19 de Janeiro de 2025

Reclassificação para a obesidade


Uma comissão global de saúde, composta por 56 especialistas de diversas áreas, como medicina, sobretudo endocrinologia, nutrição e saúde pública, respaldada por 75 organizações médicas ao redor do mundo, propôs uma reformulação no diagnóstico da obesidade. Publicada na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology, o grupo sugere abordar mais que apenas o Índice de Massa Corporal (IMC) para avaliar pacientes obesos.

A principal recomendação da comissão é adotar uma abordagem mais detalhada para classificar a obesidade, que considere a distribuição da gordura corporal e seu impacto no funcionamento dos órgãos. A inovação permitiria diagnósticos mais precisos e evitaria a classificação errada de indivíduos como obesos ou saudáveis, o que poderia comprometer tanto o tratamento quanto a alocação de recursos médicos.

Uma mudança relevante é a criação de duas categorias diagnósticas: 'obesidade clínica' e 'obesidade pré-clínica'. A clínica é aquela em que o excesso de gordura corporal causa danos aos órgãos. Essa condição é acompanhada de sintomas, como dificuldade respiratória, insuficiência cardíaca e dores nas articulações, é mais severa. Já a obesidade pré-clínica é relacionada ao excesso de gordura corporal sem sinais de disfunção orgânica. Embora esses pacientes não apresentem doenças associadas, há risco aumentado de desenvolvê-las no futuro.

Ricardo Cohen, coautor da publicação, líder do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), destacou que toda doença crônica e progressiva tem sinais e sintomas, mas que, até então, a obesidade não tinha esses critérios. "(Obesidade) era definida apenas pelo índice de massa corpórea (IMC), que não diz muito sobre a saúde do indivíduo, apenas se ele é grande ou pequeno. Por exemplo, um atleta, como o Mike Tyson tinha um IMC alto, mas não sofria de obesidade ou qualquer outra doença."

O IMC, por exemplo, pode falhar em identificar indivíduos com gordura abdominal excessiva, que está associada a um risco maior de doenças cardiovasculares. Conforme Cynthia Valerio, diretora da Associação Brasileira para Estudos da Síndrome Metabólica e Obesidade (Abeso), o novo documento propõe uma revisão de interpretação sobre esses dados. 

"Considerar a medida da circunferência abdominal, a relação cintura e altura e a medição da cintura sozinha, ou com outros tipos de aparelhos, como o de densitometria do corpo inteiro e a bioimpedância, que são medidas que indicam o percentual de gordura. Contudo, quando o IMC for maior do que 40, independente de qualquer outra medida, essa medida é a mais objetiva dentro do diagnóstico de obesidade", afirmou Cynthia Valerio. 

A comissão também propõe uma nova avaliação das políticas públicas e dos cuidados com a obesidade. Pacientes com obesidade clínica devem receber tratamento adequado para restaurar a função dos órgãos afetados, com abordagens personalizadas, por meio de mudanças no estilo de vida, medicamentos ou intervenções cirúrgicas. Os cientistas aconselham que o acompanhamento para obesidade clínica seja oferecido com urgência, enquanto para a condição pré-clínica seja voltado para a prevenção de complicações futuras, com intervenções menos invasivas.

Outra proposta importante é a redução do estigma social que envolve a obesidade. Muitas pessoas com obesidade evitam buscar tratamento devido ao preconceito enfrentado em consultórios médicos. A nova abordagem, que prioriza diagnósticos baseados em critérios objetivos e uma abordagem mais empática, pode transformar a forma como a sociedade percebe a obesidade, permitindo que os indivíduos se sintam mais confortáveis ao procurar ajuda.

"A obesidade tem sintomas e sinais específicos que precisam ser tratados, e ao reconhecer isso, podemos dar ao paciente o conforto de saber que o médico irá fazer as perguntas certas para diagnosticá-lo adequadamente. Isso diminui o estigma, pois não estamos culpando o paciente pela sua condição. Essa abordagem ajuda a reduzir o preconceito e oferece um tratamento mais acolhedor e individualizado para o paciente", ressaltou Cohen.

Com mais de 1 bilhão de pessoas vivendo com obesidade no mundo, as diretrizes da comissão, se implementadas corretamente, podem melhorar a saúde dos pacientes e otimizar os recursos de saúde, reduzindo os custos globais de doenças ligadas à obesidade. Apesar dos desafios, os especialistas acreditam que as novas diretrizes ajudarão a alocar recursos de forma mais eficaz, priorizando o tratamento de pacientes com obesidade clínica e oferecendo estratégias de prevenção para aqueles com obesidade pré-clínica.

Segundo Cohen, ao definir a obesidade clínica como uma doença tratável com critérios diagnósticos claros, é possível controlar os sinais e sintomas. "Isso significa que, ao tratar adequadamente, podemos alcançar a remissão da doença. Isso oferece uma boa expectativa para o paciente, que saberá que a obesidade é uma condição controlável, mesmo que não seja completamente curável."

 

"Esse documento é muito importante porque foi feito por um comitê multidisciplinar e não centrado na visão de apenas uma sociedade científica. Considero que a publicação se soma a outras que estratificam a obesidade e, principalmente, os impactos do tratamento. A obesidade não é somente um fator de risco, ela é a doença em si, e é a base para o desenvolvimento de outras doenças. Com essas diretrizes, teremos mais clareza para destinar as políticas assistenciais voltadas às pessoas com obesidade. Um ponto muito importante, que já foi discutido em alguns congressos, é essa visão de outros aspectos, além do peso, associados à classificação da obesidade. Tudo isso traz luz para as nossas propostas de tratamento, que podem viabilizar um melhor acesso às políticas públicas."

Paulo Miranda, coordenador da Comissão Internacional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)

Fonte: correiobraziliense

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