Oficialmente marcada para terminar hoje, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP29) em Baku, no Azerbaijão, deve render pelo menos mais um dia de trabalho, com poucas expectativas de que o texto principal da edição, sobre financiamento, agrade os países ricos e as nações em desenvolvimento. O novo rascunho, apresentado ontem, não deixou de ser unânime: foi criticado por todos os blocos.
Com muitos colchetes em branco — pontos de desacordo ainda à espera de preenchimento —, o texto apresenta duas opções. Nenhuma delas cita um valor concreto: fala-se em "trilhões de dólares". A primeira inclui uma meta anual que começa em 2025, devendo ser alcançada na íntegra em 2034. O financiamento sairia dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, embora esses últimos possam ser convidados a fornecer fundos voluntários.
A segunda opção estipula mais tempo para alcançar a meta: até 2035. Sem especificar, diz que o dinheiro virá de "uma ampla gama de fontes e instrumentos", o que incluiria os países em desenvolvimento. O rascunho também enfatiza que nações mais pobres e pequenos estados insulares contribuiriam com valores determinados pelo documento final da COP29.
"O texto que temos agora é desequilibrado, impraticável e inaceitável", reagiu Wopke Hoekstra, Comissário Europeu para o Clima. "Os instrumentos de financiamento misto inovadores, embora criativos, também não são uma solução justa nem fiável. O Sul Global não pode continuar a depender de empréstimos injustos", avaliou Carola Mejía, coordenadora de Justiça Climática, Transições e Amazônia da organização não governamental Latindadd.
A ausência de um valor no rascunho é o que mais preocupa o G77, que defende, no mínimo, US$ 500 bilhões anuais. Economistas consultados pela Organização das Nações Unidas (ONU) calcularam em US$ 1 trilhão (R$ 5,77 trilhões) o mínimo necessário para atender as demandas de mitigação e, principalmente, possibilitar que os países em desenvolvimento se adaptem às mudanças climáticas. Os grupo da Aliança Independente da América Latina e Caribe (Aliac), África e dos países insulares exigem, no mínimo, US$ 1,3 trilhão anuais (R$ 7,5 trilhões).
"Ainda temos um longo caminho a percorrer. Esse é o momento em que todas as cartas precisam ser colocadas sobre a mesa", afirmou o coordenador das negociações do Azerbaijão, Yalchin Rafiyev. António Guterres, secretário-geral da ONU, deixou um recado para os negociadores: "O fracasso não é uma opção". "Temos vontade política de criar a ponte que nos permita chegar ao trilhão. Mas faltam menos de 48 horas e não temos nada concreto para negociar. Esse é o problema", denunciou a ministra colombiana do Meio Ambiente, Susana Muhamad.
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Os Estados Unidos, que podem sair do Acordo de Paris no segundo governo de Donald Trump, que tomará posse no ano que vem, também não aprovaram o rascunho. "Estou profundamente preocupado com o desequilíbrio flagrante do texto em seu estado atual", disse o principal negociador norte-americano, John Podesta. O representante chinês, Xia Yingxian, também afirmou que o rascunho não é aceitável e reiterou que seu país não será obrigado a contribuir para o fundo internacional, uma ideia defendida pela União Europeia.
Maureen Santos, ativista brasileira da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), descreveu o texto como "ideias jogadas ao ar". "Na Amazônia, vários países estão passando por uma seca extremamente grave. Além de não ter uma política regional sobre isso, o espaço multilateral não oferece condições para realmente enfrentar esses problemas", disse. "A falta de especificidade mina a confiança", concordou Óscar Soria, ativista ambiental argentino e diretor da Common Initiative.
O rascunho também foi duramente criticado pela falta de menção sobre combustíveis fósseis. Petróleo, gás natural e carvão são os principais emissores de CO2 na atmosfera. O grupo dos países árabes avisou que não aceitará textos que sejam "contra as energias fósseis".
O documento do ano passado, porém, cita claramente essa fonte energética. "A mitigação em matéria de energia tem a ver, em primeiro lugar, com a transição para abandonar os combustíveis fósseis", lembrou Raquel Soto, vice-ministra de Desenvolvimento Estratégico de Recursos Naturais do Peru. "Lamentamos ver uma combinação de silêncio e bloqueio total para voltar a discutir esse tema nas salas, como se nada tivesse sido acordado na COP28."
Diante do impasse, os líderes das delegações da Austrália e do Egito, Chris Bowen e Yasmine Fouad, respectivamente, tentam chegar a uma terceira opção de texto que possa ser aprovado, consultando negociadores dos blocos participantes. Porém, não se chegou, ainda, a um rascunho.
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