Um dos pontos nevrálgicos do novo governo de Donald Trump, que completou duas semanas ontem, a gigantesca Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês) começou a semana agonizante, com um futuro incerto. Depois de um fim de semana de ataques, com suspensão de dirigentes, o secretário de Estado, Marco Rubio, anunciou ter assumido temporariamente o comando da agência de execução de programas de ajuda externa.
"Sou o diretor interino da Usaid", declarou Rubio, ontem, durante a visita a El Salvador, assinalando que acabará com a "insubordinação" da agência à agenda de Trump. O presidente republicano, segundo o bilionário Elon Musk, teria concordado em fechar a Usaid. Fala-se, ainda, na transformação da entidade independente em um departamento — esvaziado — da Secretaria de Estado.
Como parte de uma de suas primeiras decisões após retornar à Casa Branca, em 20 de janeiro, Donald Trump congelou as ajudas de Washington a outros países por três meses enquanto avalia se esses gastos respondem aos interesses do país. Criada por uma lei do Congresso em 1961, no governo do presidente John F. Kennedy, a Usaid tem um orçamento de US$ 42,8 bilhões (em torno de R$ 251,1 bilhões) destinados à ajuda humanitária e assistência ao desenvolvimento em cerca de 130 países.
O clímax da discórdia entre a Usaid e a Casa Branca se deu na semana passada, após dois altos funcionários de segurança impedirem o acesso de integrantes do Departamento de Eficiência Governamental (Doge), liderado pelo bilionário Elon Musk, a sistemas restritos. Ambos foram afastados. Em meio à polêmica, o site da agência saiu do ar no sábado.
"A Usaid é uma organização criminosa", escreveu Musk em sua rede social X, no domingo, ao responder a um vídeo no qual a agência é acusada de estar supostamente envolvida "em trabalhos sujos da CIA" e na "censura da internet". Pouco depois, Trump afirmou que a agência é "dirigida por lunáticos radicais".
Elon Musk disse ter discutido com Trump um plano para fechar a agência. "Falei com o presidente em detalhes, e ele concordou que deveríamos fechá-la", sustentou o bilionário durante um debate em sua plataforma X. O CEO de SpaceX e Tesla classificou a Usaid de "ninho de víboras marxistas de esquerda radical que odeiam os Estados Unidos".
"Basicamente, é preciso se livrar de tudo", observou Musk. Sem apresentar provas, ele alega que a Usaid "financiou a pesquisa sobre armas biológicas, incluída a covid-19, que matou milhões de pessoas".
Musk "não pode fazer e não vai fazer" nada sem "nossa aprovação", respondeu Trump. A ala de extrema direita e libertária do Partido Republicano sustenta que os Estados Unidos desperdiçam o dinheiro no exterior enquanto ignoram os norte-americanos.
Os democratas, que são minoria no Congresso, deram o sinal de alerta para a medida que consideram inconstitucional. O Congresso tem autoridade sobre o orçamento americano, mas Musk argumenta que o Doge pode decidir como o dinheiro será utilizado. Como o bilionário não é um servidor federal nem funcionário, não está claro a quem ele ou sua agência têm de prestar contas, além de Trump.
O dinamismo de Musk, que levou para o Doge trabalhadores de suas próprias empresas, pegou os opositores desprevenidos. Em um episódio especialmente tenso, a equipe do dono da X insistiu em obter acesso ao sistema de pagamentos altamente sensível do Tesouro, que é usado para despachar trilhões de dólares por ano para todo o governo. Também contém dados pessoais de muitos americanos.
"Não me ocorre nenhuma boa razão para que operadores políticos que tenham demonstrado flagrante desprezo pela lei necessitem ter acesso a esses sistemas sensíveis e de missão crítica", escreveu o senador democrata Ron Wyden em carta ao novo secretário do Tesouro de Trump, Scott Bessent.
Em meio à situação, a sede de Washington amanheceu, ontem, de fato, com as portas fechadas. No fim da noite de domingo, funcionários receberam um e-mail informando que não deveriam se apresentar ao trabalho ontem de manhã. Cerca de mil trabalhadores se depararam com o sistema informático bloqueado, informou a Devex, uma plataforma especializada em desenvolvimento. Cerca de dois terços dos mais de 10 mil funcionários são estrangeiros
Com cartazes e palavras de ordem, servidores e defensores da agência protestaram em frente à sede da agência em Washington. "Salvem a Usaid, salvem vidas." Maior doador individual do mundo, a Usaid financia programas sanitários e de emergência em cerca de 120 países, incluídas as regiões mais pobres do mundo.
Marco Rubio ressaltou que sua missão é alinhar a agência com prioridades de Trump. Ele assinalou que a Usaid não havia respondido a perguntas do governo, acrescentado que "esse nível de insubordinação torna impossível conduzir um tipo de revisão séria".
O secretário, que apoiou a ajuda externa como senador, acrescentou que muitas das funções da Usaid continuarão, mas acusou-a de agir como se fosse uma "entidade não governamental independente". "Em muitos casos, participa de programas que vão contra o que tentamos fazer com nossa estratégia nacional", insistiu.
O ex-presidente da Rússia Dmitry Medvedev aplaudiu a aparente sentença de morte da agência de ajuda. "Jogada inteligente de Elon Musk, tentando tampar a Garganta Profunda da Usaid", publicou o russo no X.
Por sua vez, o diretor do Centro de Política e Política de Saúde Global da Universidade de Georgetown, Matthew Kavanagh, considerou o possível fechamento da agência um "desastre para a política externa norte-americana".
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