É uma promessa tentadora: emagrecer, acelerar o metabolismo, desinchar, fortalecer o sistema imunológico e, de quebra, ficar com a pele e os cabelos mais viçosos. Para isso, bastariam algumas infusões de vitaminas e minerais — dependendo do paciente, um ou vários combos são indicados. Sucesso nas redes sociais e entre celebridades, como a atriz norte-americana Gwyneth Paltrow, esses "elixires" da vitalidade carecem, porém, de evidências científicas. Entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e a Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) não recomendam a suplementação intravenosa, a não ser em casos de algumas doenças e condições específicas (veja quadro).
Em um estudo publicado neste mês na revista Healthcare, pesquisadores da Universidade de Ciências Médicas de Poznan, na Polônia, com quase 200 profissionais de saúde, 89,4% apontaram "modismos espalhados por celebridades e mídias sociais" como principal razão de os pacientes procurarem as infusões intravenosas de micronutrientes. "Vale a pena notar que as infusões e injeções comerciais são pouco estudadas em termos de eficácia e segurança. Até o momento, há poucas publicações sobre seus benefícios, e todas as que existem são anedóticas ou carecem de rigor científico", destacam os cientistas, citando 23 estudos sobre a suplementação de micronutrientes na veia.
"A administração endovenosa de vitaminas e minerais tem indicações médicas bem estabelecidas em condições específicas, como deficiências documentadas, síndromes de má absorção, como após cirurgias bariátricas ou em doenças intestinais, estados carenciais e suporte hospitalar", enumera Eline de Almeida Soriano, nutróloga e diretora da Abran. "Na maioria dos casos, uma alimentação equilibrada e a suplementação oral, quando indicada, são suficientes para manter níveis adequados de micronutrientes no organismo", ensina.
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A terapeuta capilar Solange (nome fictício), 46 anos, aprendeu a lição após gastar R$ 2.750 em dois pacotes de suplementação injetável; um para emagrecimento, outro para imunidade. "Eu havia desfeito uma sociedade, começando a burocracia para abrir outro negócio, estava me sentindo cansada e desmotivada. Também precisava perder peso", recorda. Por indicação de uma cliente, procurou uma clínica de nutrologia, onde fechou os combos de quatro infusões intravenosas, cada. "Não senti diferença alguma. Quando passei a me alimentar melhor, a dormir cedo e voltei a fazer caminhada, aí, sim, melhorei."
Vitaminas e sais minerais são nutrientes essenciais para o funcionamento do organismo, obtidos pela alimentação. A deficiência dessas substâncias está associada a condições como fadiga, fraqueza muscular, confusão mental, anemia, sangramento, perda óssea e problemas de visão. Em ambiente hospitalar, para pacientes que não conseguem deglutir ou digerir, os micronutrientes são entregues por via parental (intravenosa). Quando exames detectam níveis baixos devido a doenças e má-absorção, o médico ou o nutricionista podem decidir suplementar, mas a via oral é sempre a preferida.
"Primeiro é preciso entender se é necessário suplementar, é preciso fazer um diagnóstico adicional prévio. Não tem como partir do pressuposto que só por sinais e sintomas clínicos a pessoa está com deficiência", diz o nutricionista Guilherme Falcão Mendes, doutor em Nutrição Humana e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB). "Até o diagnóstico sanguíneo, às vezes, é controverso", destaca. Os níveis e taxas desejáveis são definidos por sociedades médicas, com base em estudos robustos e, eventualmente, passam por revisões.
"A suplementação é requerida quando há necessidade complementar e o diagnóstico é realizado por meio de avaliação clínica e exames laboratoriais. No tocante à suplementação com infusão intravenosa, é essencial que a pessoa, comprovadamente, não tenha respondido à reposição por via oral ou quando essa via for contraindicada ou sabidamente inefetiva para o tratamento", reforça a endocrinologista Hermelinda Pedrosa, da Sbem. Ela compõe o Grupo de Trabalho Intercameral do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal que vai elaborar um parecer sobre a soroterapia. "Inclusive está programado um debate no CRM em Brasília, amanhã, para que as pessoas possam ser prevenidas de malefícios e de lesões financeiras", adverte.
É preciso ter cuidado com a promessa de que os combos de vitamina e sais minerais fortalecem a imunidade, uma preocupação que se tornou mais evidente com a pandemia de covid-19. "Em termos de estimulação imunológica, a suplementação intravenosa não necessariamente resulta em um 'reforço" da imunidade', a menos que haja uma deficiência específica a ser corrigida", explica Manuel Palacios, infectologista do Hospital Anchieta, em Brasília.
"O fortalecimento da imunidade envolve a adoção de um estilo de vida saudável, que inclua uma alimentação balanceada, prática regular de exercícios físicos, controle do estresse, sono adequado e, se necessário, a suplementação de vitaminas e minerais, principalmente em casos de deficiências diagnosticadas. A vacinação também é uma estratégia importante para fortalecer o sistema imunológico e reduzir o risco de infecções", acrescenta Palacios.
Outro cuidado é que, embora possam parecer inofensivas, as infusões intravenosas de micronutrientes podem causar diversos malefícios, quando não há indicação. "Alguns nutrientes podem ser excretados pela urina, como as vitaminas hidrossolúveis, C e do complexo B. Agora, outras, como minerais, vitaminas lipossolúveis e a vitamina D se acumulam no corpo. Por isso, há riscos de toxicidade por excesso de vitaminas e minerais, especialmente minerais", alerta Guilherme Falcão Mendes, da UCB.
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O que há de evidência científica sobre os benefícios da aplicação endovenosa de vitaminas
e minerais?
Há, de fato, específicas situações em que o uso intravenoso de vitaminas e minerais é realizado, em vez do uso oral. No entanto, sob a perspectiva farmacológica per se, não há evidência que a reposição venosa, mesmo diante de deficiência vitamínica, por exemplo, supere a administração oral; além disso, a literatura carece de dados de ensaios clínicos suficientes para respaldar o robusto e crescente merchandising que se observa nas redes sociais. O recente parecer do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) sobre o tema "soterapia" focaliza que a "prescrição de infusão de soluções parenterais de vitaminas, minerais e compostos nutricionais apenas deve efetuada se comprovada a real necessidade diante de contraindicação formal e/ou falha de resposta documentada da reposição por via oral".
Os sites de algumas clínicas dizem que qualquer pessoa que não tenha alergia aos compostos pode se beneficiar da "soroterapia". Há riscos em potencial de pessoas sem carência/deficiência receberem suplementação intravenosa?
Com certeza: o apelo está nas propagandas de tais "clínicas". Antes de tudo, essas pessoas incorrem em postura antiética, pois o Código de Ética Médica é claro acerca de propaganda de procedimentos e dos riscos que estão implicados, principalmente se não há deficiência comprovada. Além disso, deve-se considerar se o ambiente é apropriado, ou seja, se preenche os requisitos da vigilância sanitária de uma unidade de saúde para o preparo da solução e da aplicação, pois situações de urgências e emergências são potenciais. A Anvisa disponibiliza as resoluções e portarias que devem ser rigorosamente seguidas. Um exemplo de risco é o uso de combinações de vitaminas A e D, que são lipossolúveis e por isso, passíveis de deposição tecidual e risco grave. Doses elevadas de vitamina D3, por exemplo, trazem risco de hipercalcemia.
Também existe a promessa de que a "soroterapia" fortalece a imunidade. Essa indicação é real?
Durante a pandemia da covid-19, sobretudo, "prescrições" com esse fim, de aumentar a imunidade, surgiram no mundo inteiro e, no Brasil, não foi diferente, pois a picaretagem é global, infelizmente. Muitos colegas, sem crivo ético e com fins de geração fácil de dividendos, continuam mercantilizando, ferindo a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.336/2023, sobre publicidade médica, divulgando efeitos benéficos que não podem ser comprovados e omitindo potencial de malefício. São situações que merecem denúncia para fiscalização pelo CRM e a Vigilância Sanitária. A criatividade de charlatanismo é incrível, e "soroterapia" sem base científica vai além de "reforço da imunidade": "desintoxicação"; "desparasitação"; "aumento da beleza"; "efeito antioxidante"; "reequilíbrio hormonal"; "ação antienvelhecimento"; "melhora da libido"; "melhora da performance física"; dentre outras "pérolas do charlatanismo", ligadas a práticas médicas não reconhecidas pela Associação Médica Brasileira tampouco por Conselhos, como "medicina integrativa", "life-style medicine", "medicina ortomolecular". (PO)
* Hermelinda Pedrosa é membro do Grupo de Trabalho Intercameral para Análise da "Soroterapia" para elaboração de parecer do CRM-DF
"Sem base científica"
A infusão endovenosa de vitaminas e minerais, conhecida como “soroterapia”, tornou-se amplamente discutida, com diversas sociedades médicas se posicionando sobre o tema. No entanto, não existem evidências científicas que comprovem os benefícios dessas infusões para a maioria das pessoas saudáveis. Apesar de muitas clínicas prometerem efeitos como “otimização metabólica”, “fortalecimento da imunidade”, “emagrecimento” e “melhora cognitiva”, essas alegações carecem de respaldo científico sério. Infelizmente, muitas pessoas têm caído em golpes, acreditando em promessas irreais de melhora da saúde, mas, na prática, se expõem a sérios riscos. As complicações do uso indiscriminado de infusões incluem toxicidade vitamínica, já que vitaminas como A, D, E e K podem se acumular no organismo e causar efeitos adversos graves; sobrecarga renal e hepática, pois o excesso de minerais exige metabolização pelo fígado e excreção pelos rins, o que pode levar a disfunções; desequilíbrios eletrolíticos, com alterações nos níveis de sódio, potássio e cálcio, que podem resultar em arritmias e complicações metabólicas, e risco de reações alérgicas e infecções, incluindo choque anafilático. Além disso, há o desperdício financeiro e o efeito placebo, com pessoas gastando em terapias sem base científica, quando poderiam investir em hábitos saudáveis reais. Outro fenômeno preocupante é o desenvolvimento de doenças em pessoas saudáveis devido ao uso inadequado dessas infusões. Ao tomarem vitaminas desnecessariamente, essas pessoas podem desequilibrar o metabolismo e, como resultado, acabam adquirindo problemas de saúde que antes não existiam. Mais do que nunca, é essencial questionar, buscar fontes confiáveis e evitar cair em charlatanismo, que tem prejudicado financeiramente e colocado em risco a saúde de tantas pessoas."
Fernanda Silveira, endocrinologista e professora de Medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB)
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