Substâncias alquílicas perfluoradas e polifluoradas (PFAS) são conhecidas como "produtos químicos eternos" em razão da grande capacidade de permanência no meio ambiente e no corpo humano. Esses produtos são encontrados na água, no solo e até mesmo no cérebro, pois conseguem passar pela barreira hematoencefálica — estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central —, acumulando-se no tecido cerebral. Enquanto os químicos eternos continuam contaminando o planeta, a ciência busca compreender melhor seus efeitos no corpo e tenta criar formas de degradá-los.
Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, identificou 11 genes que podem ser essenciais para entender como o cérebro responde a esses produtos químicos, que são comumente encontrados em itens do dia a dia, como panelas, embalagens e roupas. Esses genes, envolvidos em processos vitais para a saúde neuronal, foram afetados pela exposição aos PFAS, se expressando mais ou menos.
Segundo a pesquisa, publicada na revista ACS Chemical Neuroscience, todos os compostos causaram uma diminuição na expressão de um gene crucial para a sobrevivência das células neuronais e aumentaram a expressão de outro associado à morte celular neuronal. O trabalho revelou que, além desses 11 genes, centenas de outros tiveram suas expressões alteradas de diferentes maneiras, dependendo do composto testado.
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G. Ekin Atilla-Gokcumen, um dos autores principais do estudo, detalhou que os PFAS não são imediatamente tóxicos. Embora a exposição ocorra praticamente todos os dias, por meio da água potável e embalagens de alimentos, o efeito não é sentido na hora. "É necessário encontrar pontos de avaliação mais profundos no processo celular do que simplesmente verificar, se uma célula vive ou morre", afirmou Ekin. O estudo focou na análise da expressão gênica em células neuronais, bem como no impacto dos PFAS nos lipídios, moléculas que compõem a membrana celular. Se submetido a diferentes PFAS por 24 horas causou mudanças distintas nos lipídios e na expressão de mais de 700 genes.
Os seis tipos de PFAS testados revelaram resultados diferentes. O ácido perfluorooctanoico (PFOA), um composto que era muito utilizado em panelas antiaderentes, foi o mais impactante, alterou a expressão de quase 600 genes, enquanto nenhum outro composto modificou mais de 147. O PFOA, por exemplo, diminuiu a expressão de genes ligados ao crescimento sináptico e à função neural. As modificações ocorreram em vias biológicas relacionadas à sinalização de hipóxia, estresse oxidativo, síntese de proteínas e metabolismo de aminoácidos, processos essenciais para o funcionamento e desenvolvimento neuronal.
Conforme João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), estudar como o cérebro responde a esses desreguladores endócrinos é crucial. "As substâncias podem atravessar a barreira hematoencefálica e afetar processos neurofisiológicos, como desenvolvimento neural, inflamação e neurotransmissão", disse. "O estudo envolve toxicologia, genética e neurociência, exemplificando como abordagens multidisciplinares são essenciais para entender os impactos de substâncias químicas complexas, como os PFAS."
Os pesquisadores notaram ainda que 11 genes apresentaram uma resposta consistente aos seis compostos de PFAS testados, com alguns genes ficando muito desregulados, incluindo aqueles cruciais para a sobrevivência das células neuronais. Outros genes foram superexpressos. Para os cientistas, os achados abrem caminho para utilizar esses genes como marcadores no monitoramento da neurotoxicidade induzida pelos PFAS. Contudo, Atilla-Gokcumen ressalta que mais pesquisas são necessárias para entender como esses genes reagem a outros tipos de PFAS.
Conforme Renato Andrade Chaves, neurocirurgião especialista em cérebro e coluna, essas substâncias, que se acumulam no tecido cerebral causam inflamações crônicas e estresse oxidativo. "Esses efeitos podem contribuir para a neurodegeneração, afetando a memória, a cognição e o humor. Estudos mostram que uma exposição prolongada pode alterar os neurotransmissores e causar disfunções sinápticas."
Além disso, Chaves destaca que os PFAS podem interferir no desenvolvimento cerebral, impactando habilidades cognitivas em jovens e exacerbando doenças em idosos. "A longo prazo, pode aumentar a vulnerabilidade a condições como Alzheimer, Parkinson e depressão."
Outro estudo sobre substâncias químicas disruptoras endócrinas, como os bifenilos policlorados (PCBs), que também têm sido banidos ao redor do mundo, mas que ainda persistem no ambiente, indicam que a exposição precoce pode levar a problemas comportamentais. Conforme a pesquisa, publicada no Journal of the Endocrine Society, os PCBs são conhecidos por interferirem com o sistema endócrino, afetando desde a reprodução até o comportamento, sendo particularmente prejudiciais durante o período perinatal.
Esses produtos são encontrados em solo contaminado, sedimentos e em alguns peixes devido à contaminação ambiental. Conforme os estudos, as pessoas podem ser mais vulneráveis aos efeitos dessas substâncias entre o período de concepção e até um ano após o parto.
"Descobrimos que ratos expostos a PCBs durante o período perinatal podem ter alterações hormonais e de desenvolvimento", destacou Andrea Gore, cientista da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. "Nosso estudo enfatiza e apoia pesquisas anteriores sobre como a exposição aos PCBs pode afetar os resultados neurocomportamentais."
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