A alergia alimentar é uma preocupação crescente e afeta milhões de pessoas ao redor do mundo, sobretudo crianças. A ciência tem se empenhado em compreender as causas e os mecanismos dessa condição, explorando desde a microbiota intestinal até as respostas imunológicas que determinam as reações exacerbadas. Novos estudos têm alcançado descobertas que podem, em breve, oferecer soluções para prevenir e tratar alergias de forma mais eficaz.
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Uma pesquisa liderada por Hiroshi Ohno, pesquisador do Centro Riken para Ciências Médicas Integrativas, no Japão, investigou a relação entre a microbiota intestinal de bebês e o desenvolvimento de alergias alimentares, em particular a reação a ovos. Publicado no Journal of Allergy and Clinical Immunology, o estudo revelou que certas bactérias intestinais encontradas em bebês de um mês estão associadas a sensibilidades alimentares.
O ensaio analisou dados de 515 crianças por sete anos, dispostas em dois grupos: um de alto risco, composto por 270 participantes de famílias com histórico de alergias, e outro com 245 voluntários de um estudo anterior que testou tratamentos para alergias.
O trabalho revelou que a composição da microbiota intestinal após o nascimento pode prever, em até sete anos, a resposta imunológica a alimentos. A presença dominante da bactéria Bifidobacterium foi associada a menor risco de sensibilidade à clara de ovo, uma alergia comum. Parto e amamentação também influenciam na predisposição às alergias. "Esperamos que uma melhor compreensão da microbiota intestinal neonatal ajude a gerar ideias para estratégias de prevenção de alergias", afirmou Ohno.
Bactérias benéficas
Segundo Franciane de Paula, imunologista e alergista do Hospital Santa Lúcia, o parto vaginal e a amamentação influenciam a composição inicial da microbiota intestinal, favorecendo o crescimento de bactérias benéficas. "Estudos mostram que a microbiota intestinal de lactentes nascidos de parto normal se assemelha à microbiota vaginal de suas mães. Outras pesquisas apontam que, em lactentes nascidos por cesariana, a colonização por Bacteroides e Bifidobacterium é adiada por um mês após o nascimento, além de terem uma diversidade bacteriana baixa."
De acordo com Luiz Manoel Werber Bandeira, professor do centro universitário Idomed e chefe do setor de alergia e imunologia da Alergia da Santa Casa do Rio de Janeiro, o leite materno tem proteínas seguras ao lactente. "Portanto nos seis primeiros meses, somente leite materno. A proteína presente protege contra infecções, não induz alergia alimentar e permite a maturação da mucosa intestinal. A prevalência internacional dessas alergias têm aumentado nos últimos 10 anos e está relacionada à ingestão de proteínas estranhas, de alimentos que não são leite materno, antes dos seis meses, sensibilizando o lactente."
Outro avanço veio de um estudo coordenado por David Hill, médico do Hospital Infantil da Filadélfia, nos Estados Unidos, que fez história ao identificar, pela primeira vez e em nível molecular, um dos alérgenos responsáveis pela esofagite eosinofílica (EoE), uma doença inflamatória do esôfago. Segundo o trabalho divulgado no Journal of Allergy and Clinical Immunology, a doença difere de outras alergias, pois diversos alimentos, como leite, soja, ovo e trigo, podem causar reações.
A equipe usou sequenciamento genético para identificar quais proteínas se ligavam à resposta alérgica na EoE. Um dos pacientes tinha o leite como principal alérgeno, e os pesquisadores conseguiram descobrir que a proteína específica — a-caseína AA 59-78 — era a responsável pela reação."Esse estudo nos permitirá desenvolver testes de diagnóstico melhores e mais precisos", frisou Hill.
Conforme José Carlison Santos De Oliveira, especialista da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), os desafios que contornam a doença ainda são grandes. "Há muitas lacunas, principalmente relacionadas aos mecanismos imunológicos associados ao desenvolvimento e evolução da EoE. Um dos mais importante é justamente a identificação dos verdadeiros gatilhos para o aparecimento dessa doença. Não só os alérgenos alimentares estão implicados na fisiopatologia da Esofagite Eosinofílica. Os aeroalérgenos, como ácaros, pólens, epitélio de animais, como baratas e outros, cada vez mais são implicados como responsáveis diretos pelos aparecimentos dos sintomas."
Uma publicação recente da revista Science revelou como o sistema imunológico intestinal reage quando exposto a alimentos. O trabalho identificou tipos específicos de células intestinais que se comunicam com as células T para tolerar ou provocar uma reação imunológica aos alimentos.
Segundo o estudo, a tolerância alimentar, um processo controlado por células apresentadoras de antígenos (APCs), depende de dois tipos principais de APCs: cDC1s e Rort APCs. Essas células capturam antígenos alimentares e os apresentam às células T, gerando células T reguladoras (pTregs), que inibem respostas imunes, controlando reações alérgicas.
A pesquisa também explorou como infecções intestinais podem prejudicar esse equilíbrio, levando, possivelmente, a alergias alimentares. "Se pudermos entender como a tolerância é estabelecida e o que dá errado em situações de infecção, podemos um dia modular as APCs para prevenir alergias alimentares", detalhou Maria Canesso, pesquisadora da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos.
"A prevenção moderna das alergias alimentares incorpora conceitos recentes sobre a importância do microbioma intestinal e exposição precoce a alergênicos. Estudos mostram que uma dieta diversificada pode fortalecer a barreira intestinal e modular o sistema imunológico. Menos alimentos ultraprocessados e uma dieta com alimentos naturais são fundamentais. A introdução oportuna de ingredientes potencialmente alergênicos, como amendoim, ovo e leite, deve seguir recomendações baseadas em evidências científicas atuais. Pacientes com alergia alimentar devem ter um plano de ação emergencial bem estruturado, que além da prescrição de medicamentos de emergência, como a adrenalina autoinjetável, também tem orientações claras sobre o reconhecimento e manejo de reações alérgicas."
Lucila Camargo, médica pediatra, doutora em ciências pelo Programa de Pós-graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria e membro da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai)
A partir da identificação de uma proteína essencial que pode ajudar a prevenir reações erradas do sistema imunológico, cientistas do Hospital Houston Methodist, nos Estados Unidos, descobriram um potencial alvo terapêutico para o tratamento de doenças autoimunes e alergias. A descoberta, publicada no Journal of Clinical Investigation, abre novas perspectivas para o tratamento de condições como lúpus, esclerose múltipla e reações alérgicas.
A equipe investigou a proteína Apex1 e sua função na proteção do DNA das células imunes. De acordo com o estudo, a substância é crucial no processo de multiplicação das células T — células imunológicas responsáveis por ataques autoimunes em condições, como doenças autoimunes e alergias. Os cientistas descobriram que a inibição ou remoção da Apex1, poderia bloquear de maneira eficaz a ativação das células T, impedindo que elas causassem danos típicos das doenças autoimunes e das reações alérgicas. Em modelos animais de lúpus e esclerose múltipla, a ausência do gene impediu a manifestação dos sintomas.
"Ficamos surpresos com a potência de suprimir várias doenças autoimunes — não apenas na prevenção, mas também no tratamento, uma vez que as doenças já estavam estabelecidas, ao bloquear essa única molécula, a Apex1", frisou Xian Li, líder da pesquisa e diretor do Centro de Ciência em Imunobiologia e Transplante, no Houston Methodist. Os cientistas descobriram a morte das células T prejudiciais após a inibição. O que sugere que a proteína não só é essencial para o funcionamento das T, mas também pode ser explorada para eliminar células imunes indesejadas.
A médica Maria Elisa Bertocco Andrade, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), frisa que a nova proposta de tratamento se difere por agir em um ponto focal de controle de células T. "É super interessante e potencialmente importante. Muitos imunossupressores agem em diversas células do sistema imune e podem ter efeitos adversos mais amplos."
Maria Elisa Bertocco Andrade alerta para a necessidade de mais estudos na área. "Não se sabe se o Apex1 também afeta outros tipos de células imunológicas e como interage com outras vias de reparo —, por exemplo, Apex2 — na manutenção da estabilidade genômica e também não temos conhecimento sobre a amplitude de sua ação e possíveis efeitos adversos de seu uso clínico."
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