21 de Novembro de 2024

O cemitério de bebês criado para ajudar mães que perderam bebês antes ou durante o parto


Na parte mais alta do maior cemitério da Europa Ocidental, bancos e pedrinhas brancas acolhem pais que perderam uma gestação e um futuro que não chegou a virar realidade.

O Parque de Mariposas (Parque das Borboletas) fica dentro do Cemitério Municipal Nuestra Señora de la Almudena e uma pequena placa avisa que esse é um lugar diferente: pela lembrança dos bebês que morreram durante a gestação ou pouco depois de nascer.

Esse espaço especial que acabou de ser inaugurado na capital espanhola vai se transformar em um lugar de conforto para muitos pais. Passar pela dor de perder um filho antes do nascimento ou poucos dias depois do parto é muito forte e para algumas famílias não contar com um espaço específico onde enterrar esse corpo pode ser ainda pior.

"É importante reconhecer que essa criança já existia no imaginário da mãe antes mesmo de nascer. Criar esse tipo de espaço físico ajuda a elaborar esse luto perinatal. Um lugar para honrar a memória dessa criança que partiu", acredita a doula brasileira Erika Menezes.

O diferencial é que ali os pais podem espalhar gratuitamente as cinzas dos seus filhos no meio de um canteiro de rosas brancas. Quem preferir um nicho ou colocar as cinzas em um columbário, também pode comprar esse serviço.

"Acho muito acolhedor contar com um lugar assim que só tem bebês estrelinhas", diz a brasileira Juliana Leister Raya que teve uma perda gestacional de 13 semanas.

Em 2016, o Tribunal Constitucional da Espanha sentenciou a favor das famílias dando a elas o direito de receber o corpo do bebê, independente do peso e da idade gestacional, mas nem todos os hospitais e clínicas cumprem com essa norma.

Quando a Juliana passou por isso em Madri ela não recebeu os restos cirúrgicos da curetagem no hospital onde foi atendida. "Eu não sabia que existia essa possibilidade. Se eu soubesse, teria pedido sim. Na hora eu até perguntei se depois eles iam me dizer pelo menos o motivo da perda, mas me disseram que nem isso era possível", relembra emocionada.

Quem também não sabia desse direito é a brasileira Gláucia Menezes que perdeu uma gestação há pouco tempo. "Eu não sabia que poderia receber esses restos mortais. Ninguém me falou sobre isso. Se eu tivesse essa informação, teria escolhido essa opção. Me senti um pouco lesada por não saber", diz a mineira que mora na Espanha há três anos.

"Antes de tudo é importante dar tempo aos pais e explicar bem o que vai acontecer quando o feto sem vida for retirado do útero. É preciso deixar que eles possam passar um tempo com o corpo da criança", explica a doutora Rita María Regojo, patologista do Hospital Universitário La Paz.

Segundo a especialista, existe um movimento na Espanha de sensibilização profissional nesse sentido. "Para acompanhar uma família nesse momento doloroso é preciso preparar os profissionais e melhorar os protocolos nos hospitais. O sistema público espanhol está muito saturado mas mesmo assim é preciso humanizar a saúde", sentencia.

Erika Menezes, que trabalha como doula em Madri explica que é muito importante formar profissionais nesse sentido porque uma das grandes queixas das famílias é a falta de preparo da equipe médica. ¨A preparação do espaço onde isso vai acontecer é muito importante. Imagina o quão violento pode ser você estar ouvindo o choro de um bebê enquanto outra mãe está recebendo um corpo sem vida¨.

A doutora que é responsável por analisar os corpos dos bebês e as placentas para descobrir as causas da morte também acha importante incentivar os pais que desejam a tirar alguma fotografia do recém-nascido ou fazer uma pegada do pezinho.

"Ao ter poucas lembranças e experiências com o bebê, a sociedade não reconhece esse luto como algo realmente doloroso. Se os pais não receberem um bom acompanhamento, essa dor pode virar patológica. Às vezes esse luto dura muito e ao não ter lembranças só piora a situação. Por isso é importante guardar esse tipo de memória física", explica.

A Juliana acredita que hoje em dia já se fala mais abertamente desse tipo de assunto mas ainda assim a paulista acha que para algumas pessoas isso continua sendo um tabu. "Algumas mulheres contam pelo que passaram mas só depois que já tiveram outro filho. Vejo que algumas pessoas ainda não falam da dor realmente, do luto de algo que não veio, do luto de uma expectativa. É muito esquisito porque essa perda é um luto do futuro".

A doula brasileira acompanha pais que perderem bebês no primeiro trimestre. "Vejo que a sociedade não valida essa dor quando alguém diz frases que podem machucar: você é jovem ou fica tranquila que logo você vai ter outro filho. Há famílias que tiveram esse bebê muito presente, uma criança que já tinha nome, coisas foram compradas. É uma dor muito grande e ter essa sensação de que é preciso virar a página rápido não ajuda", explica Erika.

A mineira Gláucia também lamenta essa situação. "A humanidade está avançando e agora já damos nomes as coisas. Vejo que as pessoas estão começando a falar sobre isso, mas o caminho ainda é longo. Para muitas pessoas o luto perinatal ainda é menosprezado porque não existiu um bebê que se colocou no colo. A gente sofre sozinha ou com a família mais próxima. É um luto solitário".

A goiana Ângela Nery Soares perdeu duas gestações e explica como lidou com esse momento. "A maneira como eu enfrentei essa perda e tive a sorte de contar com a ajuda da minha psicóloga foi fazendo um ritual de integração dos meus dois bebês, cheguei até a dar nome a eles e também escrevi cartas. Assim eu consegui me conectar com eles e mantive os dois vivos na minha história".

A Juliana, que mora em Madri há seis anos, comemora a abertura do Parque das Borboletas e também acha muito importante que sejam criados mais grupos de suporte para mulheres que passaram por isso. "Quando perdi meu bebê fiquei três semanas de cama e até hoje eu choro por essa perda. Conversar com outras mulheres que passaram por isso ajuda muito".

Fonte: correiobraziliense

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