Sem medidas urgentes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a Europa poderá registrar 2,3 milhões de mortes adicionais por calor em 854 centros urbanos até 2099, alerta um estudo liderado pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, publicado na revista Nature Medicine. Os pesquisadores ressaltam a necessidade de "políticas agressivas de mitigação", ou seja, de enfrentamento direto das causas do aumento de temperatura. Segundo a modelagem, ações adaptativas são necessárias, porém, insuficientes para evitar a mortalidade excessiva.
Cientistas lançam guia inédito no Brasil sobre uso ético da IA generativa
Produtos químicos causam danos eternos no meio ambiente e no corpo humano
O estudo usa cálculos de risco de óbito para as mais populosas cidades europeias, considerando adaptações como instalação de ar-condicionado nas moradias e plantio de árvores. Os dados foram, então, combinados a projeções de temperatura, população e taxas de mortalidade para estimar o número de vítimas associadas especificamente às mudanças na temperatura. Os pesquisadores consideraram uma série de simulações climáticas e epidemiológicas em cenários definidos no sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os dados da modelagem referem-se ao período de 2015 a 2099, o que significa 27.380 óbitos por ano devido ao calor. Para comparação, a mortalidade anual é oito vezes maior que o número de homicídios ocorridos na Europa em 2024 (3.419, segundo o Displacement Tracking Matrix). Setenta por cento dos casos poderiam ser evitados se medidas rápidas fossem tomadas, afirmaram os pesquisadores.
Mediterrâneo
"Nossos resultados enfatizam a necessidade urgente de buscar agressivamente a mitigação das mudanças climáticas e a adaptação ao aumento do calor", disse, em nota, Pierre Masselot, principal autor do estudo. "Isso é especialmente crítico na área do Mediterrâneo, onde, se nada for feito, as consequências podem ser terríveis. Mas, seguindo um caminho mais sustentável, poderíamos evitar milhões de mortes antes do fim do século."
O estudo sugere que, mesmo que esforços significativos fossem feitos para adaptar as cidades às mudanças de temperatura, isso não seria suficiente para equilibrar o aumento dos riscos à saúde devido à exposição ao calor, especialmente nas áreas mais vulneráveis, como a região do Mediterrâneo, a Europa Central e os Bálcãs. Apenas cortes rápidos nas emissões de carbono que mantêm as temperaturas baixas poderiam reduzir o número de vítimas, mostram as modelagens.
Devido às populações maiores, a maior parte dos casos de óbito por temperatura são projetadas nas cidades mais populosas do Mediterrâneo. Porém, muitas cidades menores em Malta, na Espanha e na Itália também provavelmente serão gravemente afetadas com altas taxas de mortalidade relacionadas ao calor.
Superação
Longe da região do Mediterrâneo, os impactos devem ser menos severos, com capitais europeias, como Paris (13.515), projetadas para um aumento menor, mas ainda significativo, na mortalidade. Por outro lado, a maioria das localidades na Grã-Bretamja e países escandinavos podem ter uma redução líquida nos óbitos, como Londres (-27.455). "Esse menor número de mortes seria, no entanto, massivamente superado pelos aumentos no resto da Europa, resultando em 2,3 milhões de mortes adicionais em todo o continente", diz o estudo.
"Nosso estudo fornece evidências convincentes de que o aumento acentuado nas mortes relacionadas ao calor excederá em muito qualquer queda relacionada ao frio, resultando em um aumento líquido na mortalidade em toda a Europa", reforça Antonio Gasparrini, autor sênior do artigo. "Os resultados desmascaram teorias propostas de efeitos 'benéficos' das mudanças climáticas, frequentemente propostas em oposição a políticas vitais de mitigação que devem ser implementadas o mais rápido possível."
Para Raquel Nunes, professora de saúde e meio ambiente da Faculdade de Medicina da Universidade de Warwick, no Reino Unido, que não participou da pesquisa, as descobertas "têm sérias implicações para a saúde pública". "Haverá uma pressão adicional sobre os sistemas de saúde. Grupos vulneráveis, como idosos, pessoas com doenças crônicas e comunidades de baixa renda estarão em maior risco. Sem fortes medidas, os sistemas de saúde pública podem ter dificuldades para lidar com o aumento da demanda por serviços de emergência e internações hospitalares", diz.
Reversão
Professor de mudanças climáticas na Universidade de Lleida, na Espanha, um dos países que devem ser mais afetados pela mortalidade associada à temperatura, Victor Resco de Dios lembra que, atualmente, o frio ainda mata mais que o calor no continente. "Nas últimas décadas, vivenciamos ondas de calor, como as de 2003 ou 2022, quando mais de 60 mil pessoas perderam suas vidas na Europa. No entanto, o frio atualmente mata mais pessoas do que o calor. O novo estudo mostra como essa tendência seria revertida em toda a Europa, com exceção da Escandinávia e da Grã-Bretanha", observa.
Embora destaque a necessidade de medidas severas de mitigação, Resco destaca que é importante, também, adaptar as cidades. " A adaptação começa com soluções relativamente simples, como instalar ar condicionado ou montar espaços climatizados que sirvam como abrigos climáticos", diz. "Mas também devemos abordar soluções mais complexas, como aumentar os espaços verdes nas cidades para mitigar a ilha de calor urbana e adaptar os sistemas de saúde a essas mudanças epidemiológicas."
Segundo o estudo de modelagem, as 10 cidades europeias com maiores números de mortes relacionadas à temperatura até o fim
do século são*:
*Os números representam o aumento cumulativo projetado em mortes relacionadas à temperatura até 2099 devido às mudanças climáticas.
Garyfallos Konstantinoudis, pesquisador do Instituto Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente, em Londres
As conclusões do estudo são apoiadas por dados sólidos?
O estudo é de alta qualidade, oferecendo uma avaliação completa de cenários futuros em relação a mudanças líquidas na mortalidade relacionada à temperatura, considerando vários cenários climáticos, demográficos e de adaptação. As conclusões são fortemente apoiadas por dados sólidos. No entanto, é importante observar que a aplicabilidade desses resultados é limitada, principalmente, a ambientes urbanos europeus.
O que o estudo acrescenta ao que já se sabia sobre mortes associadas a mudanças climáticas?
As estimativas anteriores baseadas em dados históricos sugeriram que para cada morte relacionada ao calor, há cerca de 10 mortes associadas ao frio. Isso levanta questões importantes sobre o impacto líquido das mudanças climáticas antropogênicas. O novo estudo ressalta um ponto crucial: sem qualquer adaptação à temperatura, as projeções sugerem que as mortes relacionadas à temperatura provavelmente aumentarão no geral, com os óbitos relacionados ao calor superando aos associados ao frio. Um estudo relacionado na Europa também destacou a importância dos esforços de mitigação na formação desse efeito líquido, observando que nos cenários mais extremos, a mitigação pode levar a um resultado positivo, equilibrando o impacto do aumento da temperatura.
Qual a principal conclusão sobre a mortalidade por excesso de calor, mesmo nos cenários relativamente otimistas?
No cenário mais otimista, o aquecimento é mantido abaixo de 2°C, mas sem nenhuma medida de adaptação. Nesse caso, as mortes relacionadas ao calor devem superar os óbitos associados ao frio em 12 por 100 mil pessoas-ano no período 2050-2054. Até o fim do século, espera-se que essa lacuna aumente, com mortes relacionadas ao calor potencialmente excedendo as relacionadas ao frio em 50 por 100 mil pessoas-ano. Está claro que um mundo mais quente é um mundo mais perigoso. Com cada fração de grau de aquecimento, também enfrentaremos uma maior disseminação de doenças transmitidas por mosquitos e clima extremo mais intenso, entre outras ameaças à saúde humana.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.