Brain rot é uma expressão inglesa que significa "cérebro apodrecido" ou "deterioração mental". Utilizada pela primeira vez, no século 19, pelo poeta e cientista norte-americano Henry David Thoreau para definir futilidade, ela foi eleita, pelo Dicionário de Oxford, a palavra de 2024. Quase 200 anos após ser cunhado, o termo, porém, foi escolhido em uma votação por 37 mil pessoas devido ao significado que adquiriu na era do excesso de internet. A ciência corrobora: estudos de imagem mostram que o tempo de uso de redes sociais e conteúdos sem qualidade está diretamente associado a alterações no cérebro, incluindo redução da massa cinzenta.
No ano passado, 5,5 bilhões de pessoas acessaram a internet, um aumento de 227 milhões em relação a 2023. No Brasil, 187,9 milhões estavam conectados. Embora seja impossível pensar em um mundo off-line, a preocupação dos cientistas é com o tempo gasto com publicações de baixa qualidade. Entre os brasileiros, por exemplo, as campeãs de cliques são as redes sociais, sendo que 16,2% dos usuários dessas mídias passam mais de três horas conectados, segundo um levantamento do YouGov.
Com 7% da população mundial apresentando sinais de dependência em internet, estudos de imagem com ressonância magnética funcional relatam alterações na conexão entre as diversas regiões do cérebro de adolescentes. Uma pesquisa da Universidade College London (UCL), na Inglaterra, revisou 12 artigos envolvendo 237 jovens, de 10 a 19 anos, diagnosticados com esse tipo de adição e constatou um verdadeiro "apodrecimento cerebral".
Os efeitos da dependência foram observados em várias redes neurais: houve uma mistura de aumento e diminuição da atividade nas partes do cérebro que são ativadas durante o repouso (a rede do modo padrão). Ao mesmo tempo, foi observada uma redução geral na conectividade funcional nas partes do órgão envolvidas no pensamento ativo (a rede de controle executivo). Na prática, essas mudanças foram associadas a comportamentos e tendências viciantes, assim como a alterações de desenvolvimento cerebral, capacidade intelectual e coordenação física, além de impactos na saúde mental.
"A adolescência é um estágio crucial do desenvolvimento durante o qual as pessoas passam por mudanças significativas em sua biologia, cognição e personalidades. Como resultado, o cérebro fica particularmente vulnerável a impulsos relacionados ao vício em internet durante esse período, como uso compulsivo da internet, desejos de usar o telefone e consumir mídia", observa Max Chang, autor principal do estudo, publicado na revista Plos Mental Health. O vício na internet foi definido como a incapacidade de uma pessoa resistir à vontade de ficar on-line, com prejuízos ao bem-estar psicológico, e à vida social, acadêmica e profissional.
Outro estudo, publicado na revista Nature, identificou redução no volume da matéria cinzenta de pessoas com vício na internet, comparado a um grupo controle. Essa parte do cérebro desempenha papel significativo das funções mentais, da memória, das emoções e do movimento e é afetada, entre outras condições, por derrames e pela doença de Alzheimer.
Embora mais estudos sejam necessários para identificar os padrões da adição em internet, o neuropediatra e neurofisiologista Hélio Van Der Linden, do Instituto de Neurologia de Goiânia (ING), destaca que, especialmente no cérebro ainda em desenvolvimento, os estímulos on-line, incluindo sites de jogos, ativam o sistema de recompensa cerebral, como na dependência química. "Principalmente a liberação do neurotransmissor dopamina leva a pequenas satisfações muito rápidas, e isso deixa o cérebro acostumado com esse padrão. Como em uma droga, a pessoa precisa cada vez mais de recompensa, desencadeando um uso patológico da tecnologia".
Uma forma de identificar o abuso é observar o comportamento social do usuário, diz Van Der Linden. "A pessoa com esse problema deixa de ter relações sociais, não quer mais sair, prefere ficar nas telas, porque há, também um estímulo luminoso muito forte. Algumas pessoas são tão viciadas que até deixam de comer e se alimentar direito, deixam de dormir, porque há uma inibição da melatonina, o neurotransmissor que prepara nosso cérebro para dormir."
Para o especialista, a proibição do uso de celulares nas escolas é uma medida fundamental para reduzir os riscos de adicção. "Não deveria nem estar na mochila porque a mera presença do dispositivo leva à ansiedade. A escola é um local de estabelecimento de interação social, como é que vai permitir um dispositivo que leva a um isolamento? Acho que demorou demais essa decisão, mas sempre é um primeiro passo."
A psiquiatra Daniele Oliveira, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), destaca que, devido aos múltiplos usos do smartphone, é difícil estabelecer um "nível seguro" de conectividade. "O tempo de exposição é mais ou menos consensual no mundo: crianças de 2 a 5 anos devem ser expostas a uma hora por dia, no máximo; de 6 a 10 até duas horas e, de 11 a 18, três horas", diz. "O fato é que, além da exposição à internet, há uma série de outras funções usadas nos smartphones, o que torna esse tempo muito maior do que o que é preconizado."
Pesquisadores começam a notar um problema crescente, definido como "automutilação digital". Segundo especialistas da Universidade Flórida Atlântica (FAU), nos Estados Unidos, trata-se de uma tendência recente e emergente, caracterizada pela postagem ou compartilhamento de conteúdo ofensivo sobre si nas plataformas digitais. "Esse comportamento pode ser confundido com maus-tratos por outros, mas o perpetrador e a vítima são a mesma pessoa.", diz Sameer Hinduja, professor de Justiça Criminal e especialista em cyberbullying e abuso de Internet na FAU.
Segundo Hinduja, a automutilação digital foi identificada por pesquisadores pela primeira vez em 2010, mas não recebeu a mesma atenção do que outras formas de abuso autoinfligido. Em parceria com a Universidade de Wisconsin-Eau Claire, cientistas da FAU analisaram três estudos independentes (2016, 2019 e 2021) de adolescentes nos Estados Unidos com idades entre 13 e 17 anos.
Os resultados do estudo, publicados no Journal of School Violence, revelam que uma proporção significativa dos jovens se envolveu em automutilação digital. Entre 2019 e 2021, aproximadamente 9% a 12% das pessoas de 13 a 17 anos postaram ou compartilharam esse tipo de conteúdo, um aumento de mais de 88% desde 2016. "Essa trajetória ascendente destaca a necessidade de intervenções direcionadas e sistemas de suporte — especialmente considerando que a pesquisa mostrou uma forte associação entre automutilação digital e automutilação tradicional, bem como entre automutilação digital e suicídio", alerta o estudo.
Uma das descobertas é que jovens do sexo feminino e não heterossexuais eram significativamente mais propensos a se envolver em automutilação digital. Além disso, estudantes que sofreram cyberbullying tiveram risco de cinco a sete vezes maior de publicar ofensas contra eles mesmos na internet.
"A automutilação digital tem sido associada a grandes problemas, como bullying, depressão, transtornos alimentares, danos físicos, distúrbios do sono e até tendências suicidas", diz Hinduja. "Com a crescente atenção global de profissionais que atendem jovens sobre esse fenômeno, está claro que a automutilação digital é um problema significativo de saúde pública que justifica mais pesquisas para identificar soluções que podem servir como fatores de proteção para prevenir sua incidência, bem como seu impacto."
Como o excesso de conteúdo digital afeta o cérebro em desenvolvimento e o do adulto?
Existe uma vasta investigação de como o vício ou o excesso de conteúdo digital tem impactado no cérebro humano, seja ele criança, em formação, ou no adulto, em que as conexões estão mais estabelecidas. Todos esses estudos indicam os efeitos nocivos, como a falta de atenção e deficits cognitivos, gerando um declínio no desempenho acadêmico e diminuição da saúde mental e física. O excesso ou vício digital se tornou um sério problema de saúde global e as crianças apresentam mudança de comportamento como aumento da agressividade e do diagnostico de doença como depressão e ansiedade, além do acesso de forma inadequada a conteúdos inapropriados para idade. Já no cérebro adulto um dos principais aspectos que é notado é alteração da atenção, impactando prejuízo cognitivo.
Como identificar se o excesso de conteúdo digital já está provocando danos?
Vários estudos usaram neuroimagem avançada, como ressonância magnética de crânio funcional, PET TC, que evidenciaram alterações nas imagens em áreas cerebrais que sofreu o impacto negativo como córtex pré-frontais, o que implica alterações cerebrais estruturais, incluindo a redução do volume de matéria cinzenta e branca em várias regiões envolvidas na função executiva, processamento de recompensas e atividades sensório-motoras, impactando as capacidades cognitivas, porém são trabalhos de difícil reprodução no cotidiano. Ainda há uma lacuna na ciência de marcadores precoce de sinais e sintomas que avalie de forma rápida e simples os dados provocados pelo excesso de exposição ao conteúdo digital.
É possível reverter esses danos?
Atualmente, a palavra-chave é o excesso. E está bem estabelecido que o excesso de exposição impacta de forma negativa tanto nas crianças como nos adultos, porém existe a necessidade de mais estudos robustos e longitudinais para avaliação dos dados e a reversão ocasionados. E é de fundamental importância o desenvolvendo de plano de ação diminuir o tempo de exposição, além de estimular as crianças e adolescentes a atividades lúdicas e cognitivas sem uso de tecnologias digitais, para mitigar os danos ocasionados por esse excesso.
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