A taxação em 25% do aço e do alumínio importados pelos EUA foi um dos assuntos mais comentados nos últimos dias e deve ter novas repercussões nas próximas semanas. O decreto assinado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, prevê que a tarifa passe a ser aplicada a partir de 12 de março. Até essa data, alguns países devem entrar em processo de negociação com o governo dos EUA para conseguir melhores condições para exportar e não ter perdas significativas na balança comercial.
O Brasil é uma das nações mais afetadas, por ser o segundo maior exportador de aço para os EUA, além de ter uma parcela significativa de alumínio exportado ao país norte-americano. Diante disso, em vez de promover retaliações, o Instituto do Aço defende o diálogo e a negociação e acredita em um bom desfecho até o próximo mês. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que o presidente da entidade, Marco Polo Lopes, concedeu com exclusividade ao Correio.
Qual foi a primeira reação do instituto ao saber das tarifas e por que vocês optaram por esperar a confirmação para emitir uma nota?
A nossa avaliação, no primeiro momento, era de que sem ter uma confirmação, sem ter uma afirmação de um assunto de tremenda sensibilidade no ar, a nossa decisão aqui foi de aguardar que isso fosse formalizado, ou não, para a gente poder se posicionar. Aí, nós entramos nesse período em contato com o governo brasileiro, que também, da mesma forma, assumiu a mesma postura. Mas a nossa reação foi de surpresa, porque nós tínhamos um acordo que estabelecia cotas e tinha vigência desde 2018. Na nossa avaliação, é um acordo que atende perfeitamente aos interesses tanto da indústria siderúrgica brasileira como da indústria siderúrgica americana.
O senhor avalia que a medida foi um ataque ao Brasil, por ser um dos países que mais exporta aço aos EUA?
Deixando decantar um pouco as informações, a gente consegue entender que a medida não é contra o Brasil. Eu não estou questionando aqui a decisão do presidente Trump. Faz parte da política dele ou da estratégia dele, que foi de adotar uma medida global contra o mundo inteiro, envolvendo, inclusive, parceiros históricos que fizeram parte do Nafta, que são o Canadá e o México. Então, não é uma medida contra o Brasil, é uma medida global.
Na nota publicada na última terça-feira, vocês falam sobre as cotas de importação com os EUA. Na época, a adoção dessas cotas satisfez o setor? Ou se esperava mais negociação?
A primeira consideração que a gente faz é que estamos praticamente com um espelho, uma repetição daquilo que aconteceu em 2018. Da mesma forma, o Trump, naquele ano, tomou uma decisão global, de novo, incluindo o Canadá e o México, com a taxação de 25%, quando ele utilizou a famosa Seção 232 e, como pano de fundo, a segurança nacional americana. Nós acionamos os nossos canais oficiais para estabelecer naquele momento uma negociação com o lado americano. Então, o Itamaraty com o Departamento de Estado Americano, o MDIC com o Departamento de Comércio Americano, e tivemos duras e difíceis reuniões de negociações, onde ambos os lados tentam sempre avançar nos seus interesses.
Então o objetivo foi atingido, na sua visão?
O objetivo maior dessas negociações foi atingido naquele momento, porque nós conseguimos mostrar que as nossas exportações para a indústria siderúrgica americana eram exportações complementares. E aí vem um primeiro dado importante, que a gente tem uma situação que, quando eu digo que é um espelho, é porque as condições se mantêm. Naquele ano, o que se constatou é que a indústria siderúrgica americana não tinha autossuficiência na produção de placas.
O que são essas placas?
Placas são os semiacabados que nós exportamos para lá e que são utilizadas basicamente pela própria indústria siderúrgica americana. As placas são relaminadas para se obter o produto final que vai para diversos segmentos, entre eles, por exemplo, o setor automotivo. Então, para as placas, que eram estratégicas para o setor siderúrgico americano, foi estabelecida uma cota de 3,5 milhões de toneladas. E para os produtos acabados, em que, no fundo, o setor brasileiro compete com a indústria siderúrgica americana, uma cota de 680 mil toneladas. Veja que tem uma diferença muito grande da cota de acabado para semiacabado, porque é onde existe a competição e eles foram mais restritivos.
E sobre a balança comercial com os EUA nesse setor?
Se você olhar para a balança comercial total entre Brasil e Estados Unidos, de forma recorrente os Estados Unidos têm superavit em relação ao Brasil. Se você pegar os últimos cinco anos, vai verificar que os Estados Unidos têm um superavit médio de US$ 6 bilhões. E por último, e o mais importante, é que nós somos um grande importador do carvão mineral metalúrgico americano. Só para esclarecer, a siderurgia brasileira não dispõe de carvão mineral do Brasil. Sempre se fala muito aqui de carvão mineral, mas é um carvão que tem um teor alto de cinza, de enxofre e que não serve para a siderurgia. Então, 100% do carvão mineral é importado. E naquela época, em 2018, nós éramos o maior importador de carvão nos Estados Unidos. Então, por tudo isso, a nossa expectativa é de que, agora, de uma maneira até mais rápida, a gente consiga recompor esse acordo que nós achamos que é bom para a indústria siderúrgica brasileira, mas é bom, também, para a indústria siderúrgica americana. A taxação de 25% não é boa nem para o aço brasileiro, nem para o aço americano.
O presidente Lula disse que não tem relações com Trump e que vai reagir comercialmente, denunciando na OMC ou elevando taxas de produtos que eles importam da gente. Na sua avaliação, é um bom posicionamento do governo e qual seria a melhor medida a se adotar?
No primeiro nível dos governos, que são os mandatários, os presidentes, você tem um uma forma pessoal de conduzir uma política definida. O Trump vai lá falar uma coisa, outro presidente fala outra. Não vou emitir comentários sobre isso, mas o fato é o seguinte: o que se provou eficiente em 2018 foi a comunicação entre as áreas técnicas dos governos e o estabelecimento de um processo negocial. O mais importante para a gente é restabelecer o acordo, que é muito positivo para o nosso setor, como é positivo para o setor americano. Nós temos tido reuniões e contatos constantes com o governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), da Câmara de Comércio Exterior (Camex), porque são os organismos do nosso governo que têm a responsabilidade de conduzir esse processo. E nesse nível, nós estamos trabalhando para tentar restabelecer o processo negocial. Essa é a prioridade.
Alguns especialistas dizem que essa questão do aço pode provocar uma guerra comercial global. Na sua visão, diante dos problemas enfrentados por outros países, também, há uma possibilidade real nesse sentido?
Você já tem uma situação hoje conflagrada dificílima, que é o fato de ter, neste momento, no mundo, um excedente de capacidade instalada de 560 milhões de toneladas. É um volume gigantesco. Só para relembrar, a nossa capacidade instalada é de 51 milhões de toneladas. Então, é um gigantesco excesso de capacidade que faz com que esse mercado seja turbulento, com escaladas protecionistas, com práticas predatórias e com todas as consequências que se tem em uma condição dessa.
Na nota, vocês citaram a questão das tarifas implementadas pelo Brasil e disseram que, nesse caso, seria para proteger contra uma concorrência desleal. O que difere essa concorrência desleal no caso dos EUA, com o do Brasil?
Não é sobre proteger o Brasil. Eu diria que proteção é uma coisa e defesa é outra. A gente trabalha sempre em buscar defesa. Se você perguntar, quanto é que entra? Desses 560 milhões de toneladas que eu mencionei de excesso de capacidade, mais de 200 milhões estão na China. E ela não está preocupada com o preço. Ela está preocupada em manter emprego e acessar mercado, não importa as condições. Então, a prática dela é uma prática predatória. Você faz qualquer movimento aqui, ela vai lá e baixa preço. Agora, quanto é que entra nesse país que tem mais de 110 milhões de toneladas de exportação da China? Quanto é que entra de produtos chineses nos Estados Unidos? 470 mil toneladas.
Qual a sua visão sobre esse movimento dos EUA, então, diante dessa prática?
Os Estados Unidos tomaram a iniciativa de defender o seu mercado dessa prática predatória. Não tem nada mais importante para um país do que o seu mercado interno. Não tem nada mais importante, ou não deveria ter nada mais importante do que a sua indústria. Os Estados Unidos tomaram iniciativas para colocar uma defesa eficiente, e tomaram da noite para o dia. O Trump, na hora que ele toma uma decisão, ele não passa por burocracia. Ele vai lá e toma uma decisão, e usa a salvaguarda Seção 232 e, de imediato, ele colocou, porque entendia que era uma questão de defesa comercial.
E no caso do Brasil?
Nós passamos um ano para tentar colocar um sistema que pudesse minimamente fazer a defesa do nosso mercado. Apenas nove NCMs (Nomenclatura Comum do Mercosul) foram aprovadas. O nosso pleito era muito maior do que isso. Foi estabelecido um sistema chamado cota-tarifa, em que o governo determina a cota e, ao determinar a cota, o governo pegou uma média das importações de 2020, 2021 e 2022, e colocou ainda um delta de 30%. Então, essa cota ficou uma cota generosa. Tanto é assim que entraram no país, no ano passado, 4,8 milhões de toneladas. Nós estamos longe ainda, se você olhar para essa turbulência toda do mercado internacional, de ter neste momento uma defesa comercial apropriada.
Se for confirmada mesmo essa taxa de 25%, quais devem ser os segmentos dentro do aço mais afetados?
A taxa passa a vigorar a partir de 12 de março. A nossa expectativa é de que nesse prazo de um mês, praticamente, nós tenhamos tempo suficiente para desenvolver esses contatos e as negociações que precisam ser feitas. Se isso não for possível, se isso não acontecer, evidentemente que o que vai ser atingido é onde você tem o maior volume, que são os semiacabados, os 3,5 milhões de toneladas. É o produto que é utilizado pela própria indústria siderúrgica americana.
Os EUA também devem sair prejudicados nessa negociação, visto que eles importam matéria-prima para produzir?
Se o governo mantiver essa taxação de 25%, o que é que a indústria siderúrgica americana vai fazer? Ela precisa importar e importou 6 milhões de toneladas. Se tiver a taxação de 25%, o que ela vai fazer? Então, tem uma prioridade no ar para o nosso lado, mas tem uma prioridade, também, do lado americano. Eles precisam da matéria-prima para produzir. Se eles não tiverem, como é que eles vão fazer?
O setor de siderúrgicas prevê alguma retaliação mais direta ao mercado norte-americano?
O setor do aço não trabalha com essa possibilidade. A nossa grande prioridade é, de uma maneira profissional, eficiente, pelos canais oficiais, pela diplomacia brasileira, restabelecer, via negociações, o acordo que é bom para a indústria siderúrgica brasileira, mas é bom para a indústria siderúrgica americana. Esse é o nosso objetivo e é em função disso que nós estamos trabalhando.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.