Horas antes de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar a retirada do ar "imediata, completa e integral" da rede social Rumble do território brasileiro, o advogado Martin de Luca, que representa a Rumble e a Trump Media & Technology Group (TMTG) em um processo contra Moraes nos EUA, minimizou os impactos da decisão para as empresas.
Em entrevista à BBC News Brasil, Luca afirmou que "o que acontece no Brasil é indiferente porque nenhuma das duas empresas tem nenhum contrato, nem operações no Brasil. Então o que acontece no Brasil é tão relevante quanto o que acontece na Lua".
Segundo ele, a Rumble não vende anúncios nem faz negócios no Brasil, apenas recebe acessos. E por isso, não precisaria ter uma sede ou representantes brasileiros.
A ordem de bloqueio de Moraes marca uma nova escalada em uma sequência de medidas tomadas de parte a parte nas últimas 48 horas, quando a Rumble e a empresa do atual presidente dos EUA, Donald Trump, a TMTG, ingressaram com um processo contra o juiz brasileiro em um Tribunal na Flórida.
Nesta sexta, antes da divulgação da decisão de bloqueio por Moraes, o advogado Luca trabalhava em uma liminar que deve ser apresentada ainda hoje à Justiça dos Estados Unidos para pedir salvaguardas urgentes contra as decisões de Moraes. Também estariam na mesa outras medidas, como acionar o Departamento de Justiça do governo americano para lidar com a questão.
Segundo a TMTG, controladora da rede Truth Social, ela compartilha, ao menos parcialmenet, com a Rumble os servidores, baseados no Estado da Flórida, e seria potencialmente impactada por qualquer disrupção no serviço tecnológico da Rumble, o que justifica a parceria na empreitada judicial contra a autoridade brasileira.
"Dependendo de como forçariam esse shutdown, sem cooperação técnica da plataforma, pode haver consequências imprevisíveis", afirmou Luca. Segundo o advogado, no limite, a retirada do ar no Brasil poderia até mesmo derrubar as duas redes globalmente. Em sua decisão, o ministro Moraes determina que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) realize o bloqueio ao site em território brasileiro.
De acordo com Luca, a Rumble tem sido alvo de múltiplas decisões de Moraes - ele se recusou a precisar quantas - para que tome medidas de exclusão de contas e faça a interrupção de pagamentos a usuários brasileiros radicados nos EUA.
Todas as ordens estão sob sigilo judicial e especificam punição à empresa caso seu teor seja tornado público.
Em decisão sobre a Rumble divulgada nesta quinta-feira (20/2), Moraes cita especificamente a conta do influencer bolsonarista Allan dos Santos, que vive na Flórida e já foi alvo de pedido de extradição do Brasil aos EUA, recusada pelas autoridades americanas.
Santos é acusado de usar múltiplas contas em redes sociais para "propagar os seus discursos criminosos", segundo escreve Moraes. O próprio ministro assinala que as contas de Santos em outras redes, como X, Facebook e Youtube já foram retiradas do ar e afirma que a conta na Rumble seria uma maneira de Santos de burlar decisão judicial anterior.
Como a Rumble não tem representantes legais no Brasil, o ministro notificou a empresa sobre a ordem por meio de um e-mail enviado de seu gabinete para uma funcionária do departamento jurídico da empresa. E determinou que a empresa adotasse representantes legais no país, algo previsto, segundo ele, tanto pelo Código Civil quanto pelo Marco Civil da Internet. Sem tal representante, a empresa seria bloqueada, como aconteceu com o X e como, efetivamente, se confirmou nesta sexta com a Rumble.
Luca afirma que o expediente usado por Moraes é irregular e não tem embasamento legal. A Rumble está sediada na Flórida e segundo Luca não tem nem pretende ter representação legal ou comercial no Brasil.
"Imagina se você recebe uma decisão em coreano, por email, de um juiz da Coreia do Norte dizendo que quer que você exclua todo o conteúdo que não gosta sobre o Kim Jong-un e você sequer tem negócios na Coreia. É basicamente o que está acontecendo, Alexandre de Moraes age como se fosse um juiz da Coréia do Norte, com a ressalva de que o Brasil é uma democracia e um país amigo", diz Luca.
A Rumble afirma em seu site ter 67 milhões de usuários globalmente, mas não especifica o número de usuários do Brasil. A rede ficou conhecida por abrigar muitos usuários de direita brasileiros e americanos.
Apesar do declarado desinteresse em marcar presença no Brasil, o CEO da rede, Chris Pavlovsky, tuitou nesta quinta (20/2), em português, se dirigindo "ao povo brasileiro": "eu posso não ser brasileiro, mas prometo que ninguém lutará mais pelos seus direitos à liberdade de expressão do que eu. Lutarei até o fim, incansavelmente, sem jamais recuar". E também no X prometeu a Moraes descumprir todas as suas ordens: "Nos vemos nos tribunais".
A resposta de Moraes veio na decisão de bloqueio do site nesta sexta. "O abuso no exercício da liberdade de expressão para a prática de condutas ilícitas, como pretende o CEO da RUMBLE INC., CHRIS PAVLOVSKI, sempre permitirá responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, sendo integralmente aplicável o princípio do dano ou princípio da liberdade, para evitar o abuso das redes sociais e sua instrumentalização", escreveu Moraes, que afirma que a empresa usa da falta de representantes no país para se esquivar da legislação brasileira.
A rigor, o cumprimento de uma decisão judicial brasileira por uma empresa estrangeira fora do Brasil teria que se dar por meio de uma carta rogatória - o instrumento oficial para comunicação entre Judiciários de dois países.
Como não foi este o caminho adotado por Moraes, Luca defende que suas ordens são inválidas. Mas esse não seria o único problema. Segundo ele, Moraes está tentando tomar decisões em relação a um usuário baseado nos EUA de uma empresa baseada nos EUA que faz pagamentos bancários também em território americano - algo que estaria fora da jurisdição do ministro Moraes. Por isso, tais ordens deveriam ser submetidas e ratificadas por um juiz dos EUA para serem cumpridas.
"Não encontramos nenhum precedente na história dos EUA de um processo aberto para contestar ordens dadas por um juiz no exterior, ameaçando consequências para contrapartes que estão todas nos Estados Unidos, com consequências catastróficas se as ordens do juiz estrangeiro não são cumpridas, sem obter o consentimento de autoridades americanas", diz Luca.
Segundo ele, porém, as ações de Moraes são semelhantes às que foram tomadas contra outras big techs, como o X, do bilionário trumpista Elon Musk, que chegou a ser retirada do ar por algumas semanas no Brasil no ano passado.
A BBC News Brasil apurou que Musk chegou a contemplar a possibilidade de abrir uma ação nos mesmos moldes do que fazem agora a Rumble e TMTG, mas optou por recuar e constituir representação legal no Brasil. Segundo Luca, o X e outras big techs estavam pressionadas por interesses comerciais que tornavam improdutivo pra elas entrar no embate com Moraes. A Rumble e a TMTG, porém, não teriam qualquer ativo financeiro no Brasil, por isso podem sustentar a briga.
O advogado afirma que a ação, movida há dois dias, é uma tentativa de forçar o Judiciário americano a garantir que as ordens de Moraes não são válidas para as duas empresas.
"Uma decisão de um juiz federal americano vai ter relevância na única jurisdição que é relevante para a Rumble e a Truth Social que são os Estados Unidos", diz Luca.
A ação movida pela empresa de Trump contra Moraes apenas horas depois da apresentação da denúncia pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado foi considerada um fato incomum por veículos internacionais como o jornal americano The New York Times. Bolsonaro e Trump são aliados políticos. Embora se recuse a dizer se conversou diretamente com o presidente Trump a respeito do teor e do timing da ação, Luca sustenta que ninguém deve ver no processo um sinal de interferência política em assuntos domésticos do Brasil.
"Absolutamente não. Absolutamente não. Primeiro, porque obviamente nossa ação não está interferindo com os assuntos domésticos do Brasil. O Brasil é um país muito próximo aos Estados Unidos, muito amigo e muito respeitado pelo governo dos Estados Unidos. O que é uma falta de respeito aqui é evitar todos os mecanismos judiciais super bem estabelecidos para encaminhar mandados a empresas americanas e simplesmente mandar emails. O que a gente está fazendo é defender nossa soberania digital e confrontar mandados que estão chovendo em nossos inboxes", diz Luca, que afirmou trabalhar na inicial da ação desde a semana anterior à denúncia contra Bolsonaro.
Curiosamente, ao mover uma ação contra o ministro Moraes, a Rumble e a TMTG se veem diante do mesmo problema que levou Moraes a enviar emails a Rumble, ou seja, como citar uma parte em território estrangeiro. Diante da questão, Luca afirma que:
"Tem processos estabelecidos para citar o ministro. Agora, se vamos nos comportar da mesma forma que o ministro se comportou com a Rumble, então a gente pode fazer um reply all (responder a todos), e simplesmente responder o e -mail com a citação (enviada por Alexandre de Moraes)". Instado a dizer se fez isso, ele se recusou a dar detalhes.
A BBC News Brasil consultou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, que afirmou que o ministro Moraes não se manifestaria a respeito do caso.
Mas a reportagem apurou que a Advocacia Geral da União (AGU) já se movimenta para defender o ministro no caso. O mais provável é que um escritório americano seja contratado pela AGU para tocar a defesa. O entendimento da pasta, sob comando de Jorge Messias, é que a AGU deve defender legalmente servidores federais que sejam processados no exercício de suas funções, o que seria o caso do ministro Moraes. A iniciativa, no entanto, já tem sido explorada pela oposição como evidência de que o ministro está politicamente motivado e atrelado ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente brasileiro tem se movido com cuidado depois de já ter trocado farpas públicas com Trump antes da eleição do republicano em novembro passado.
Segundo Luca, no entanto, a ele não interessa esse tipo de disputa. O advogado já foi procurador do Departamento de Justiça dos EUA (entre 2010 e 2016) e chegou a atuar em alguns casos da Operação Lava-Jato. Na advocacia privada, atuou em casos multimilionários para clientes brasileiros, russos e americanos. Mesmo sem família lusófona, Luca fala bom português, conhece as cortes brasileiras e foi contratado especificamente para tratar do caso Moraes.
"Nossa ação não é um ataque contra o governo Lula, não é um ataque contra os outros ministros do STF, porque nenhum deles atacou os EUA. Não é nem para defender o Bolsonaro, nem para atacar Lula, um chefe de Estado democraticamente eleito e respeitado. Até porque nem Lula controla o Alexandre de Moraes", diz Luca.
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.