A imagem dos prisioneiros, vestidos com uniformes alaranjados e acorrentados, ainda assombra os defensores dos direitos humanos e a comunidade internacional. Na esteira de uma série de medidas contra a imigração ilegal, Donald Trump assinou uma ordem executiva na qual determina ao Pentágono e ao Departamento de Segurança Interna para que preparem a base militar de Guantánamo, em Cuba, a fim de receber até 30 mil estrangeiros não-documentados. "Temos 30 mil leitos em Guantánamo para deter os piores imigrantes criminosos que ameaçam o povo americano. Alguns são tão maus que nem mesmo confiamos nos países (de origem) para mantê-los, pois não queremos que eles retornem. É um lugar duro de escapar de lá", declarou o republicano, que prometeu dobrar, imediatamente, a capacidade do centro de detenção.
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, reagiu quase que imediatamente ao anúncio de Trump em uma publicação na rede social X. "Em um ato de brutalidade, o novo governo dos EUA anuncia o encarceramento na Base Naval em Guantánomo, localizada em um território de Cuba ilegalmente ocupado, de milhares de migrantes que expulsa à força, colocando-os ao lado das conhecidas prisões de tortura", escreveu. Guantánamo foi o principal centro de detenção de supostos membros da rede terrorista Al-Qaeda e de prisioneiros de guerra capturados durante os combates no Iraque e no Afeganistão.
Pouco depois, Tump sancionou a "Lei Laken Riley": a primeira legislação de seu segundo mandato ordena a prisão automática, sem necessidade de julgamento, de migrantes que tenham cometido roubo, furto, agressão a um agente da lei ou qualquer crime que resulte em morte ou lesões corporais graves. "As assinaturas de hoje nos deixam um passo mais perto de erradicar o flagelo do crime migrante em nossas comunidades de uma vez por todas", disse Trump, na presença de congressista e dos pais de Laken Riley, uma estudante de enfermagem de 22 anos assassinada, em 22 de fevereiro de 2024, pelo venezuelano José Antonio Ibarra, em Atenas, no estado da Geórgia. Ibarra cumpre pena perpétua. "Manteremos viva a memória de Laken para sempre. (...) Seu nome também viverá para sempre nas leis do nosso país, e esta é uma lei muito importante", acrescentou o republicano.
A "Lei Laken Riley" foi alvo de críticas dos democratas, ante o custo exorbitante para a implementação da norma: cerca de US$ 83 bilhões (ou R$ 486,3 bilhões) até 2028. Em outra medida considerada polêmica, Trump revogou uma extensão do Status de Proteção Temporária (TPS) — o qual impedia a expulsão de mais de 600 mil venezuelanos do país. "O povo desta nação quer esses sacos de lixo fora. Eles querem suas comunidades seguras", disse à emissora Fox News a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, antecipando a decisão da Casa Branca.
Para o jornalista e ativista mexicano Irineo Mujica Arzate, diretor da organização não governamental Pueblos Sin Fronteras, Trump está "atirando a casa pela janela". "Ele está 'batendo e correndo', age assim para que os tribunais não o impeçam. O presidente utiliza, realmente, táticas de guerra. Não apenas pensa que comemos gatos, mas quer exterminar a comunidade migrante dos EUA", disse à reportagem. Arzate considera que, na concepção de Trump, a definição de crime é muito diferente. "Trump acha que todos aqueles que cruzaram a fronteira e chegaram aos EUA, com ou sem documentos, estão no mesmo barco."
Revogação
Após um juiz bloquear o congelamento do repasse de verbas para custear programas de assistência e empréstimos federais, a Casa Branca recuou da decisão e rescindiu o memorando interno elaborado por seu Escritório de Gestão e Orçamento (OMB, pela sigla em inglês). O governo Trump revogou a medida ante a confusão em torno de seu alcance. "O Memorando M-25-13 do OMB foi rescindido. Se você tiver dúvidas sobre a implementação das Ordens Executivas do Presidente, entre em contato com o Conselheiro Geral da sua agência", afirma um novo memorando obtido pela emissora CNN. A suspensão dos subsídios seria da ordem dos trilhões de dólares e afetaria milhões de cidadãos americanos.
Com o objetivo de enxugar a máquina do Estado, Trump ofereceu aos funcionários públicos federais a opção de se demitirem e receberem o equivalente a oito meses de salários. Os servidores receberam um e-mail em que o governo pede que decidam, até 6 de fevereiro, se desejam integrar um programa de "demissão diferida". A expectativa da Casa Branca é de que o plano economize até US$ 100 bilhões (ou R$ 586 bilhões) com 2 milhões de funcionários públicos contemplados. O Departamento de Eficiência Governamental, comandado pelo bilionário Elon Musk, espera que 10% dos servidores se desliguem de seus cargos. Os servidores do serviço postal, militares e funcionários da Imigração estão fora do programa.
Um símbolo da tortura
A prisão militar na base naval de Guantánamo foi inaugurada em 11 de janeiro de 2002, durante o governo do republicano George W. Bush — 122 dias depois de os Estados Unidos sofrerem o maior atentado terrorista da história. A um custo de US$ 500 milhões por ano (cerca de R$ 2,93 bilhões), o mais caro campo de detenção do mundo tornou-se um exemplo do abandono do Estado de Direito e local de torturas e de violações dos direitos humanos. Cerca de 800 suspeitos de terrorismo foram confinados no local, quase todos sem acusações formais ou julgamento. A ideia do governo dos EUA era manter os detidos em uma espécie de limbo jurídico, onde nem as leis americanas nem as leis internacionais vigorariam. Segundo o jornal The New York Times, a prisão também tem sido usada ao longo das décadas para encarcerar migrantes interceptados no mar. Com base em depoimentos, algumas associações denunciam que os migrantes são vigiados quando ligam para um advogado e forçados a usar óculos escuros durante o transporte. Além disso, o local estaria infestado de ratos.
Pouca resistência da ala republicana, ataques dos democratas e uma declaração que repercutiu na imprensa mundial. Ao ser sabatinado pelo Senado, na audiência que poderia confirmar sua indicação como secretário de Saúde do governo Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr. — sobrinho do presidente John Fitzgerald Kennedy (JFK) — fez menção a um livro escrito por ele em 2014. "A primeira linha deste livro diz 'Eu não sou antivacina', e a última linha diz 'Eu não sou antivacina'", afirmou.
O advogado ambiental foi criticado pela inexperiência no ramo da saúde e por afirmações polêmicas. Robert Kennedy enfrentou um lobby de Caroline Kennedy. A filha de JFK enviou uma carta aos senadores, na qual pede que o primo não seja aprovado ao cargo e classifica-o de "predador viciado em atenção".
O senador democrata Michael Bennett provocou Kennedy sobre sua declaração de que a covid-19 foi "uma arma biológica geneticamente construída para alvejar negros e brancos, mas poupou judeus asquenazes e chineses". "Eu não disse que foi deliberadamente direcionada, acabei de citar um estudo dos NIH", desconversou o sabatinado, ao mencionar os Institutos Nacionais de Saúde. Ele negou ter reacionado a exposição a pesticidas à "transformação de crianças em transgêneros".
Kennedy tentou acalmar a ala conservadora de sua posição contrária ao aborto e disse concordar com Trump sobre o fato de a interrupção da gravidez ser uma "tragédia".
Em 9 de dezembro, 77 laureados com o Nobel assinaram uma carta em que externavam oposição à nomeação. Um dos signatários, Randy W. Schekman — ganhador do Nobel de Medicina em 2013 e professor de biologia molecular e celular na Universidade da Califórnia, Berkeley — afirmou ao Correio que Kennedy não é médico, nem cientista. "Seu julgamento sobre questões médicas é profundamente falho. A sua aceitação de opiniões marginais sobre o valor das vacinas e o seu apoio a indivíduos desonrados, como o Dr. Andrew Wakefield, que publicou dados fraudulentos alegando que as vacinas podem causar autismo infantil, e o Dr. Peter Duesberg, que afirmou que o HIV não é a causa da Aids, demonstra a impossibilidade de se confiar a Kennedy a política de saúde dos EUA. Ele representa um perigo." (RC)
"Deus nos livre de termos outra pandemia, sob a supervisão de Robert F. Kennedy. Ele organizaria uma campanha de vacinação, caso a gripe aviária se espalhasse mais rapidamente? Ele poderia ser encarregado de orientar o suporte à pesquisa biomédica financiada pelo NIH? Enfaticamente, não!"
Randy W. Schekman, laureado com o Nobel de Medicina em 2013 e professor de biologia molecular e celular na Universidade da Califórnia, Berkeley
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