22 de Fevereiro de 2025

A esperança de melhora para os pacientes com diagnóstico de AME


Doença neuromuscular hereditária, a atrofia muscular espinhal (AME) é degenerativa e, embora novos medicamentos consigam retardar a progressão, não se espera que os pacientes melhorem com o tempo. Mas foi isso que aconteceu em um pequeno estudo clínico que testou uma nova abordagem minimamente invasiva. A intervenção, relatada por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh na revista Nature Medicine, reduziu a fadiga, resultou em ganho de força e incrementou a caminhada dos três participantes, independentemente da gravidade dos sintomas. 

Trata-se de um tipo de estimulação elétrica dos nervos espinhais sensoriais, que tem como alvo a raiz da perda progressiva da função neural na AME. Os cientistas observaram que a abordagem desperta gradativamente os neurônios motores do feixe de nervos, melhorando a força das pernas e a estabilidade da caminhada. O estudo piloto é o primeiro a mostrar que uma tecnologia pode reverter a degeneração de circuitos e resgatar a função celular em uma doença caracterizada pelo comprometimento neural progressivo. 

"Para neutralizar a neurodegeneração, precisamos de duas coisas: interromper a morte dos neurônios e restaurar a função dos neurônios sobreviventes", explicou, em nota, o coautor correspondente Marco Capogrosso, professor assistente de neurocirurgia na Pitt. "Neste estudo, propusemos uma abordagem para tratar a causa raiz da disfunção neural, complementando os tratamentos neuroprotetores existentes com uma nova abordagem que reverte a disfunção das células nervosas."

Declínio

A AME se caracteriza na morte progressiva e no declínio funcional dos neurônios motores — células nervosas que controlam o movimento, transmitindo sinais do cérebro e da medula espinhal para os músculos. Com o tempo, a perda neurocelular causa fraqueza muscular gradual e leva a uma variedade de deficits motores, incluindo dificuldade para andar, subir escadas e levantar-se de cadeiras. 

O prognóstico varia conforme a idade de início e a gravidade da doença. sendo que, nas formas mais brandas, não há comprometimento da expectativa de vida. Porém, mesmo que não impacte na longevidade, os tipos III e IV são complexos e progressivos. "É importante lembrar que a condição pode afetar todos os músculos do corpo, incluindo aqueles responsáveis pela respiração e deglutição. Assim, medidas de suporte de vida avançado, como via de alimentação alternativa e suporte para a respiração, são essenciais em fases mais avançadas", destaca Samuel Borges de Oliveira, médico neurologista infantil do Hospital Santa Lúcia, de Brasília. 

Estudos mostram que os deficits de movimento na AME surgem antes da morte generalizada dos motoneurônios (neurônios motores), sugerindo que a disfunção no circuito do nervo espinhal pode contribuir para o início da doença e o desenvolvimento dos sintomas. Pesquisas anteriores em modelos animais desenvolvidas pelo coautor do estudo George Mentis, da Universidade de Colúmbia, mostraram que as células motoras sobreviventes recebem menos estímulos dos nervos sensoriais — fibras que retornam as informações da pele e dos músculos para o sistema nervoso central. 

Feedback

Compensar esse deficit no feedback neural poderia, portanto, melhorar a comunicação entre o sistema nervoso e os músculos, auxiliar o movimento muscular e combater o desgaste muscular, explicou Marco Capogrosso. Os pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, então, levantaram a hipótese de que uma terapia de estimulação elétrica epidural direcionada poderia ser usada para resgatar a função perdida das células nervosas. "A ideia é amplificar os estímulos sensoriais para os neurônios motores, engajando os circuitos já degenerados. Essas alterações poderiam se traduzir em melhorias funcionais e na capacidade de movimento." 

Em nota, Doug McCullough, um dos participantes do estudo, afirmou que passou a andar em superfícies lisas, uma atividade que havia se tornado impossível para ele, desde que a doença progrediu em 2023. "Como meus flexores de quadril são muito fracos, eu basicamente tenho essa marcha gingada. Nos vídeos que a equipe médica fez, você pode ver claramente que minha caminhada melhorou e que eu estava andando mais rápido. Ainda não ando completamente normal, mas melhor do que era antes."

Trata-se de um estudo pioneiro na área de neuromodulação, uma modalidade terapêutica que eu, como neurologista e neurofisiologista, considero extremamente promissora e relevante. A neuromodulação é um campo da neurociência que envolve o uso de estímulos elétricos, químicos ou magnéticos para alterar a atividade neural e modular circuitos do sistema nervoso. No caso específico do estudo sobre estimulação dos aferentes sensoriais na medula espinhal em pacientes com AME, a técnica melhora a função dos motoneurônios, aumentando sua capacidade de disparo e, consequentemente, melhorando a força e o controle motor, promovendo efeitos terapêuticos sustentáveis, não apenas durante a estimulação, mas com melhorias que persistiram mesmo quando o estímulo foi desligado. Isso sugere que a técnica pode reverter disfunções neurais de forma duradoura, modulando a plasticidade neural e reorganização dos circuitos motores. Os resultados do estudo são altamente significativos e promissores, tanto pela inovação científica quanto pelo alcance clínico. Vale ressaltar que, apesar dos resultados animadores, o trabalho ainda deve ser considerado um estudo preliminar, pelo pequeno número de pacientes estudados. 

Vitor Caldas, neurologista e neurofisiologista clínico do Sírio-Libanês em Brasília.

 

Houve avanços recentes no tratamento de Atrofia Muscular Espinhal (AME)?

Os últimos avanços foram as medicações de terapia gênica que se encontram incorporadas no Sistema Único de Saúde (SUS) atualmente. Essas terapias visam induzir a produção da proteína de sobrevivência do motoneurônio (SMN), de forma a preservar os motoneurônios ainda vivos. Dessa forma, o que se espera é parar ou desacelerar a progressão da doença. Há alguns estudos promissores, mas ainda em andamento, sobre novas medicações, utilizando novas tecnologias, para induzir a produção mais efetiva de SMN, utilizando tecnologias genéticas ainda mais avançadas que poderiam fazer uma modulação genética, por assim dizer, ainda mais efetiva. 

O estudo publicado na revista Nature parece promissor?

Os dados sugerem que a estimulação da medula espinhal pode alterar as propriedades elétricas dos motoneurônios, resultando em melhorias na função motora. Isso estaria alinhado com a hipótese citada no artigo, de que pessoas com AME possuem um grupo de motoneurônios ainda vivos, mas com capacidade funcional reduzida. Segundo o artigo, esses motoneurônios poderiam ser "resgatados" por meio dessa terapia. No entanto, a AME é uma doença raríssima, e há dificuldades óbvias em estudar condições assim, especialmente no recrutamento de participantes. Sendo assim, é um estudo que deve ser olhado com alguma cautela, sendo importante pontuar alguns aspectos. Primeiro, não é um tratamento que reverteria indefinidamente o quadro, mas sim parcialmente. Segundo, não é uma terapia que visa substituir o tratamento gênico já estabelecido, não é possível fazer afirmações quanto à progressão da doença com este tratamento isolado. 

Mas os resultados narrados são significativos?

Os resultados são significativos no sentido de que abrem um novo campo para ser estudado. De terapias que tentam recuperar função e não somente evitar a perda neuronal. Mas são resultados que ainda precisam de mais tempo para uma aplicabilidade clínica mais abrangente, como desenvolvimento de protocolos (tempo de aplicação, associado ou não a exercícios, para quais pessoas serviria etc), estudo mais aprofundado de riscos e acompanhamento de mais longo prazo.

 

  

Fonte: correiobraziliense

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