22 de Fevereiro de 2025

Lésbica, PhD, pró-deportação de 'não assimilados': quem é a cara da direita radical em ascensão na Alemanha


Analistas acreditam que a eleição geral na Alemanha neste domingo (23/2) pode consolidar o partido da direita radical Alternativa para Alemanha (Alternative für Deutschland, ou AfD, na sigla em alemão) como a segunda força na política do país — conquistando uma votação histórica para o Parlamento alemão.

Ao longo da última década, a AfD tem sido um dos partidos que mais cresceu junto ao eleitorado alemão. Pesquisas sugerem que a AfD pode conquistar 20% dos votos, dobrar seu número de assentos no Parlamento.

O partido é liderado por Alice Weidel, que se tornou popular entre os eleitores jovens no TikTok, principalmente homens. Analistas dizem que apesar de ela ter poucas chances de se tornar chanceler nesta eleição, a legenda trabalha com essa meta para os próximos quatro anos na Alemanha.

A AfD propõe medidas como a saída da União Europeia, a volta do marco alemão no lugar do euro como moeda nacional, o reestabelecimento de relações com a Rússia, a desativação de usinas eólicas e uma política de "remigração" — com deportação de cidadãos alemães baseado nas suas etnias.

Ao longo de seus 12 anos de existência, a AfD é foco de tensões no país, tendo provocado manifestações com multidões (a favor e contra a sigla).

No ano passado, após um escândalo, houve um debate nacional sobre se a AfD deveria ser banida da política. Em dois Estados alemães, a sigla é considerada "extremista", e é monitorada por serviços de inteligência alemã. O partido é considerado extremo demais até mesmo por outras siglas da direita radical na Europa, que o excluíram de um grupo pan europeu.

Críticos também apontam para ligações da AfD com ideologias nazistas. Nos seus comícios, a líder é recebida com cartazes que dizem "Alice für Deutschland" — que é muito semelhante ao slogan da Alemanha nazista "Alles für Deutschland" ("Todos Pela Alemanha").

Os alemães vão às urnas neste domingo (23/02) escolher quem deve comandar o país após uma crise política no final do ano passado ter culminado em um voto de não-confiança no chanceler Olaf Scholz, do partido social-democrata SPD, de centro-esquerda.

O SPD de Scholz aparece em terceiro lugar, com cerca de 16% das intenções de voto, atrás dos 20% da AfD e dos cerca de 30% dos líderes, a coalização conservadora formada pela União Democrata-Cristã (CDU) e seu partido irmão da Baviera, a União Social Cristã (CSU).

Se as pesquisas se confirmarem, é o líder da CDU Friedrich Merz que deve ser o novo chanceler alemão após um acordo para a formação de governo.

A maior economia da Europa enfrenta diversos desafios, como o declínio econômico, atentados recentes, alta no preço de energia, perda de competitividade para China e EUA e o número crescente de imigrantes que chega ao país.

O improvável rosto da AfD hoje é Alice Weidel, uma ex-analista de investimentos de 46 anos, que trabalhou nos bancos de investimentos Credit Suisse e Goldman Sachs.

Ela cresceu em uma família católica de classe média na Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país. Seu pai era vendedor e sua mãe era dona de casa. Seu avô era membro do partido nazista e foi indicado juiz militar na Polônia ocupada.

Weidel trabalhou na China, onde fez doutorado em economia estudando o sistema de aposentadoria do país, e fala mandarim. Já disse que é admiradora da ex-premiê britânica conservadora Margareth Thatcher.

Apesar de a AfD ter uma plataforma anti-imigração e conservadora dominada por homens — que defende o conceito de família como um pai e uma mãe — a líder do partido é lésbica e está criando dois filhos com a produtora de filmes Sarah Bossard, sua esposa nascida no Sri Lanka mas de cidadania suíça. Weidel, a mulher e os filhos passam a maior parte de seu tempo na Suíça — segundo a líder política por causa de ameaças que recebe na Alemanha.

Críticos questionam como ela consegue conciliar posições tão antagônicas: de um lado, um casamento lésbico com uma mulher de origem asiática; do outro a visão conservadora de famílias e a proposta de expulsar alemães de etnias diferentes do país. Mas Weidel não costuma falar sobre sua vida pessoal.

Analistas políticos dizem que Weidel é responsável pela recente radicalização da AfD.

Na campanha eleitoral, a AfD propôs fechar as fronteiras da Alemanha, retomar a compra de gás natural da Rússia e, em última instância, desmantelar a UE.

O manifesto acordado pelo partido inclui planos para abandonar o acordo climático de Paris e renunciar o euro como moeda.

Weidel passou a adotar publicamente o termo "remigração" — do qual aparentemente vinha tentando se distanciar no ano passado.

Trata-se de uma proposta para deportar estrangeiros e cidadãos "não assimilados". Ou seja: expulsar da Alemanha cidadãos nascidos no país com etnias não-alemãs.

A remigração foi foco de um grande escândalo envolvendo a AfD no ano passado (veja abaixo nesta reportagem), mas em um encontro da sigla em janeiro, Weidel falou sobre "repatriações em larga escala".

"E tenho que ser honesta com você: se isso vai ser chamado de remigração, então é isso que vai ser: remigração", disse ela.

Ao longo da campanha, Weidel também prometeu que, caso fosse eleita chanceler, daria um cargo em seu governo a Björn Höcke, um dos políticos mais radicais da AfD.

No ano passado, ele foi multado duas vezes por usar o slogan nazista "Alles für Deutschland" em discursos. Ele disse que usava a frase de forma corriqueira e negou estar ciente de suas origens, apesar de ter sido professor de história.

Ao longo da campanha eleitoral, Weidel e a AfD ganharam aliados de peso do novo governo dos EUA de Donald Trump.

Poucos dias antes da eleição, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, encontrou-se com ela logo após a Conferência de Segurança de Munique — quando Vance fez um discurso que indignou os líderes europeus, ao criticar a forma como a Europa está lidando com a crise de imigrantes.

Muitos pontos do discurso de Vance coincidem com as posições da AfD.

Esse apoio de integrantes governo americano tem ajudado a AfD a atingir mais pessoas — já que o partido é marginalizado dentro da política alemã.

Na Alemanha, e em outros países europeus, como na França, partidos mais tradicionais tentam estabelecer um "cordão sanitário" — eles se recusam a fazer alianças com partidos da direita radical.

Recentemente, Weidel e a AfD ganharam um apoio estratégico: o do bilionário Elon Musk, homem mais rico do mundo e diretor do departamento de eficiência governamental do novo governo Trump.

Em dezembro, Elon Musk apareceu em um telão em um comício da AfD na cidade de Halle e pediu que os alemães votem no partido.

E em janeiro, Weidel, que não é convidada para a maioria dos debates na Alemanha, ganhou uma plataforma grande internacional ao participar de uma live no X com Musk que durou 74 minutos, na qual ambos conversaram sobre temas diversos, como política energética, burocracia alemã, Adolf Hitler, Marte e o significado da vida.

Weidel aproveitou a conversa para ressaltar semelhanças entre seu partido e o trumpismo nos EUA: movimentos "conservadores", "libertários" e retratados de forma negativa como "extremistas" pela "mídia tradicional".

Na conversa com Musk, ela buscou distanciar seu partido de Adolf Hitler, que ela classifica como "de esquerda". Weidel disse que Hitler tinha sido um "comunista", apesar do notável anticomunismo do líder nazista, que invadiu a União Soviética.

"Ele não era conservador", ela disse. "Ele não era um libertário. Ele era esse cara comunista, socialista." Ela também descreveu Hitler como um "socialista antissemita".

Apesar do perfil atual da AdF, o partido nem sempre foi vinculado à direita radical. E suas origens, a sigla defendia políticas mais moderadas.

A AfD surgiu no cenário alemão em um contexto bastante diferente dos dias de hoje. Foi em 2013, quando a Europa enfrentava uma grave crise financeira.

Países do Sul da Europa — como Grécia, Portugal e Espanha — estavam atravessando problemas de solvência da sua dívida pública, afetando a estabilidade econômica de toda a União Europeia.

A Alemanha liderou a UE em pressões para que os governos em crise adotassem medidas de austeridade fiscal que restabelecem o equilíbrio econômico do continente em troca de pacotes de ajuda financeira — mas com alto custo social para os países do Sul da Europa, que precisaram reduzir drasticamente seus gastos governamentais.

Em lugares como a Grécia, houve grande reação popular contra a Alemanha, vista como responsável por aprofundar a crise econômica do país.

Na Alemanha, também houve reações contrárias. Muitos alemães acreditavam que seu país estava sendo prejudicado pelas demais economias da União Europeia, que precisava bancar pacotes de ajuda para garantir a estabilidade econômica do continente.

A AfD foi fundada em abril em 2013 como um partido eurocético — que criticava a abordagem alemã, mas não defendia a saída alemã da União Europeia.

No seu princípio, o partido não era considerado uma sigla de direita radical, mas ao longo dos anos isso foi mudando, na medida em que muitos de seus líderes adotaram retóricas contra imigrantes e muçulmanos.

O primeiro grande sucesso político da AfD veio em 2015, quando o partido conseguiu estabelecer uma comissão no Parlamento para investigar se a decisão de Angela Merkel de deixar entrar cerca de 1,3 milhão de migrantes e refugiados sem documentos, principalmente do Oriente Médio, violava as leis alemãs.

A partir desse momento, a imigração virou a plataforma principal da AfD. Houve contatos com o movimento anti-imigração Pegida, que organizou marchas semanais contra o que chamou de "a islamização do Ocidente".

Tanto o Pegida quando a AfD ganharam muito apoio no leste ex-comunista da Alemanha, sobretudo entre jovens homens.

A AfD sempre foi marcada por disputas internas, com grandes discordâncias entre alas moderadas e radicais.

Em seus 12 anos de história, a AfD teve quatro líderes — e três deles abandonaram o partido reclamando que a sigla havia se afastado dos seus ideias e se radicalizado.

A primeira vez foi em 2015, quando seu primeiro líder, o economista Bernd Lucke, deixou o partido, alegando que a sigla estava se tornando cada vez mais xenófoba.

Bernd Lucke, fundador e primeiro líder da sigla, disse em 2015 que a AfD havia se tornado um partido "islamofóbico e xenofóbico", com tendências antiocidentais e pró-Rússia.

Ao longo de sua ascensão na última década, a AfD também vem sofrendo com uma série de percalços e escândalos.

Em maio do ano passado, a AfD foi oficialmente classificada como "suspeito de extremismo" em uma decisão de um tribunal alemão. Isso significa que os serviços de inteligência podem monitorar as atividades e comunicações da AfD.

O tribunal da cidade Münster disse que uma parcela significativa da AfD quer criar uma sociedade de dois níveis — onde pessoas julgadas como "etnicamente alemãs" teriam mais direitos do que pessoas cujas famílias originalmente vieram do exterior. Isso, de acordo com a Constituição alemã, seria discriminação ilegal.

No processo, a AfD negou que seja antidemocrática. Líderes do partido rejeitaram a decisão, acusando os juízes de não fornecerem provas suficientes para sua decisão. A AfD foi designada como extremista de direita radical também nos Estados da Turíngia e Saxônia.

Outro grande percalço foi a expulsão da AfD do grupo Identidade e Democracia, que reúne outras siglas da direita radical do continente no Parlamento Europeu, também em maio do ano passado.

Diversos outros partidos da direita radical na Europa — como o francês Frente Nacional, de Marine Le Pen, — já vinham manifestando descontentamento com posições da AfD que são consideradas extremas demais.

O estopim para a expulsão da AfD do grupo europeu aconteceu depois que Maximilian Krah, o principal candidato da AfD para a eleição do Parlamento europeu de junho de 2024, disse a um jornal italiano que os membros da SS nazista — o grupo paramilitar de Adolf Hitler — não eram necessariamente criminosos. Além disso, auxiliares de Krah foram presos na Alemanha, suspeitos de fazer espionagem para a China.

Em outra frente, a AfD também foi abalada por uma investigação que revelou que políticos da sigla participaram de uma reunião clandestina de extremistas de direita em novembro de 2023 na qual se discutiu a "remigração" — a expulsão de cidadãos alemães baseado em suas etnias.

Na reunião em um hotel perto de Berlim, estavam presentes empresários e diversas figuras com ligações a movimentos neonazistas, como Martin Sellner, um ativista austríaco de direita radical.

Na Alemanha, esse escândalo abriu um debate nacional sobre se a AfD deveria ser banida ou não da política alemã e desencadeou uma série de protestos com grandes multidões contra a AfD em diversas cidades alemãs.

Após esses escândalos, Marine Le Pen disse que não queria mais se sentar com o partido no Parlamento Europeu.

"A AfD está passando de uma provocação para outra", disse Le Pen. O partido, segundo ela, é "claramente controlado por grupos radicais".

Na época, a líder Weidel buscou se distanciar dos políticos da AfD que participaram da reunião. Mas, em pronunciamentos recentes, ela parece estar agora abraçando a ideia de remigração.

Mesmo com os escândalos, a AfD foi o segundo partido mais votado na Alemanha nas eleições do parlamento europeu no ano passado, conquistando 15 das 96 vagas alemãs.

O que está pouco claro dentro do panorama da política alemã é: como os demais partidos vão tratar a AfD agora que a sigla está prestes a se consolidar como segunda força do país?

No mês passado, a CDU — partido que venceu as eleições alemãs de 2024 — quebrou um tabu ao receber apoio da AfD no Parlamento europeu para aprovar medidas mais duras contra a imigração.

O líder Friedrich Merz, que deve ser o novo chanceler alemão, foi amplamente criticado por romper o "cordão sanitário" formado contra a AfD.

Ele foi acusado pela ex-chanceler Angela Merkel, também do CDU, de quebrar uma promessa de trabalhar apenas com o Partido Social Democrata e os Verdes para aprovar a legislação, e nunca com a AfD.

Merz se defendeu dizendo que uma política não está errada só porque "as pessoas erradas a apoiam" e que ele nunca buscou o apoio da AfD.

Fonte: correiobraziliense

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