23 de Novembro de 2024

A misteriosa cidade flutuante da era soviética construída sobre barcos afundados


No meio do Mar Cáspio, uma ilha feita pela mão humana — incríveis torres de aço, tubulações enferrujadas, pontes de madeira, e edifícios imponentes da era soviética —, que não aparece nos mapas: bem-vindos a Neft Dashlari.

Sua história remonta aos anos 40 do século XX, quando Joseph Stalin mandou construir essa plataforma após descobrir que havia petróleo sob o leito marinho do Mar Cáspio naquela região.

Localizada a cerca de 55 quilômetros de Baku, na costa do Azerbaijão, seu nome em russo significa “Rochas Petrolíferas” ou, em inglês, "Oil Rocks", porque essa cidade é também a plataforma petrolífera marítima mais antiga do mundo, segundo o Livro Guinness dos Recordes Mundiais.

É precisamente em Baku onde, na próxima semana, será realizada a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2024, a COP29.

Foi em 1920 que o exército vermelho entrou no Azerbaijão e o incorporou como parte da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). O país pertenceu ao Bloco Soviético até outubro de 1991, pouco antes da dissolução oficial da URSS.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Azerbaijão foi crucial para a estratégia energética soviética, pois grande parte do petróleo usado na Frente Oriental vinha de Baku.

Neft Dashlari foi criada inicialmente como parte de um plano quinquenal liderado por Stalin, ou seja, os projetos de 5 anos voltados ao desenvolvimento econômico, especialmente industrial, que se tornaram marca registrada da burocracia soviética. Muitos desses projetos, porém, não foram concluídos e alguns acabaram abandonados ou fracassaram.

A construção de Neft Dashlari começou após uma primeira exploração petrolífera bem-sucedida, em 7 de novembro de 1949. A região se revelou uma das maiores reservas de petróleo da Ásia Central.

“No dia 7 de novembro, o poço produziu um jato de petróleo (100 toneladas por dia), marcando a primeira produção de petróleo em alto-mar no mundo. O Azerbaijão é o primeiro a explorar campos de petróleo na parte aberta do Mar Cáspio”, relata a página da SOCAR, a empresa estatal de petróleo do Azerbaijão.

O que começou como uma pequena plataforma de extração, com uma simples casa para alojar os trabalhadores, transformou-se em uma grande construção a partir de 1951. Um “milagre arquitetônico e técnico”, como descreveu o cineasta Marc Wolfensberger ao visitar o local no final dos anos 90.

Para acelerar as obras da plataforma marítima, foi adotada uma solução singular: barcos fora de serviço foram afundados para usar suas estruturas como fundação, e sobre eles ergueram-se os pilares dos edifícios.

Um desses barcos foi o petroleiro Zoroaster, o primeiro do mundo. Seu criador, Ludvig Nobel — irmão de Alfred Nobel —, o fabricou como uma solução para o transporte de petróleo no final do século XIX.

“Em 1951, para proteger a ilha dos ventos e das ondas, seis navios adicionais das empresas Khazartanker e Khazardonanma foram desmontados e trazidos para cá semi-afundados, criando uma baía artificial ao redor da ilha. As cabines e os porões dos navios foram usados como refeitório, posto médico, dormitórios e outras instalações para a equipe de perfuração. Foi daí que surgiu o nome original deste local, ‘Ilha dos Sete Navios’”, segundo a página da SOCAR.

Mais tarde, essa ilha artificial ficou famosa com o nome que tem atualmente.

Com o passar dos anos, Neft Dashlari cresceu como uma cidade em forma de gigantesco polvo sobre o mar.

Blocos de edifícios para trabalhadores, uma padaria, lojas, centros médicos, um campo de futebol, um heliporto e até um teatro.

Hoje em dia, conforme relatado à BBC Mundo por Mirvari Gahramanli, diretora da Organização de Proteção dos Direitos dos Trabalhadores do Petróleo, que se concentra nos direitos humanos no setor de petróleo e gás do Azerbaijão, Neft Dashlari está construída a vários metros acima da superfície do mar sobre pilares e postes metálicos fixados no fundo marinho.

Ela disse também que ainda há esses edifícios residenciais, um departamento médico e sanitário e lojas. Além disso, “nas docas de aço foram plantadas árvores e construído um parque”.

“O campo de Neft Dashlari é considerado o primeiro a ser explorado em mar aberto em todo o mundo. E esse lugar, por sua singularidade, é às vezes chamado de oitava maravilha do mundo, a ilha dos sete barcos, a ilha das maravilhas”, afirma Gahramanli.

O campo Oil Rocks tem cerca de 12 km de comprimento e 6 km de largura e, segundo dados de Gahramanli, na área foram perfurados cerca de 2.000 poços e construídos quase 200 quilômetros de passarelas elevadas.

Nos seus primeiros anos, a ilha chegou a ter cerca de 5.000 trabalhadores. Hoje, de acordo com os dados de Gahramanli, há cerca de 3.000 trabalhadores que passam 15 dias no mar e 15 dias em terra.

Neft Dashlari é um complexo pertencente à SOCAR, a empresa estatal de petróleo do Azerbaijão, responsável pela produção, processamento e transporte de petróleo, gás e condensados de gás, além da venda de petróleo, gás e seus derivados.

Segundo a SOCAR, a ilha foi uma joia da coroa da produção petrolífera do Cáspio e produziu quase 180 milhões de toneladas de petróleo em seus 75 anos de existência. Em seu auge, em 1967, alcançou o recorde de 7,6 milhões de toneladas extraídas.

Atualmente, a produção diária de petróleo é menor, com cerca de 3.000 toneladas, de acordo com os dados divulgados pela SOCAR para janeiro deste ano.

A ilha teve um enorme auge, especialmente na década de 1960. Porém, a partir da década seguinte, devido à flutuação dos preços do petróleo e à lenta decadência do império soviético, seu esplendor começou a declinar.

De acordo com o jornal alemão Der Spiegel, em 2012 apenas 45 de seus 300 quilômetros de estradas eram transitáveis. No documentário Oil Rocks – City Above The Sea ("Oil Rocks – Uma Cidade sobre o Mar"), o cineasta Marc Wolfensberger captura parte dessa decadência.

“Todas essas estradas estavam em boas condições quando eu era jovem”, comenta à câmera um trabalhador da região enquanto viaja em um caminhão que chacoalha pela estrada. A cena seguinte mostra construções abandonadas, desmoronadas e enferrujadas.

Consultada sobre o risco de que a ilha afunde, devido à sua estrutura ou às mudanças climáticas, Mirvari Gahramanli é enfática: “A ilha não está prestes a afundar, e por enquanto esse risco não é previsto. Neft Dashlari é uma instalação estratégica situada no mar. Há fundos marinhos e poços. Lá se extrai petróleo, são realizadas perfurações, construções, instalações, etc.”

Não é fácil encontrar fotos ou imagens atualizadas do local.

Como curiosidade, a página da SOCAR inclui todas as produções filmadas na área, entre elas “O Mundo Não é o Bastante”, da franquia James Bond, no final dos anos 90.

Embora seja possível chegar de helicóptero ou barco, por sua natureza, não é um lugar de fácil acesso nem destinado a turistas. Contudo, com o declínio das produções de petróleo e o aparente desgaste das estruturas da ilha, não se descarta a possibilidade de que venha a se tornar um destino turístico.

“A cidade tem um futuro como resort marinho e centro turístico”, afirma Mirvari Gahramanli.

No entanto, de acordo com um estudo publicado na Communications Earth & Environment, o Mar Cáspio pode baixar 18 metros até o ano 2100, o que representaria uma perda de 34% de sua superfície.

No estudo, os cientistas alertam que essa massa de água deve baixar entre 9 e 18 metros até o final do século, caso as emissões de gases poluentes continuem nos níveis atuais.

Por enquanto, a poucos quilômetros dali, a COP29 debaterá novamente o presente e o futuro do clima em nosso planeta nos próximos dias. Em declaração, o presidente designado da conferência, Mukhtar Babayev, afirmou que será necessário “o esforço de todos”.

Fonte: correiobraziliense

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