Exposição à luz solar, no primeiro ano de vida, pode ter um impacto positivo na redução de recaídas em crianças diagnosticadas com esclerose múltipla (EM). É o que aponta uma pesquisa, publicada na Neurology Neuroimmunology & Neuroinflammation, e conduzida por uma equipe de especialistas do Hospital Infantil da Filadélfia, nos Estados Unidos, que revelou dados que indicam que tomar sol no primeiro ano de vida e no segundo trimestre da gravidez atenua o risco de agravamento da doença.
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O estudo se baseou na análise de registros de saúde de 18 clínicas de EM, envolvendo 334 crianças e jovens com idades entre 4 e 21 anos, todos diagnosticados com a doença ainda na infância ou adolescência. Os pacientes selecionados começaram a manifestar sintomas quatro anos antes do início da pesquisa. O acompanhamento dos participantes durou uma média de 3,3 anos.
Para o trabalho, a equipe focou em um aspecto ambiental específico, a exposição solar. Os responsáveis pelos participantes preencheram questionários sobre a quantidade de tempo que as crianças e suas mães biológicas tomaram sol em diferentes fases da vida, os tipos de roupas que usavam e com que frequência usavam protetor.
Os resultados mostraram uma relação significativa entre a exposição solar no primeiro ano de vida e a diminuição das recaídas de EM. Do total de participantes, 206, ou 62%, tiveram uma recidiva dos sintomas durante o período de observação. No entanto, as crianças que haviam se exposto ao sol por 30 minutos ou mais diariamente durante o primeiro ano de vida apresentaram um risco 33% menor de que isso acontecesse.
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Para os 75 participantes que tomaram entre 30 minutos e uma hora de sol diário, 34, ou 45%, sofreram recaídas. Ao analisar os 182 voluntários que ficaram expostos à luz solar por menos de 30 minutos por dia, esse valor subiu para 65%.
Os pesquisadores também analisaram como banhos de sol na gravidez pode ajudar os filhos no futuro. Conforme o artigo, se as mães tinham pelo menos 30 minutos de exposição ao sol diário no segundo trimestre da gestação, o risco de recaídas de EM nos filhos foi reduzido em 32%. Esses resultados reforçam a ideia de que a exposição solar não só durante a infância, mas também no período gestacional, pode ter efeitos benéficos no controle da doença.
Gina Chang, uma das autoras do estudo e cientista do hospital infantil, disse ser encorajador que o estudo tenha descoberto que uma maior exposição ao sol durante o desenvolvimento inicial também pode ser benéfica para ajudar a reduzir a atividade da doença em crianças que são diagnosticadas com EM mais tarde.
Conforme Thiago Taya, neuroimunologista do Sírio-Libanês, em Brasília, a exposição solar tem um papel crucial para a maioria das doenças autoimunes. "Isso porque a exposição solar é uma das principais fontes de produção da vitamina D. Essa vitamina é um dos grandes maestros da sinfonia imunológica do nosso corpo. É como se o sistema imunológico fosse uma sinfonia super complexa, em que cada componente tem que trabalhar junto em harmonia com os outros para fazer o papel correto, que é atacar os alvos corretos, o que é afetado em doenças autoimunes."
Taya detalha que a deficiência de vitamina D pode estar relacionada a uma descompensação imunológica e seu deficit nesse caso aumenta a tendência de evolução das doenças autoimunes, como a esclerose múltipla. "Por isso, a deficiência de vitamina D e a baixa exposição solar são fatores de risco para esclerose múltipla. Isso a gente já sabe. Tomar sol tem relação direta com a produção da vitamina D, que tem um papel direto no equilíbrio do sistema imunológico."
Apesar dos resultados promissores, os autores destacam que o estudo não carrega uma relação causal entre a exposição solar e a redução de recaídas, mas sim uma associação. Chang frisou a necessidade de mais pesquisas para explorar melhor essa ligação. "Nossas descobertas sugerem que a exposição ao sol na primeira infância pode ter benefícios duradouros na progressão da EM de início na infância. Estudos futuros devem analisar como o tempo ao sol em outros períodos antes e depois do diagnóstico de EM afeta o curso da doença, para melhor orientar as recomendações de exposição ao sol para crianças com EM e ajudar a projetar potenciais ensaios clínicos."
Carlos Uribe, neurologista do Hospital Brasília, da rede Dasa, alertou ser fundamental pesar riscos e benefícios para falar sobreconduta ou recomendação médica atualmente. "O risco seria exposição muito prolongada e sem proteção adequada. Isso pode aumentar, por exemplo, câncer de pele, melanoma especificamente. Mas, tomando as devidas precauções e com a exposição recomendada, se realmente isso for uma intervenção efetiva, será barata, com pouco efeito secundário, pouco risco e potencialmente efetiva."
Uma limitação relevante que os autores sublinharam foi a dependência de relatos dos pais ou responsáveis sobre a quantidade de tempo de exposição solar e uso de proteção solar. A precisão dessas indicações pode ser falha, já que a memória dos participantes não é totalmente confiável.
"Dentro das doenças autoimunes e da esclerose múltipla, especificamente, são muito importantes os fatores ambientais. Alguns estudos correlacionam a doença a, por exemplo, o vírus de Epstein-Barr, que é um patógeno muito importante no desenvolvimento da esclerose múltipla. Tem um estudo superlegal que está avaliando o efeito de uma possível vacinação em massa como fator protetor para o desenvolvimento da condição. Mas, além disso, há questões alimentares, o consumo de peixe na infância é super protetor para o desenvolvimento da esclerose múltipla na vida adulta. Ademais, temos a atividade física e evitar substâncias tóxicas. Outra pesquisa afirma que, se não existisse cigarro, a gente teria 30% menos incidência de esclerose múltipla e outras doenças autoimunes. Veja como a presença de toxinas, incluindo as respiratórias, é significativo. Então, eu colocaria esses quatro elementos como principais, além da questão da exposição solar: os nutrientes, especialmente peixe, atividade física, os vírus e o cigarro."
Guilherme Olival, neurologista do Centro de Doenças Autoimunes da BP— A Beneficência Portuguesa, de São Paulo
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