"Você não irá encontrar, nos próximos 50 anos, um líder israelense que proponha o que vou propor agora."
"Assine! Assine e vamos mudar a história!"
O ano era 2008. O então primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, implorava ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que assinasse uma proposta de acordo. Olmert acreditava que aquele acordo poderia trazer a paz para o Oriente Médio.
Era uma solução de dois Estados – uma proposta que parece impossível hoje em dia.
Se fosse implementado, o acordo criaria um Estado palestino em mais de 94% da Cisjordânia ocupada.
O mapa traçado por Olmert, agora, é quase mitológico. Surgiram diversas interpretações ao longo dos anos, mas ele nunca o revelou para a imprensa.
Até agora.
Israel and the Palestinians: The Road to 7th October ("Israel e os palestinos: o caminho para o 7 de outubro", em tradução livre) é a nova série documental da cineasta americana Norma Percy, que estreou na BBC na segunda-feira (24/2).
Nela, Olmert revela o mapa que ele afirma ter mostrado a Mahmoud Abbas em uma reunião em Jerusalém, no dia 16 de setembro de 2008.
"Esta é a primeira vez que mostro este mapa para a imprensa", conta ele aos cineastas.
Olmert mostra, em detalhes, o território proposto para anexação a Israel – 4,9% da Cisjordânia. A área teria incluído os principais blocos de assentamentos judeus, da mesma forma que as propostas anteriores, no final dos anos 1990.
Em troca, o primeiro-ministro afirma que Israel entregaria um pedaço de território israelense de igual tamanho, além do restante da Cisjordânia e da Faixa da Gaza. Os dois territórios palestinos seriam conectados por um túnel ou autoestrada – outro ponto que já havia sido discutido anteriormente.
No filme, Olmert relembra a reação do líder palestino. "Ele disse: 'Primeiro-ministro, isso é muito sério. É muito, muito, muito sério."
Além disso, o plano de Olmert também incluía uma proposta de solução para a espinhosa questão de Jerusalém.
Cada um dos lados poderia reivindicar partes da cidade como sua capital. Já a administração da "bacia sagrada" (que inclui a Cidade Velha, com seus locais religiosos e áreas próximas) seria entregue a um comitê de guardiões, composto por Israel, Palestina, Arábia Saudita, Jordânia e os Estados Unidos.
As consequências do mapa teriam sido colossais para os assentamentos judeus. Se o plano tivesse sido colocado em prática, dezenas de comunidades, espalhadas por toda a Cisjordânia e pelo vale do rio Jordão, teriam sido evacuadas.
Quando o primeiro-ministro israelense anterior, Ariel Sharon (1928-2014), removeu à força milhares de colonos judeus da Faixa de Gaza, em 2005, a direita de Israel considerou a medida um trauma nacional.
A evacuação da maior parte da Cisjordânia teria representado um desafio infinitamente maior. Ela teria envolvido dezenas de milhares de colonos, com grandes riscos de violência na região.
Mas o processo nunca chegou às vias de fato.
No final da reunião, Olmert se recusou a entregar uma cópia do mapa para Mahmoud Abbas, a menos que o líder palestino assinasse o acordo. Mas Abbas não assinou.
Ele respondeu que precisava mostrar o mapa para seus especialistas, para ter certeza de que eles entenderiam exatamente qual era a oferta apresentada.
Olmert declarou que os dois concordaram em realizar um encontro entre os cartógrafos no dia seguinte. "Nós fomos embora, sabe, como se estivéssemos a ponto de dar um passo histórico adiante", ele conta. Mas a reunião programada nunca aconteceu.
O chefe de gabinete de Abbas, Rafiq Husseini, relembra a atmosfera no carro quando eles saíram de Jerusalém naquela noite.
"É claro que nós rimos", diz ele no documentário.
Os palestinos acreditavam que o plano era impraticável. Afinal, Olmert estava envolvido em um escândalo de corrupção, sem relação com o acordo proposto. Ele já havia anunciado seus planos de renunciar ao cargo.
"Infelizmente, Olmert, por melhor que fosse... era um 'pato manco' [um governante que estava prestes a deixar o poder]", relembra Husseini. "Por isso, não iríamos a lugar nenhum com aquilo."
A situação na Faixa de Gaza era outro fator complicador. No final de dezembro de 2008, após meses de ataques com mísseis disparados do território controlado pelo Hamas, Olmert ordenou um forte ataque israelense – a chamada Operação Chumbo Fundido. Foram três semanas de intensos combates.
Mas Olmert acredita que Abbas teria sido "muito inteligente" se assinasse o acordo. Para ele, se um primeiro-ministro israelense posterior tentasse anulá-lo, "ele poderia dizer ao mundo que o fracasso foi culpa de Israel".
As eleições israelenses ocorreram em fevereiro de 2009. Benjamin Netanyahu, do partido Likud, era declaradamente contrário ao Estado palestino e se tornou primeiro-ministro. O plano e o mapa de Olmert saíram de cena.
O ex-primeiro-ministro declarou que aguarda até hoje a resposta de Abbas. Mas, desde então, seu plano se juntou a uma longa lista de oportunidades perdidas para pôr fim ao conflito entre israelenses e palestinos.
Em 1993, o ex-diplomata israelense Abba Eban (1915-2002) brincou que os palestinos "nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade". E, desde então, as autoridades israelenses vêm repetindo frequentemente esta frase.
Mas o mundo é mais complicado do que isso, especialmente depois que os dois lados assinaram os históricos Acordos de Oslo, em 1993.
O processo de paz selado por um aperto de mãos nos jardins da Casa Branca, entre o ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (1922-1995) e o então líder palestino Yasser Arafat (1929-2004), trouxe momentos de verdadeira esperança, mas que foram marcados pela tragédia. E, por fim, o acordo acabou sendo um fracasso.
Os motivos são complexos e existem muitos culpados. Mas a verdade é que o alinhamento dos astros nunca foi perfeito nesta questão.
Presenciei pessoalmente esta falta de alinhamento, 24 anos atrás.
Em janeiro de 2001, no resort egípcio de Taba, negociadores israelenses e palestinos novamente tiveram o vislumbre de um acordo.
Um membro da delegação palestina traçou um mapa aproximado em um guardanapo. Ele me disse que, pela primeira vez, estavam sendo examinadas as fronteiras gerais de um Estado palestino viável.
Mas as negociações foram inúteis. Elas foram abafadas pela violência que irrompia nas ruas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, onde o segundo levante palestino – ou "intifada" – havia explodido em setembro do ano anterior.
Novamente, Israel estava em meio a uma transição política. O então primeiro-ministro Ehud Barak já havia renunciado e Ariel Sharon (1928-2014) venceu as eleições com folga, algumas semanas depois.
O mapa no guardanapo – como o de Olmert, quase oito anos depois – mostrava o que poderia ter acontecido naquela ocasião.
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.