 6, o que exigiria medidas adicionais de política monetária para mitigar os impactos na economia brasileira. "No entanto, é importante lembrar que sempre há uma diferença entre o discurso e a prática, de modo que precisaremos acompanhar quais pautas da campanha de Trump irão de fato se tornar realidade. Os próximos meses serão interessantes", completou Vasconcellos.
Com o dólar mais forte, os custos de importação aumentam e a inflação tende a subir, o que poderia levar o Banco Central a ajustar suas taxas de juros, avalia João Kepler, CEO da Equity Fund Group. "Para o Brasil, isso representa tanto oportunidades no aumento das exportações, especialmente de commodities, como desafios, com um possível enfraquecimento do real e uma maior pressão sobre a política monetária interna", diz.
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