Apesar de o presidente da França, Emmanuel Macron, ainda ter mais quatro anos no cargo, um cenário vai sendo traçado no país: a tomada do poder pela extrema-direita. Em abril de 2022, as eleições presidenciais mostraram o crescimento dos conservadores. Marine Le Pen, que disputava a eleição com o líder francês, obteve 41,45% dos votos, um número considerado recorde no país. Em relação às eleições de 2017, foram quase oito pontos percentuais a mais. Recentemente, duas ondas de manifestações deram mais força para a extrema-direita no país: a revolta francesa contra a reforma da previdência e a morte de um adolescente de 17 anos pela polícia. Ambos os cenários se tornam armas para a oposição, que vai utilizar os eventos em 2027 para ganhar apoiadores. Os episódios enfraquecem Macron, que não poderá mais concorrer à presidência e precisará indicar um aliado ao cargo.
“Macron é o único grande político de centro na Europa. A gente tem governos à esquerda e à direita, mas grandes líderes de centro, só temos o Macron, e esse é um momento difícil para qualquer candidato de centro”, analisa Igor Lucena, o economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, sobre a polarização que tem sido vista no mundo inteiro. No ano passado, Georgia Meloni, uma representante de extrema-direita, tornou-se primeira-ministra na Itália. Neste ano, na Espanha, o premiê Pedro Sánchez adiantou, de dezembro para julho, as eleições legislativas como tentativa de conter o crescimento da oposição. “Os lados da esquerda e direita continuam aflorando, não aos extremos, mas as políticas claras. Macron tenta evoluir as políticas sociais, mas, ao mesmo tempo, fazer um acocho de gastos necessário para a manutenção social da França no longo prazo”, diz, se referindo a políticas adotadas pelo líder francês, como a reforma da previdência em abril. Lucena também atribui os desgastes de Macron ao tempo em que ele está no poder – na França, os presidentes ficam cinco anos no poder e podem ser reeleitos.
Para Vinicius Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), o fato de a França ter ficado estável em algumas situações, como na questão da imigração, abriu portas para essa ascensão da extrema-direita, que, segundo ele, tem chance de conquistar o poder em 2027. “O lado negativo dos protestos, que são os saques, a violência, será muito bem explorado por Marine Le Pen contra o sucessor, quem quer que seja o candidato de Emmanuel Macron.”
O professor relembra que, quando Macron foi eleito, ele tinha uma promessa de dinamizar a economia francesa sem mexer em determinados privilégios, como, por exemplo, aposentadorias. Na França, as pessoas se aposentam muito cedo em relação à média na Europa. Para ele, o presidente francês fez com que o projeto fosse ‘empurrado goela abaixo’ e gerasse animosidade, protestos e perda de suporte. “O sistema político francês pode cobrar um preço caro por essas atitudes do Macron, que estão travestidas de ilegitimidade aos olhos do eleitor francês. Um presidente mais liberal, ou ainda que faça reformas pontuais como o Macron parece querer fazer, vai ter problemas. Só que ele só agrava esses problemas se tenta empurrar as reformas goela abaixo.” Para o professor, a exemplo de seus antecessores, Macron também tem ignorado a questão de integração de imigrantes na sociedade francesa.
“Ele acabou se rendendo às falhas dos antecessores que tanto criticou. Macron implodiu na prática o sistema partidário francês, que antes era dominado pelos republicanos, gaullistas à direita e os socialistas de centro e esquerda. Só que, sem uma alternativa de centro, ou da direita, da esquerda tradicional, o que vai sobrar para o eleitor francês médio? A extrema-direita de Marine Le Pen em 2027”, projeta Vieira. Ele acredita que isso seria desastroso para a Europa, porque as posturas da Le Pen são claramente anti-União Europeia.
Já David Morales, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, não associa a possível tomada de poder pela extrema-direita apenas a Macron. Para ele, se trata de uma mudança na própria sociedade francesa. “Vejo que a circunstância atual é como se fosse um caldo de cultivo ali em que se juntaram todos os ingredientes e se formou esse desafio para a governabilidade da França.”
Fonte: jovempan
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