A situação na Argentina, que já não era das melhores, piorou nas últimas semanas. A consagração de uma crise foi a renúncia de Martin Guzmán, Ministro da Economia. Essa decisão escancarou a disputa política entre o presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Krichner. Com a crise interna, a inflação ultrapassa os 60%, a moeda está em desvalorização recorde e há uma forte remarcação de preços no comércio. Nos últimos dias, os argentinos fizeram compras por medo das mudanças nos valores dos produtos. “Os preços já haviam aumentado 15% há algumas semanas, agora sobem 20% e os importados, até 30%”, disse um comerciante local em entrevista à agência de notícias AFP.
Os problemas na Argentina não são de hoje, principalmente no que diz respeito à desvalorização da moeda local, um fenômeno com o qual os “hermanos” convivem há décadas. Em março, o país registrou a maior inflação mensal em 20 anos, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec). Um número alto como esse não acontecia desde 2002. Para os especialistas, o que explica o aprofundamento da crise está associado às diferenças políticas entre o presidente Alberto Fernández e Cristina Kirchner.
“Nessas últimas semanas, o que agravou a crise é a briga entre a Cristina e o Alberto”, explica o analista de inteligência da FGV Leonardo Paz. Segundo ele, “a vice tem tentado se descolar do presidente, colocando a estratégia econômica proposta por ele como equivocada e problemática”. Paz diz que essa jogada de Cristina é pensando nas eleições que acontecem em 2023. “Ela olha para um cenário em que fique forte e o Fernández enfraquecido”. Para o coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie Márcio Coimbra, a troca de ministro “mostra que o caminho que a Argentina vai começar a seguir é em direção às teses de Cristina”. Ele acrescenta dizendo que isso fará com que haja uma inflação maior e gere insegurança. “Vai ter um problema sério na economia de falta de recurso e aumento da inflação”, diz.
Entretanto, apesar de ser aliada de Cristina, Silvina Batakis, que assumiu o Ministério da Economia, informou nesta semana que pretende seguir os passos que o antigo dono do cargo tinha traçado. “Estamos convencidos de que o rumo da Argentina tem a ver com a gestão fiscal de nossas contas, com seguir o programa econômico que o presidente veio marcando” e “conseguir que a Argentina tenha mais exportações e revalorizar da nossa moeda”, declarou Batakis em seu primeiro encontro com jornalistas, durante o qual não admitiu perguntas. Nesta semana, como uma das suas primeiras medidas, ela ressaltou que vai cumprir, sem alterações, o acordo do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para Coimbra, um dos maiores problemas dos argentinos, é o fato de que eles possuem “uma economia desarrumada”. Paz acrescenta que a indefinição também interfere, porque você tem uma briga interna que não caminha “nem para um lado nem para o outro” o que faz com que fique complicado “ter uma ação resoluta para resolver a crise”.
Quando você tem uma mudança brusca de política econômica em pouco tempo e concentra maior parte do poder nas mãos do governo, isso geral uma crise de confiança, que, consequentemente, interfere na parte financeira do país, ainda mais em um cenário pós-pandemia. Para Paz, quando a desconfiança fala mais alto, “fragiliza a capacidade do governo de implantar soluções”. Apesar de pontuar que ainda é cedo para chegar a uma conclusão concreta sobre como vai ficar o país diante da crise e da troca de ministro, Coimba diz que há chance dos argentinos entrarem em uma estagflação, porque a “perda de confiança gera a desaceleração de investimentos que leva à desaceleração da economia”. Esse fator somado ao aumento da inflação no mundo inteiro deixa o país vulnerável.
Para o país, uma forma da Argentina conseguir se estabilizar é apostando no “cenário clássico”. “O acordo com o FMI, segurar gastos e exportar mais”, pontua Paz. Já Coimbra aposta em uma mudança mais radical. “O mais recomendado é trocar o governo e ter um eleito com proposta mais alinhada com as reformas de Maurício Macri”, diz, acrescentando a necessidade de ter “reformas mais liberalizantes”, o que coloca a economia da Argentina nas mãos da sociedade, e não dos políticos”. Ele enfatiza que só dessa forma vai ser possível ter uma mudança de fato, pois com esse governo “é impossível”.