Os olhos do jornalista palestino Motasem Dalloul, 44 anos, viram muito mais do que ele suportaria. Mas foi o coração quem recebeu os impactos mais dolorosos da guerra. Por 49 vezes. É o número de familiares que ele perdeu nos ataques israelenses. Entre eles, estão a esposa, de 35 anos, e os filhos Abu Baker, 2, e Yahya, 4. Em 28 de fevereiro passado, a fome assolava a Faixa de Gaza. "Não tínhamos nenhuma comida. Morávamos com parentes, porque nossa casa tinha sido destruída. Por volta das 4h, soube que caminhões de ajuda humanitária entrariam na Cidade de Gaza, através da Rua Rashid. As forças de ocupação israelenses montaram postos de controle. Corri até lá e consegui um pacote e 25kg de farinha. Eu estava feliz e achei que minha mulher e minhas crianças também ficariam alegres. Fiquei em choque ao saber que, 15 minutos depois de eu sair, Israel bombardeou o nosso bairro de Al-Daraj, matando mais de 20 pessoas, incluindo a minha esposa e Abu Baker", contou ao Correio, por telefone.
Enquanto falava com Motasem, a reportagem pôde escutar o barulho de drones e pelo menos três explosões. "Minha felicidade se tornou luto", desabafou ele. O filho mais velho, Asem, 7, ficou ferido na perna direita, mas sobreviveu. Três meses depois, o jornalista viu a guerra levar o filho do meio. "Fomos até o local onde ficava a nossa casa, para buscar roupas sob os escombros, no sul da Cidade de Gaza. Franco-atiradores dispararam contra a cabeça de Yahya. Os tanques vieram e continuaram atirando em nossa direção, de forma arbitrária. Não pude levar o corpo dele e preferi fugir com Asem. Retornei 10 dias depois e encontrei partes do corpo dele. Um dos tanques passou por cima do meu filho", relatou Motasem.
O repórter afirmou que faz seu trabalho como qualquer jornalista. "A diferença é que aqui todos somos alvos. Conheço vários jornalistas que perderam todos os familiares. Alguns deles descobriram isso quando fotografaram os mortos nos hospitais. Cerca de 190 repórteres morreram desde o início da guerra", disse Motasem. Ele acusou Israel de atacar deliberadamente os jornalistas, em uma campanha de "desinformação". "Não há meios de nos protegeremos. Nem mesmo tenho um capacete. O nosso escritório foi destruído, assim como todos os equipamentos. Até mesmo as organizações internacionais pediram que os jornalistas saíssem da Faixa de Gaza. Muitos fugiram para o Egito, a Jordânia ou o Reino Unido", lembrou. Em 2018, Motasem foi ferido no peito por um franco-atirador, enquanto cobria um protesto contra o cerco de Israel.
Ataques aéreos israelenses mataram, neste domingo (17/11), pelo menos 55 pessoas na Faixa de Gaza. O bombardeio mais letal ocorreu durante a madrugada, em Beit Lahyia, no norte do território: 30 palestinos morreram, incluindo mulheres e crianças, e dezenas ficaram presos sob os escombros. Outras 26 pessoas morreram em bombardeios no sul — em Rafah e Khan Yunis — e em Nuseirat e Bureij, ambas no centro do território. Israel também voltou a atacar Beirute, capital do Líbano. O porta-voz do movimento xiita Hezbollah, Mohamad Afif, morreu em um bombardeio contra um edifício no centro da cidade.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.