Na noite do dia 7 de outubro de 2018, quando as urnas apontaram que o então deputado federal Jair Bolsonaro, à época no PSL, disputaria o segundo turno da eleição presidencial contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), o desempenho de um postulante ao Palácio do Planalto chamou a atenção. Candidato do PSDB, apoiado pelo núcleo duro do Centrão (que nos últimos quatro anos deram sustentação a Bolsonaro) e político que por mais tempo governou o Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin sofreu um baque: com 4,76% dos votos válidos, o ainda tucano se viu na quarta colocação, com uma diferença de 2,4 milhões de votos para o empresário João Amoêdo, do recém-fundado partido Novo. Ao longo dos últimos quatro anos, Alckmin deixou a presidência do PSDB, partido que ajudou a fundar, encarou o ostracismo por um breve momento, quando se tornou comentarista de bem-estar e saúde do programa de Ronnie Von, na TV Gazeta, deixou o ninho tucano depois de 33 anos, migrou para o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e, em uma composição outrora vista como impossível, aceitou o convite de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ser o vice de sua chapa nas eleições de 2022. No dia 30 de outubro, o médico e professor de 69 anos, natural de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, se tornou protagonista de um roteiro que fatalmente entrará para a história política do Brasil. Depois da corrida eleitoral mais importante e polarizada do país, Alckmin será oficialmente empossado neste domingo, 1º, e chega ao segundo posto mais importante do Estado: a vice-Presidência da República.
A vinda de Alckmin para a chapa de Lula foi o pontapé inicial de um movimento que só ganhou sua forma definitiva na reta final da campanha, quando o petista conseguiu juntar, ao seu lado, nomes como Henrique Meirelles, Neca Setúbal, Marina Silva, Simone Tebet, Fernando Henrique Cardoso, Pérsio Arida, Joaquim Barbosa, Miguel Reale Júnior e companhia. Para superar a força de Bolsonaro, que conquistou 58 milhões de votos no segundo turno da eleição presidencial, o agora presidente empossado precisou se mover para o centro, agregar ao seu plano de governo sugestões feitas por adversários e estreitar relações com setores que, historicamente, mantinham distância do PT. O ex-governador de São Paulo teve papel fundamental nesta missão. Ao longo de sua carreira política, Alckmin cativou um eleitor católico e conservador, mostrou força no interior de São Paulo e manteve boa interlocução com o agronegócio, por exemplo. O ex-tucano também conseguiu superar a resistência que petistas históricos, como Rui Falcão (ex-presidente do PT) e Luiz Marinho (presidente do PT em SP), tinham a seu nome, fruto da ferrenha oposição do Partido dos Trabalhadores às gestões do PSDB no maior Estado do país. Meses depois da primeira conversa sobre a formação da chapa, pessoas próximas a Lula ouvidas pelo site da Jovem Pan garantem que a dupla demonstra um entrosamento surpreendente. Em julho, quando a chapa foi oficializada, o PT divulgou um vídeo de uma receita de lula com chuchu, uma “mistura que tem sabor de esperança”. Na eleição de 2002, Alckmin ganhou o apelido de “picolé de chuchu”, cunhado pelo jornalista José Simão, para quem a sobremesa refletia o estilo “insosso” do então tucano.
Ao longo da campanha, Alckmin mostrou polivalência e soube se adaptar aos diversos cenários. Em alguns momentos, colou em Lula, a fim de demonstrar sintonia da chapa. Por diversas vezes, porém, cumpriu agenda própria, dialogando com segmentos que poderiam ampliar o número de votos dados à chapa. O PT delegou a Alckmin a tarefa de buscar uma aproximação com o agronegócio, setor em que Bolsonaro mantinha apoio massivo. Para esta missão, o político do PSB contou com o auxílio dos senadores Carlos Fávaro (PSD-MT), Kátia Abreu (PP-TO), ministra da Agricultura no governo Dilma, e, na reta final, Simone Tebet (MDB-MS). Em São Paulo, Geraldo também atuou para melhorar o desempenho de Lula e Haddad no interior do Estado, onde o bolsonarismo construiu uma fortaleza ao longo da gestão Bolsonaro. Nos dias que antecederam o segundo turno, Alckmin também viajou para Minas Gerais, Estado considerado fundamental para a vitória de Lula, para fazer campanha. Passada a eleição, assumiu papel central na coordenação da transição de governo e atuou para, em tese, acalmar os ânimos do mercado financeiro sobre os rumos da política fiscal da nova gestão. Na reta final da transição, foi oficializado como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, em um movimento interpretado como uma forma de “vigiar” Aloizio Mercadante, escolhido para a presidência do BNDES, que fica sob o guarda-chuva da pasta.
Sempre que é questionado sobre os motivos que o fizeram se aliar a Lula, o novo vice-presidente da República diz que convicções pessoais precisavam ser deixadas de lado por um bem maior. Na eleição presidencial de 2006, o petista e o então tucano protagonizaram um confronto histórico. Em 2022, “doutor Geraldo”, como é chamado por sua equipe, é visto como um fiel escudeiro do petista, que chega ao Palácio do Planalto pela terceira vez.
Recém-filiado ao PSB, Alckmin deixou o PSDB em dezembro de 2021, depois de 33 anos no ninho tucano. Os desentendimentos que causaram a sua saída do tucanato começaram ainda em 2018. À época, o prefeito da capital paulista, João Doria, tentou se lançar à Presidência da República, à revelia do próprio Alckmin, seu padrinho político. Em outubro daquele ano, já derrotado no pleito presidencial, o ex-governador subiu o tom contra Doria, em um episódio atípico para o seu perfil contido e discreto. Em uma reunião da direção nacional do partido, João Doria pediu uma autocrítica da legenda, em razão do desempenho nas urnas dias antes. Neste momento, Alckmin interrompeu o ex-aliado e disparou: “Traidor eu não sou”. No final daquele mês, Doria derrotou Márcio França (PSB), vice-governador de Geraldo, e chegou ao Palácio dos Bandeirantes surfando na onda bolsonarista com o slogan “BolsoDoria”. Quatro anos depois, o ex-prefeito foi fritado por tucanos ligados a Aécio Neves, foi obrigado a retirar sua candidatura à Presidência, aprovada no processo de prévias, e deixou o tucanato. Por obra do destino, João Doria assiste, agora, Alckmin voltar ao topo da política brasileira derrotando Jair Bolsonaro.
Fonte: jovempan
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