19 de Janeiro de 2025

'Epidemia' de solidão é ameaça à saúde pública, diz OMS


Com uma projeção de 8,09 bilhões em 2025, a população global está, porém, cada vez mais solitária. Tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o problema uma ameaça à saúde pública. Novos estudos ressaltam que os impactos ultrapassam os devastadores efeitos mentais, com implicações que vão de diabetes ao aumento de risco da mortalidade por doenças cardiovasculares, passando por demência e síndrome da fragilidade no idoso (condição caracterizada por perda de peso e massa muscular). 

Pesquisadores da Universidade de Penn State, nos Estados Unidos, descobriram em um estudo com 1.538 participantes entre 35 anos e 65 anos que a solidão de longo prazo está associada a um risco 29% maior de doença cardíaca e de 32% de derrame. A pesquisa se concentrou em adultos jovens e de meia-idade, porque, segundo os autores, geralmente investigações sobre o tema focam em adolescentes ou em idosos. Os dados revelaram que, mesmo quando a falta de conexão social é temporária, há impactos na saúde física, como fadiga geral, náusea e dor de cabeça. 

Os participantes do estudo passaram por avaliações do estresse diário e do humor por oito dias consecutivos. Eles deviam relatar situações estressantes ou positivas, incluindo se sentiram solitários e a frequência disso. Também foram questionados sobre sintomas físicos naquele dia, como fadiga ou enxaqueca. As entrevistas foram realizadas duas vezes, com um intervalo de uma década. 

Os pesquisadores descobriram que, quando os participantes estavam menos solitários, as queixas físicas eram menores e mais leves. "Essas descobertas sugerem que a dinâmica diária da solidão pode ser crucial para entender e abordar os efeitos da solidão na saúde", afirma David Almeida, professor de desenvolvimento humano e estudos familiares na Penn State e autor sênior do artigo, publicado na revista Health Psychology

Segundo o pesquisador, aumentar a conexão social mesmo por um dia pode resultar em menos sintomas de saúde. "Esse foco diário oferece uma microintervenção administrável e esperançosa para indivíduos que vivem com solidão."

Com dados de 42 mil adultos entre 40 anos e 69 anos, pesquisadores do Reino Unido e da China encontraram uma relação entre isolamento social/solidão e uma saúde mais precária, além de risco elevado de mortalidade precoce. Os cientistas resolveram investigar possíveis mecanismos biológicos dessa relação e descobriram que pessoas que se consideravam solitárias ou se encaixavam em um perfil de pouco contato com outras tinham níveis mais elevados, no organismo, de substâncias associadas a inflamações, diabetes, doenças cardiovasculares e óbito antes de 75 anos. 

Uma das proteínas produzidas em níveis mais altos como resultado da solidão foi a ADM. Pesquisas anteriores apontaram o papel da molécula na resposta ao estresse e na regulação de hormônios sociais, como a ocitocina, capazes de melhorar o humor. A quantidade circulante da ADM foi, agora, associada a um volume menor de uma região cerebral envolvida em processos emocionais e sociais. As taxas maiores também tiveram relação estatística com risco aumentado de mortalidade precoce. 

"Essas descobertas reforçam a importância do contato social para nos mantermos bem. Mais e mais pessoas de todas as idades estão relatando sentir-se solitárias. É por isso que para a OMS o isolamento social e a solidão são como uma 'preocupação global de saúde pública'", comenta Barbara Sahakian, professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, no Reino Unido e coautora do estudo, publicado na revista Nature. "Precisamos encontrar maneiras de lidar com esse problema crescente e manter as pessoas conectadas para ajudá-las a permanecerem saudáveis."

Especialista em psiquiatria e integrante do Centro de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, Arthur Guerra defende que a solidão seja abordada por políticas públicas. Ele lembra que, em 2021, o Japão criou o Ministério da Solidão, um problema que aumenta com a longevidade. "As pessoas vivem por mais tempo, o que, claro, é algo desejável, mas, ao mesmo tempo, acabam se distanciando cada vez mais de familiares, amigos, companheiros e colaboradores", destaca. "Esse é um grande desafio para a saúde pública: lidar com a solidão, um fenômeno que tende a se intensificar em todo o mundo."

 

Uma pesquisa da Universidade de Concórdia, no Canadá, encontrou associação entre isolamento social e síndrome da fragilidade, uma condição que inclui declínio físico e cognitivo em idosos. Os cientistas analisaram sete estudos com dados de mais de 2,3 mil adultos holandeses, coletados entre 1995 e 2016. Eles descobriram uma relação bidirecional: a fragilidade física pode ser um indicador de isolamento social futuro, ao mesmo tempo em que a solidão pode anteceder a síndrome. "É importante notar que pessoas socialmente isoladas são mais propensas a se envolver em estilos de vida pouco saudáveis, incluindo tabagismo, dieta ruim e hábitos de sono ruins, além de não se envolver em atividades sociais", explicou, em nota, Fereshteh Mehrabi, a principal autora do estudo. 

Apesar do excesso de conexões por meio das redes sociais e outras ferramentas digitais, a  solidão aumenta no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, um em quatro idosos e entre 5% e 15% dos adolescentes sentem-se sozinhos. "O efeito do isolamento social e da solidão na mortalidade é comparável ao de fatores de risco bem estabelecidos, como tabagismo, obesidade e sedentarismo", alertou a OMS em um relatório. 

Houve um pico de isolamento em 2020, forçado pela pandemia de covid-19, mas o fim das restrições não significou uma redução significativa na sensação de estar só, segundo um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado na revista Jama. O levantamento acompanhou pessoas de 50 anos a 80 anos entre 2018 e 2024. 

Segundo os pesquisadores, os níveis de solidão retornaram à fase pré-pandêmica, mas isso significa que mais de um terço das pessoas na faixa etária analisada sentem-se solitárias, o mesmo número daqueles que se descrevem como isolados. 

Reconhecimento

"À primeira vista, pode parecer uma ótima notícia, que estamos de volta onde estávamos antes da covid-19. Mas essa linha de base já não era boa, e era especialmente ruim para alguns grupos de adultos mais velhos", afirmou, em nota, Preeti Malani, autora principal do estudo. "Uma das maiores diferenças agora é que temos maior reconhecimento do impacto da solidão e do isolamento na saúde, especialmente à medida que envelhecemos." 

Os dados mais recentes mostram que, em 2024, 33% dos idosos que vivem nos Estados Unidos se sentiram solitários algumas vezes ou frequentemente, quase a mesma taxa de 2018 (34%). Durante os anos intermediários, até 42% dos adultos mais velhos apresentaram esse nível de solidão.

Brasil

No Brasil, uma pesquisa de 2022 sobre solidão pós-pandemia conduzida pelo Instituto Gallup revelou que 53% dos entrevistados acima de 15 anos sentiam-se conectados a outras pessoas. Esse foi o menor índice entre os 10 países participantes. 

O especialista em psiquiatria Arthur Guerra, integrante do Centro de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, destaca que a pandemia de covid-19 intensificou o distanciamento social. "Isso se tornou muito mais evidente, agora com a justificativa de que o isolamento era necessário por questões de saúde. Muitos acreditavam que, ao fim da pandemia, o comportamento diminuiria ou até desapareceria", destaca. "Ledo engano. Isso não só permaneceu, como parece estar aumentando, o que é bastante preocupante, pois o ser humano não foi feito para viver isolado, mas para conviver socialmente." (PO)

Aline Laginestra, médica geriatra e professora do curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB)

Como a solidão afeta a saúde?

O isolamento social e a solidão têm impactado tanto na saúde que passaram a ser um fator de risco modificável para variadas condições clínicas, como risco cardiovascular, fragilidade, vulnerabilidade, processos inflamatórios, depressão, demência. Vemos impactos estruturais, físicos, biológicos, e não só emocionais, psicoafetivos. A gente tem, por exemplo, uma sobrecarga do sistema simpático-parassimpático, que mobiliza o recrutamento cardiovascular, a frequência cardíaca e pressão arterial, aumentando o risco dessas doenças cardíacas. Também vemos claramente o aumento dos marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa, citocinas, entre outros mediadores, além das "natural killers" que são células protetoras de câncer. Há uma redução da ação dessas células nos processos de estresse, tristeza e angústia, envolvidos também no isolamento social e na solidão. 

Há outros mecanismos associados?

O impacto da solidão é direto no sistema imunológico, de forma neuroquímica. A pessoa mais restrita, com menos interação social, tem menos atividade física, se movimenta menos, deambula menos. A marcha fica mais dificultada com o passar dos anos. Há uma tendência de perda de massa magra, e essa redução da mobilidade aumenta risco de quedas, fraturas, osteoporose. A própria redução da massa magra em si se conecta com outros fatores de risco, como câncer, diabetes etc. Também ocorrem ações hormonais mediadas pela solidão, como aumento de cortisol, que é o nosso hormônio de estresse, que também vai corroborar para a sobrecarga dos sistemas simpático, parassimpático e cardiovascular, aumentando a pressão arterial e o risco dos mediadores inflamatórios. 

Solidão é assunto de política pública?

Para solucionar o problema, as políticas públicas têm que ser envolvidas, como o fomento da atividade física, dos relacionamentos, da interação social, o que pode ser ter feito por tecnologias, práticas de esporte, desenvolvimento de habilidades e de áreas como lazer. Na Universidade Católica de Brasília, temos o projeto Centro de Convivência do Idoso (CCI), que oportuniza aos idosos da comunidade atividades físicas e ocupacionais, e possibilita a participação em oficinas de aprendizagem de novos conhecimentos e habilidades, interagindo com os professores, estudantes e voluntários da universidade e fora dela. Mas o isolamento está cada vez mais frequente, não só no envelhecimento, afetando, inclusive, os nossos jovens.

Fonte: correiobraziliense

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