04 de Dezembro de 2024

China dentro, EUA fora? Como será futuro das negociações climáticas com novo governo Trump


A mensagem veio pelo WhatsApp do principal negociador de um dos países mais poderosos presentes à COP29, no Azerbaijão. Ele pediu que eu fosse conversar com ele.

Enquanto os membros da sua equipe comiam pizza, curvados sobre os computadores, ele estava enfurecido com a postura obstrucionista de vários outros países durante a conferência.

Até aqui, nada de incomum. Outras pessoas expressaram suas versões particulares da mesma situação durante toda a semana. Que esta é a pior COP da história; que os textos negociados deveriam ser reduzidos à medida que se aproximavam os prazos, mas, na verdade, estavam ficando maiores; que a COP na sua forma atual pode naufragar...

Pairando sobre tudo aquilo, estava a perspectiva de que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, poderá vir a retirar o seu país do processo das COPs, quando tomar posse para o seu segundo mandato, no dia 20 de janeiro.

Trump já chamou as ações climáticas de "fraude". E, na comemoração da sua vitória em West Palm Beach, no Estado americano da Flórida, o presidente eleito prometeu ampliar a produção de petróleo dos Estados Unidos, ultrapassando seus recordes atuais.

"Temos mais ouro líquido do que qualquer país do mundo", declarou ele.

Mas havia uma boa notícia na COP29: a China.

"É o único ponto positivo em meio a tudo isso", foi o que me disse aquele negociador-chefe.

Não era só o estilo chinês de negociação, sensivelmente diferente dos anos anteriores. Ele também destacou que "a China pode estar tomando a dianteira", segundo suas próprias palavras.

Outro sinal desta possibilidade veio no início da conferência, quando a China anunciou os detalhes do seu financiamento climático.

Tradicionalmente, a China publica o mínimo de informações possível sobre seus planos e políticas a respeito do clima. Por isso, foi uma surpresa quando, pela primeira vez, as autoridades chinesas declararam que o país pagou às nações em desenvolvimento mais de US$ 24 bilhões (cerca de R$ 139 bilhões) para ações climáticas, desde 2016.

"É muito dinheiro, quase ninguém mais está neste nível", contou uma pessoa conhecedora das COPs.

É um "sinal notável", segundo Li Shuo, diretor do Centro Climático da China, da organização Asia Society. "É a primeira vez em que o governo chinês divulga um número preciso, em termos de quanto eles estão oferecendo."

Se estes forem realmente sinais de que a China pretende assumir um papel central no futuro, paralelamente à retirada dos Estados Unidos, seria um movimento tectônico no processo das COPs.

Historicamente, os países ocidentais — particularmente, os Estados Unidos e a União Europeia — eram responsáveis por oferecer o impulso, que era aclamado pelas nações menores e vulneráveis às mudanças climáticas.

Mas a forma de negociação, se a China assumir a liderança, irá sofrer mudanças expressivas.

Jonathan Pershing é diretor de programas de meio ambiente da Fundação William and Flora Hewlett. Ele compareceu a todas as COPs e conhece melhor do que a maioria das pessoas o que acontece nos bastidores das negociações, o bullying e o malabarismo que faz os acordos serem concluídos ou rompidos nas reuniões de cúpula.

Para ele, a China não irá liderar na linha de frente, como fazem os Estados Unidos e a Europa.

"Eles são mais cautelosos", explica ele. "Talvez estejam liderando com características chinesas, como eles próprios poderiam definir."

Esta visão relembra como o ex-presidente chinês Deng Xiaoping (1904-1997) definiu suas reformas econômicas no início dos anos 1980, que serviram de catapulta para o vertiginoso crescimento econômico do seu país: "socialismo com características chinesas".

Pershing sugere que a China provavelmente irá levar o processo das COPs adiante intervindo discretamente para destravar disputas.

Ele acredita que a maior parte deste trabalho irá ocorrer a portas fechadas, provavelmente insistindo para que os países desenvolvidos e em desenvolvimento aumentem suas ambições — e o fluxo de caixa.

Mas a China pode não colaborar totalmente com algumas das dificuldades que retardam o processo de negociação. Os casos em que os países usam a COP como palco para defender seus próprios interesses são um exemplo.

Um dos países mais acusados de bloquear as negociações em Baku foi a Arábia Saudita, líder de um grupo de países produtores de combustíveis fósseis que deseja retardar a transição para a energia renovável.

Como grande consumidora de combustíveis fósseis, a China, muitas vezes, usou seu peso ao lado deles no passado. O país combateu, por exemplo, os esforços britânicos em busca de um acordo para a eliminação gradual do uso de carvão durante a COP26 em Glasgow, na Escócia.

Nas negociações deste ano, houve outras ocasiões que indicaram as mudanças da postura chinesa.

No passado, a China costumava se concentrar nos seus próprios interesses. Por isso, o país desempenhava um papel duplo nas conversações sobre o clima.

Às vezes, a China se alinhava com os Estados Unidos e a Europa, por exemplo, em objetivos ambiciosos para incentivar as fontes de energia renovável ou a redução das emissões de metano, um potente gás do efeito estufa. Mas, em outras questões, ela desacelerou os progressos.

Um exemplo foi a COP15 em Copenhague, na Dinamarca, em 2009. Havia grandes esperanças de se atingir um acordo que comprometesse os países a promover cortes profundos das emissões de carbono.

Mas a conferência quase entrou em colapso quando a China rejeitou as pressões dos Estados Unidos para se submeter a um regime de monitoramento internacional. E o acordo final não obrigatório foi considerado praticamente um fracasso.

Mas este ano foi diferente, segundo o negociador-chefe que conversou comigo. Ele notou que a China estava sendo "incomumente cooperativa" em todas as discussões.

Também foram observadas outras mudanças, algumas em relação à apresentação chinesa sobre sua própria situação econômica.

No contexto das discussões das Nações Unidas sobre o clima, a China é classificada como país em desenvolvimento, apesar de ser a segunda maior economia do mundo.

Isso se deve a uma peculiaridade das normas das COPs, que consideram a situação econômica em 1992, quando começou o processo de negociação.

A China também resistiu por muito tempo às pressões dos países desenvolvidos para alterar sua posição, que faz com que ela não precise colaborar para o fundo que os países ricos concordaram em pagar para as nações mais pobres.

Mas, em 2024, especialistas observaram uma alteração nas expressões usadas pelos negociadores chineses.

"É muito interessante a linguagem empregada pelos chineses", afirma o professor Michael Jacobs, especialista em política climática da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. "Eles usaram a descrição 'fornecido e mobilizado' — é a expressão empregada pelos países desenvolvidos para descrever seus pagamentos."

A linguagem é importante nas conferências sobre o clima. Os negociadores podem passar dias discutindo se algo "irá" ou "deverá" acontecer.

Por isso, ouvir a China repetir a linguagem dos países ricos é algo significativo, segundo Jacobs. "Eles costumavam calibrar tudo contra o que os Estados Unidos faziam", ele conta.

Quando Donald Trump tomou posse pela primeira vez, em 2016, a China se afastou das negociações. Mas, desta vez, é diferente, segundo Jacobs.

"Para mim, isso parece uma reivindicação de liderança."

Jacobs destaca que nenhuma dessas mudanças é dirigida por "altruísmo" por parte da China.

Para Li Shuo, as mudanças na economia dos renováveis explicam por que a participação da China provavelmente passará a ser mais significativa.

"A transformação verde, em grande parte, é liderada pela China", explica ele. "Não necessariamente pelo governo, mas pelo setor privado e pelas empresas."

Estas empresas lideram o resto do mundo por uma "margem muito significativa", nas palavras de Li Shuo.

Oito em cada 10 painéis solares são fabricados na China. O país também controla cerca de dois terços da produção de turbinas eólicas.

A China é reconhecida por produzir pelo menos 75% das baterias de lítio do planeta e por deter mais de 60% do mercado global de veículos elétricos.

Em 2024, o presidente chinês Xi Jinping declarou que os painéis solares, veículos elétricos e baterias são o "novo trio" no centro da economia chinesa.

A China fez investimentos pesados em tecnologias renováveis. E a economia em escala massiva criada pelo país vem reduzindo os custos da energia renovável, ano após ano.

O desafio, agora, é encontrar novos mercados para venda dos produtos chineses.

A demanda deve explodir no mundo em desenvolvimento. Estes países irão representar dois terços do mercado de energia renovável nos próximos 10 anos, segundo um relatório recente de um grupo de economistas, contratado pela ONU para calcular os custos da transição energética.

O Paquistão, por exemplo, importou 13 gigawatts (GW) em painéis solares, apenas nos seis primeiros meses do ano, segundo estudos da organização de pesquisas BloombergNEF. Em termos de comparação, o Reino Unido tem instalados 17 GW de energia solar.

A exportação de tecnologia limpa para economias emergentes vem de encontro a outra política chinesa: a "Iniciativa Cinturão e Rota".

Também chamada de "Nova Rota da Seda", ela foi criada para desenvolver novos caminhos comerciais, incluindo estradas, ferrovias, portos e aeroportos. O objetivo é conectar o país ao resto do mundo.

A China já gastou mais de um trilhão de dólares (cerca de R$ 5,8 trilhões) neste projeto, segundo o Fórum Econômico Mundial. Um exemplo é o porto de Chancay, no litoral do Peru. No último dia 14 de novembro, o presidente Xi inaugurou a primeira fase do complexo.

Jacobs acredita que isso começa a explicar por que, enquanto os Estados Unidos podem se retirar, a China parece querer subir de posição.

"Parece que, agora, é do seu melhor interesse incentivar outros países a também reduzir suas emissões, utilizando equipamento e tecnologia chinesa", explica o professor.

Mas, em última análise, independentemente de como se desenvolver este processo, existem razões para esperança, segundo alguns observadores bem posicionados.

Camilla Born fez parte da equipe de negociadores do Reino Unido e participou da organização da COP26 em Glasgow. Ela acredita que as negociações futuras serão determinadas pela nova economia energética, não pela política das reuniões.

"Não é mais questão apenas de ter uma ideia para lidar com as mudanças climáticas", defende ela. "É questão de investimentos, de dinheiro — é o emprego das pessoas, são as novas tecnologias. As conversas são diferentes."

Afinal, esta é a maior revolução energética desde o início da revolução industrial. E, seja qual for a superpotência que assumir a liderança se os Estados Unidos abandonarem o jogo pelos próximos quatro anos, é improvável que alguém queira perder este mercado de vastas proporções.

Fonte: correiobraziliense

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