Uma comissão global de saúde, composta por 56 especialistas de diversas áreas, como medicina, sobretudo endocrinologia, nutrição e saúde pública, respaldada por 75 organizações médicas ao redor do mundo, propôs uma reformulação no diagnóstico da obesidade. Publicada na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology, o grupo sugere abordar mais que apenas o Índice de Massa Corporal (IMC) para avaliar pacientes obesos.
A principal recomendação da comissão é adotar uma abordagem mais detalhada para classificar a obesidade, que considere a distribuição da gordura corporal e seu impacto no funcionamento dos órgãos. A inovação permitiria diagnósticos mais precisos e evitaria a classificação errada de indivíduos como obesos ou saudáveis, o que poderia comprometer tanto o tratamento quanto a alocação de recursos médicos.
Uma mudança relevante é a criação de duas categorias diagnósticas: 'obesidade clínica' e 'obesidade pré-clínica'. A clínica é aquela em que o excesso de gordura corporal causa danos aos órgãos. Essa condição é acompanhada de sintomas, como dificuldade respiratória, insuficiência cardíaca e dores nas articulações, é mais severa. Já a obesidade pré-clínica é relacionada ao excesso de gordura corporal sem sinais de disfunção orgânica. Embora esses pacientes não apresentem doenças associadas, há risco aumentado de desenvolvê-las no futuro.
Ricardo Cohen, coautor da publicação, líder do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), destacou que toda doença crônica e progressiva tem sinais e sintomas, mas que, até então, a obesidade não tinha esses critérios. "(Obesidade) era definida apenas pelo índice de massa corpórea (IMC), que não diz muito sobre a saúde do indivíduo, apenas se ele é grande ou pequeno. Por exemplo, um atleta, como o Mike Tyson tinha um IMC alto, mas não sofria de obesidade ou qualquer outra doença."
O IMC, por exemplo, pode falhar em identificar indivíduos com gordura abdominal excessiva, que está associada a um risco maior de doenças cardiovasculares. Conforme Cynthia Valerio, diretora da Associação Brasileira para Estudos da Síndrome Metabólica e Obesidade (Abeso), o novo documento propõe uma revisão de interpretação sobre esses dados.
"Considerar a medida da circunferência abdominal, a relação cintura e altura e a medição da cintura sozinha, ou com outros tipos de aparelhos, como o de densitometria do corpo inteiro e a bioimpedância, que são medidas que indicam o percentual de gordura. Contudo, quando o IMC for maior do que 40, independente de qualquer outra medida, essa medida é a mais objetiva dentro do diagnóstico de obesidade", afirmou Cynthia Valerio.
A comissão também propõe uma nova avaliação das políticas públicas e dos cuidados com a obesidade. Pacientes com obesidade clínica devem receber tratamento adequado para restaurar a função dos órgãos afetados, com abordagens personalizadas, por meio de mudanças no estilo de vida, medicamentos ou intervenções cirúrgicas. Os cientistas aconselham que o acompanhamento para obesidade clínica seja oferecido com urgência, enquanto para a condição pré-clínica seja voltado para a prevenção de complicações futuras, com intervenções menos invasivas.
Outra proposta importante é a redução do estigma social que envolve a obesidade. Muitas pessoas com obesidade evitam buscar tratamento devido ao preconceito enfrentado em consultórios médicos. A nova abordagem, que prioriza diagnósticos baseados em critérios objetivos e uma abordagem mais empática, pode transformar a forma como a sociedade percebe a obesidade, permitindo que os indivíduos se sintam mais confortáveis ao procurar ajuda.
"A obesidade tem sintomas e sinais específicos que precisam ser tratados, e ao reconhecer isso, podemos dar ao paciente o conforto de saber que o médico irá fazer as perguntas certas para diagnosticá-lo adequadamente. Isso diminui o estigma, pois não estamos culpando o paciente pela sua condição. Essa abordagem ajuda a reduzir o preconceito e oferece um tratamento mais acolhedor e individualizado para o paciente", ressaltou Cohen.
Com mais de 1 bilhão de pessoas vivendo com obesidade no mundo, as diretrizes da comissão, se implementadas corretamente, podem melhorar a saúde dos pacientes e otimizar os recursos de saúde, reduzindo os custos globais de doenças ligadas à obesidade. Apesar dos desafios, os especialistas acreditam que as novas diretrizes ajudarão a alocar recursos de forma mais eficaz, priorizando o tratamento de pacientes com obesidade clínica e oferecendo estratégias de prevenção para aqueles com obesidade pré-clínica.
Segundo Cohen, ao definir a obesidade clínica como uma doença tratável com critérios diagnósticos claros, é possível controlar os sinais e sintomas. "Isso significa que, ao tratar adequadamente, podemos alcançar a remissão da doença. Isso oferece uma boa expectativa para o paciente, que saberá que a obesidade é uma condição controlável, mesmo que não seja completamente curável."
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