Em uma pequena porcentagem de pacientes, os medicamentos GLP-1, as famosas "canetas emagrecedoras", podem resultar em problemas de visão, segundo uma pesquisa publicada na revista Jama Ophthamology. O artigo é um estudo de caso de nove pessoas que relataram uma doença no nervo óptico após iniciarem o tratamento com as substâncias semaglutida (do Ozempic e Wegovy) e tirzepatida (Mounjaro).
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No ano passado, outro estudo divulgado na mesma revista médica, com dados de 16.827 pessoas, encontrou um risco elevado do problema entre obesos e diabéticos que tomam essas drogas. Os pesquisadores, porém, ressaltam que não foi estabelecida uma relação causal e que mais investigações precisam ser realizadas para confirmar se a chamada neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (naion), doença não inflamatória de pequenos vasos sanguíneos na porção anterior do nervo óptico que provoca a cegueira, tem relação com as substâncias.
A condição ocorre quando o suprimento de sangue para o nervo óptico é insuficiente, danificando o nervo e resultando em perda parcial repentina da visão, que geralmente é permanente. "Ainda estamos tentando elucidar se tomar esses medicamentos pode aumentar o risco", disse, em nota, a neuro-oftalmologista Norah S.Lincoff, coautora do estudo de caso e pesquisadora do Centro Médico da Universidade de Búfalo (UB), nos Estados Unidos.
A ideia da pesquisa surgiu quando o autor sênior Bradley J. Katz, da Universidade de Utah, atendeu um paciente que sofreu perda repentina e indolor da visão após iniciar o tratamento com semaglutida. O homem parou de usar o medicamento, mas depois sofreu a mesma coisa no outro olho, assim que voltou com a substância. Isso levou Katz a postar uma pergunta em uma lista de discussão de neuro-oftalmologia para ver se seus colegas haviam testemunhado situações semelhantes.
Os casos descritos na Jama são o retorno que Katz recebeu de seus colegas. O artigo relata que sete dos nove pacientes desenvolveram condições semelhantes à naion. Um teve papilite, inflamação da cabeça do nervo óptico; outro sofreu de maculopatia média aguda paracentral, que pode causar um ponto cego na visão.
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Alguns pacientes apresentaram sintomas atípicos. Por exemplo, quase sempre a naion se manifesta em um olho por vez, mas houve casos relatados de ambos os olhos afetados ao mesmo tempo. Os autores destacam que outras classes de medicamentos, incluindo aqueles que tratam a disfunção erétil e uma droga para arritmia, já foram associadas à neuropatia óptica em alguns usuários.
Segundo Lincoff, embora os relatos de problemas de visão em pacientes tratados com semaglutida e tirzepatida sejam raros, a preocupação é que a demanda por esses medicamentos está disparando. Um estudo de 2024 relatou que 12% da população dos Estados Unidos já tomou uma dessas substâncias e que aproximadamente 6% dos norte-americanos fazem uso das drogas. No Brasil, somente o ozempic (indicado para o controle de diabetes 2) vendeu mais de 3 milhões de unidades em 2024, segundo um levantamento da IQVIA.
Todos os nove pacientes incluídos no estudo de caso, na faixa dos 50 anos e 60 anos, foram medicados com as drogas GLP-1 porque têm diabetes ou obesidade, assim como comorbidades cardiovasculares, que podem também causar problemas de visão, como retinopatia. A neuro-oftalmologista Norah S.Lincoff afirma que não foi estabelecida uma relação de causa e efeito entre o uso das substâncias e a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica.
"Uma das hipóteses levantadas seria a rápida redução dos níveis de glicose no sangue que essas medicações produzem", explica Renato Braz Dias, oftalmologista do Grupo Inob, em Brasília. "Outra possibilidade é que a presença do receptor GLP-1 no nervo óptico possa exercer uma ação no sistema nervoso simpático e alterar a circulação sanguínea no nervo óptico. Mas são apenas hipóteses", reforça.
"A mensagem para o paciente é que ainda estamos investigando se esses medicamentos os colocam em maior risco de dano isquêmico ao nervo óptico", diz Lincoff. "E a mensagem para o médico de atenção primária é: se um paciente que toma um desses medicamentos ligar para você e disser que há visão turva ou perda, leve-o ao oftalmologista o mais rápido possível. Não espere. Talvez seja uma flutuação na glicose ou pode ser algo mais sério."
Para Renato Braz Dias, os benefícios dos medicamentos GLP-1 são maiores que as possíveis complicações visuais. "A diabetes e a obesidade/sobrepeso são hoje epidemias mundiais, que levam ao comprometimento da saúde desses pacientes em larga escala e em vários aspectos", argumenta. "Dessa forma, os benefícios da semaglutida superam em muito os riscos de problemas oculares. Lembrando que a neuropatia óptica isquêmica anterior é uma doença rara e o aumento do risco absoluto com o uso da semaglutida permanece baixo."
Como diferenciar os casos descritos no estudo de outras neuropatias ópticas?
Existem inúmeras causas para neuropatias ópticas; a própria diabetes é um fator de risco; assim como outras alterações vasculares, como hipertensão arterial e hipotensão noturna. Apneia do sono e uso de outros medicamentos, como o sildenafil (nome comercial do Viagra) também são fatores de risco. Portanto, é muito difícil diferenciar a causa nesses pacientes diabéticos, visto que muitos apresentam vários fatores de risco associados. Os próprios estudos deixam claro na conclusão que não é possível definir que o uso da semaglutida foi a causa da neuropatia, apenas sugerem uma possível relação e que novos estudos são necessários.
Variações glicêmicas abruptas podem impactar a circulação ocular e o nervo óptico?
Uma das hipóteses para a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (naion) é sua relação com inchaço do disco óptico. A própria diabetes pode causar a papilite diabética, com edema do disco óptico. Porém, existem relatos de que o rápido controle da glicemia poderia causar esse inchaço. Importante lembrar que existem várias formas de controle rápido da glicemia, como o uso da insulina e a cirurgia bariátrica; e, seguindo esse raciocínio, também atuariam como fatores de risco. Assim, poderíamos nos perguntar se o risco com semaglutida seria muito diferente do uso da insulina.
Com o aumento da prescrição de semaglutida e tirzepatida para controle de peso, quais precauções oftalmológicas deveriam ser consideradas em pacientes sem histórico de diabetes?
Todo medicamento tem efeito colateral e o uso indiscriminado sem orientação médica não é recomendado. O médico sempre avalia o risco e o benefício para indicar o tratamento e temos notado uso para emagrecimento sem acompanhamento correto; muitas vezes os pacientes desconhecem os riscos. Acredito que, em breve, teremos novos estudos sobre o tema com grau de evidência científica maior que irão fortalecer ou descartar essa hipótese de relação causal. Até lá, o exame oftalmológico pode indicar outros fatores de risco para naion e ajudar na decisão da prescrição ou não do medicamento baseado no risco versus benefício.
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