Após divergências sobre detalhes do plano de cessar-fogo e acusações de que o movimento extremista Hamas estaria colocando entraves ao início da trégua, o gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, adiou a votação do acordo para este sábado (18/1). O plano mediado por Egito, Estados Unidos e Catar parece longe de ser um consenso no governo de Netanyahu. O Likud, partido do premiê, e os ministros Itamar Ben Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças) expressaram oposição ao pacto. Na noite desta quinta-feira (16), Ben Gvir chegou a ameaçar sair do governo, caso os colegas aprovem o termo. "Esse acordo apagará o progresso que fizemos e colocará fim aos combates. Ele ensina ao Hamas que podem fazer reféns e, no fim do dia, conseguir o que desejam. Se for aprovado, submeteremos as cartas de renúncia e não faremos mais parte do governo", declarou. A reação do Likud foi imediata. "Qualquer um que dissolver o governo de direita será lembrado como uma eterna desgraça", advertiu.
Ao mesmo tempo, sete deputados do partido de Netanyahu assinaram uma carta na qual denunciam um "passo imoral". Aliados do premiê exigem a formação de uma rede para blindá-lo nos âmbitos legal e político. O chefe de governo tem sido alvo de críticas por não impedir o massacre de 7 de outubro de 2023, quando cerca de mil judeus foram assassinados pelo Hamas, e por não ter feito o suficiente para libertar os reféns. Entre as divergências supostamente superadas, está o processo de escolha dos prisioneiros palestinos que serão libertados em troca dos 98 reféns mantidos pelo Hamas, em Gaza, há 15 meses. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, demonstrou confiança de que o cessar-fogo terá início às 12h15 (7h15 em Brasília) de domingo. O gabinete de Netanyahu criticou o Hamas por "descumprir partes do acordo em uma tentativa de obter concessões de última hora".
A primeira fase do acordo durará 42 dias. "As partes se comprometeram a negociar a segunda etapa antes desse prazo. O Hamas libertará 33 reféns israelenses, vivos e mortos, em troca da soltura de centenas de terroristas palestinos condenados. Também haverá um cessar-fogo, uma retirada militar em Gaza e o retorno dos palestinos para suas casas, no norte de Gaza", afirmou ao Correio Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan, em Ramat Gan (perto de Tel Aviv).
Cientista político na mesma universidade, Gerald Steinberg explicou à reportagem que Ben Gvir sozinho, ou mesmo com dois aliados, não tem condições de derrubar a coalizão. "Netanyahu não ficará chateado se Ben Gvir sair e não for mais ministro. Um problema maior pode resultar de membros do Likud, que estão expressando oposição aos termos do acordo", observou. O especialista vê o acordo com reservas. Ele reconhece que, depois de 470 dias, Israel precisa tentar acabar com o trauma nacional, por meio de um pacto difícil que os traga para casa. "No entanto, as etapas em direção a um cessar-fogo e à retirada militar de Gaza permitirão ao Hamas reivindicar a vitória e continuar a controlar o território", alertou. Gilboa reforçou que o Hamas tem o histórico de violar acordos. "Se eles tentarem manipular a libertação dos sequestrados, contrabandear armas ou deslocar combatentes, o acordo será quebrado e Israel retomará a guerra contra eles", disse.
Enquanto fazia os últimos ajustes para a votação do acordo, Israel mantinha os bombardeios à Faixa de Gaza. Somente na noite desta quinta-feira, a aviação israelense atacou 50 alvos. Desde o anúncio do acordo, na quarta-feira (15), 75 palestinos morreram durante as incursões aéreas e centenas ficaram feridos. Em Deir el-Balah, no centro da Faixa de Gaza, a professora Huda Al Assar, 57, desabafou ao Correio, por telefone: "As bombas estão caindo muito perto da gente, bem próximo da minha casa". "Daqui até domingo, só Deus sabe quem continuará vivo", comentou. Na Cidade de Gaza, a ativista palestina Reham Al-Qiq, 40, disse que a notícia sobre a iminência do cessar-fogo despertou na população sentimentos de alegria e júbilo, em meio a lágrimas e dor. "Queremos voltar para nossas casas, das quais fomos desalojados, sabendo que elas se tornaram escombros.
"Estou fora de casa há um ano e três meses. Nosso apartamento foi destruído, arrasado. Perdemos o nosso carro e a nossa terra. Os sentimentos que experimentamos durante esses 468 dias foram de medo e de terror. Eu me sinto como uma noiva antes da noite de núpcias, assustada, aterrorizada e ansiosa. Sei que alguns de meus vizinhos foram martirizados. Escondi isso dos meus filhos, porque eles são amigos dos filhos deles. Perdi tudo o que tinha. Graças a Deus, estou em uma situação melhor do que os outros. No entanto, somente poderemos retornar para casa depois do 28º dia do acordo. Sou mãe de quatro filhos. Meu marido trabalha para o Crescente Vermelho Palestino. Já nos mudamos várias vezes: para o Hospital Al-Shifa, para o sul de Rafah e para Sakta al-Kayyam. Tento proteger meus filhos, diariamente, do som dos bombardeios. Em Rafah, vimos barracas serem queimadas pelos mísseis da ocupação, enquanto havia gente dentro. No começo de maio de 2024, nos mudamos para Al-Zawaida. Era uma nova vida rural, no verdadeiro sentido da palavra, com terras agrícolas plantadas com oliveiras. O meio de transporte são os animais. O estranho é que nunca vi nem ouvi um pássaro aqui."
Reham Al-Qiq, 40 anos, ativista palestina, deslocada internamente na Faixa de Gaza
"Estamos muito, muito chateados! O governo está nos traindo! É claro que culpo Benjamin Netanyahu! Ele não se importa com as famílias, que contam cada minuto para verem seus entes queridos. Cada minuto e cada dia contam para nós. Isso não é um 'evento comum' que pode ser adiado. Estamos falando das vidas de pessoas! Netanyahu é cruel, sem coração, insensível. Espero que o presidente eleito Donald Trump não permita que ele faça isso. Nosso kibbutz foi o mais devastado pelo massacre de 7 de outubro de 2023. Da população de 420 pessoas, 40 foram mortas e 77, sequestradas, naquela manhã. O Hamas ainda mantém 29 reféns capturados em nossa comunidade, dos quais 20 estão vivos. Nir Oz era um kibbutz muito bonito, um dos 14 jardins botânicos de Israel. Mas os palestinos incendiaram 60% de nossas casas. Levará anos para reconstruir tudo. Nós retornaremos ao kibbutz em 2027. Hoje, o que restou de nossa comunidade está abrigada em Kiryat Gat, a 50km de Nir Oz."
Irit Lahav, 57, porta-voz do kibbutz de Nir Oz, a 1,6km da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel
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