A BBC recebeu uma lista secreta com os nomes de mais de 300 pessoas que pertenciam a um grupo que pedia publicamente a legalização do sexo com menores de idade no Reino Unido.
A lista — que esteve nas mãos da polícia por 20 anos, desde a década de 1970 — contém 316 nomes de membros do grupo conhecido como Paedophile Information Exchange (PIE), que pode ser traduzido como "Troca de Informações Pedófilas".
Os membros do PIE, que operou legalmente no país entre as décadas de 1970 e 1980, eram em sua maioria britânicos, mas também há dados de pessoas do Leste Europeu, da Austrália e dos Estados Unidos.
Alguns deles ainda estão vivos e, como uma equipe da BBC que pesquisou o tema para o podcast "In Dark Corners" conseguiu confirmar, eles podem estar em contato ou cuidando de crianças por meio de trabalho remunerado ou voluntário.
A BBC não encontrou, no entanto, evidências de que algum deles tenha cometido abusos.
A Metropolitan Police, a polícia de Londres, afirmou que não poderia fornecer informações específicas sobre suas investigações históricas relacionadas ao PIE, mas disse que continuaria a investigar crimes se houvesse provas suficientes, e os supostos autores ainda estivessem vivos.
Mas, afinal, como surgiu este grupo? E como ele conseguiu operar abertamente durante pelo menos uma década?
O PIE foi criado em 1974, em uma época em que o país estava passando por mudanças sociais rápidas e transformadoras. O grupo fazia campanha a favor da "sexualidade infantil".
Ele queria que o governo abolisse ou reduzisse a idade de consentimento, e oferecia apoio a adultos "em dificuldades legais relacionadas a atos sexuais com menores de idade". Seu verdadeiro objetivo era normalizar o sexo com crianças.
Não era uma organização ilegal e, na época, custava cerca de US$ 5 por ano para se afiliar ao grupo e receber sua revista.
Em entrevista à BBC em 2014, o jornalista Christian Wolmar relembrou as táticas do grupo.
"Eles não enfatizavam que eram homens de 50 anos que queriam ter relações sexuais com crianças de cinco anos. Eles apresentavam isso como liberação sexual para as crianças, que as crianças deveriam ter o direito ao sexo", explicou.
É uma ideia que agora parece assustadora. Mas o PIE obteve o apoio de algumas entidades profissionais e grupos progressistas. Recebeu convites de uniões de estudantes, obteve cobertura favorável da mídia e encontrou acadêmicos dispostos a difundir sua mensagem.
Mas é um erro dizer que a organização era tolerada na década de 1970, adverte o colunista Matthew Parris, do jornal The Times. "Me lembro de muita indignação a respeito. [O PIE] era considerado escandaloso."
As visitas do grupo às universidades eram, com frequência, contestadas. Em 1977, o presidente do PIE, Tom O'Carroll, foi expulso de uma conferência sobre "amor e atração" na University College de Swansea, depois que os professores "ameaçaram não apresentar seus trabalhos se O'Carroll ficasse", informou o The Times.
A edição de maio de 1978 do Magpie, o jornal interno do PIE, relata como O'Carroll foi convidado a discursar para alunos das universidades de Liverpool e Oxford, mas que as visitas foram canceladas após protestos.
Uma das principais táticas do PIE para obter apoio foi tentar confundir sua causa com os direitos dos homossexuais e, em pelo menos duas ocasiões, a conferência da Campanha pela Igualdade Homossexual aprovou moções a favor do PIE.
A homossexualidade só foi descriminalizada no Reino Unido em 1967. Naquela época, ainda havia preconceito e desigualdade: enquanto a idade de consentimento era 16 anos para os heterossexuais, para os homossexuais, era 21 anos.
A maioria dos homossexuais ficava horrorizada com qualquer confusão entre homossexualidade e interesse sexual em crianças, destacou Parris. Mas o PIE usou a ideia de liberação sexual para conquistar os elementos mais radicais.
"Se houvesse alguma coisa com a palavra 'libertação' no nome, você era automaticamente a favor dela se fosse jovem e descolado nos anos 1970."
Wolmar conta que teve contato direto com o PIE.
Em 1976, ele começou a trabalhar com uma agência que ajudava pessoas com problemas jurídicos e de dependência com drogas, que compartilhava um endereço de correspondência com o PIE.
Ninguém sabia muito sobre eles, mas tinham a aparência estereotipada de homens de aspecto duvidoso, lembra Wolmar.
Depois que o jornalista fez o alerta, sua agência decidiu convocar o PIE para uma reunião.
Seus colegas pressionaram o representante do PIE sobre a questão da idade de consentimento.
Wolmar conta que o homem disse que não deveria haver uma idade. Chocados com a ideia de um grupo que defendia relações sexuais com um bebê, ele e seus colegas decidiram por unanimidade expulsá-los.
A audácia era escandalosa. Keith Hose, um dos líderes do PIE na década de 1970, foi citado por um jornal dizendo: "Sou pedófilo. Me sinto atraído por meninos de 10, 11 e 12 anos. Posso ter tido relações sexuais com crianças, mas seria imprudente dizer isso".
Uma leitura dos jornais da época revela uma angústia palpável em relação ao sucesso do PIE.
Um artigo publicado no jornal The Guardian, em 1977, mostrou com consternação como o grupo estava crescendo. Em seu segundo aniversário, em outubro de 1976, contava com 200 membros.
Havia um grupo em Londres, outro estava sendo planejado em Middlesex, e filiais regionais viriam na sequência.
O artigo fala sobre as expectativas do PIE de expandir o número de membros para incluir mulheres e homens heterossexuais.
A autora do artigo menciona sua "repulsa, aversão e raiva" em relação ao grupo, mas acrescenta que tinha "a sensação de que, em cerca de cinco anos, seus objetivos acabariam sendo incorporados ao credo liberal geral, e todos nós os consideraríamos aceitáveis".
No entanto, durante a década de 1980, o PIE entrou em colapso. Sua notoriedade aumentou em 1982, com o julgamento de Geoffrey Prime, que era espião da KGB e membro do PIE.
Ele ficou preso por 32 anos por passar informações sigilosas do seu trabalho na Sede de Comunicações do Governo para a União Soviética e por uma série de ataques sexuais a meninas.
Um breve artigo publicado no jornal Daily Mail, em junho de 1983, registrou a demissão de um chefe de escoteiros de Castle Bromwich, um vilarejo nos arredores de Birmingham, depois que se descobriu que ele era membro do PIE.
Em agosto de 1983, um diretor de escola escocês, Charles Oxley, entregou um dossiê sobre o PIE à Scotland Yard, a Polícia Metropolitana de Londres, depois de se infiltrar no grupo, escreveu o jornal Glasgow Herald. No dossiê, ele dizia que o PIE tinha cerca de mil membros.
As autoridades discutiram maneiras de fechar o PIE. O'Carroll foi condenado a dois anos de prisão por "conspiração para corromper a moral pública", e o PIE foi finalmente dissolvido em 1984.
É difícil acreditar agora que o grupo existiu por mais de uma década. "Mesmo naquela época, a palavra pedófilo era bastante tabu", diz Wolmar. "Acho espantoso que eles tenham conseguido usar esse nome."
*Com pesquisa da equipe do podcast da BBC "In Dark Corners" (Alex Renton, Caitlin Smith, Gillian Wheelan, Gail Champion), Tom de Castella e Tom Heyden.
Fonte: correiobraziliense
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