Desde o dia 18 de agosto, brasileiros que querem viajar para o México precisam emitir o visto físico para conseguir ingressar no país. A medida, que pegou todo mundo de surpresa, quebra um acordo de 20 anos que não exigia a apresentação de visto para o trânsito de viajantes entre os dois países e anula a decisão de dezembro de 2021, que solicitava apenas o formulário eletrônico. A mudança está tirando o sono de muitas pessoas que estão com a viagem marcada há tempos, algumas até agendadas antes da pandemia de Covid-19. Segundo o governo mexicano, “a medida não proíbe a entrada de brasileiros como visitantes sem permissão para realizar atividades não remuneradas, mas agora eles terão que buscar o visto no consulado mexicano, como fazem atualmente os brasileiros que pretendem entrar por terra ou mar”. No entanto, conseguir o documento de permissão é a maior dificuldade no momento, já que, além de instabilidade no site, as pessoas também enfrentam falta de suporte e não conseguem encontrar datas para realizar o agendamento.
O desespero de Patrícia de Assis é nítido quando conversamos por ligação. A mulher, que atualmente mora no Canadá, está com o casamento da filha todo pago em Rivera Maya, no México, e enfrenta a incerteza de saber se vai conseguir levar os convidados do Brasil para a cerimônia. Entre eles está a sua mãe, avó da noiva, e o tio, que será um dos padrinhos. As roupas, local, passagens e passeios já estão todos pagos, antes mesmo da pandemia – a data inicial do casamento era em 2020. Mas, diante da situação que o mundo estava passando, foi reagendado para outubro de 2022. “Já perdemos dinheiro da primeira viagem e agora estamos passando por isso de novo por causa do visto”, relata a mulher, que estima um prejuízo de cerca de R$ 60 mil. “Não tivemos sucesso em conseguir agendamento, não retornam nenhum e-mail e também não atendem o telefone”, acrescenta, falando da dificuldade para conseguir um contato com o consulado para tentar algum suporte. Patrícia apelou para as redes sociais para chamar atenção e tentar solicitar seu problema – outras pessoas também estão fazendo isso, as páginas do consulado do México no Brasil estão lotadas de comentários e quase nenhum foi respondido. Ela conseguiu ser respondida pela mensagem direta no Instagram e houve indícios de que seu problema seria resolvido, já que pediram para encaminhar documentos que comprovassem o casamento, mas, após enviado, não teve mais resposta.
“O casamento está pago, temos toda a documentação, já mandei mensagem para todos os perfis do Instagram e do Facebook do consulado, para a Embaixada, para o Itamaraty”, desabafa, e acrescenta que agora o Consulado do México bloqueou comentários. Foram mais de 20 e-mails enviados e nenhum respondido. “Um desrespeito total. Se não fosse pelo casamento não estaria passando por essa falta de respeito, pois tem muitos lugares que querem nos receber com os braços abertos e não iria gastar meu dinheiro em um país que nos trata com tanto desdém”, relata. A mãe de Patrícia tem o visto americano e, por essa razão, consegue entrar no país sem a necessidade do visto mexicano, mas seu irmão, tio da noiva, que vai acompanhá-la, não conseguiu. “Tenho pouca esperança de que minha família vai conseguir vir ao casamento da minha filha.” De acordo com o comunicado publicado no Diário Oficial da federação do México, estão isentas pessoas que tenham visto válido e vigente ou comprovante de residência permanente do Canadá, EUA, Japão, Reino Unido, Irlanda do Norte ou países pertencentes ao Espaço Schengen, assim como membros da Aliança do Pacífico. Nesse momento de tristeza e agonia, Patrícia aposta em uma loucura que a mãe vai fazer: dirigir do Espírito Santo até Brasília e ficar sentada em frente ao consulado para ver se consegue alguma resposta. “Vi relatos de gente que conseguiu o visto dessa forma, indo lá no dia ou ficando em frente ao consulado. Eu pedi para minha mãe esperar até o final do mês, mas se não tivermos resposta, ela vai tentar dessa maneira”, conta.
Larissa Andrade, de 28 anos, trabalha com produção de eventos e está passando pelo mesmo problema. A jovem está com viagem marcada para Cancún em novembro, com tudo pago, e até o momento não conseguiu agendamento para retirada do visto. O compromisso dela não pode ser reagendado. “A situação para a viagem está bem complicada. Estou desde o fim de agosto tentando tirar o visto e não consigo”, diz. Ela relata os mesmos problemas enfrentados por Patrícia. “Nunca tem agenda para vistos e o consulado não atende e não responde e-mail, o que dificulta ainda mais”, afirma. Segundo Larissa, por vezes o telefone do consulado nem chega a tocar. Nem mesmo a solicitação do visto de urgência tem sido eficaz, pois não tem nenhum retorno. “Estão fazendo um grande descaso pelo número de demanda que todos nós brasileiros estamos tentando”. Larissa já tentou agendamento no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, mas em nenhum teve sucesso. Segundo ela, no Rio não aparece nem a opção de consulado, em Brasília nunca apareceu a opção de visto e em São Paulo e consulado não atende de jeito nenhum. A jovem ainda fala de um problema que aparece com frequência nos comentários nas redes sociais do consulado e em grupos onde as pessoas tentam se ajudar: a dificuldade para conseguiu avançar da primeira página para chegar até a aba de agendamento do visto. Diante dos relatos, a reportagem tentou realizar o agendamento do visto e obteve as mesmas dificuldades relatadas. Larissa ainda conta que a única resposta que obteve do consulado por meio do e-mail foi uma resposta automática.
Daniela Cândido, 39 anos, e o marido desistiram de tentar o visto e resolveram cancelar a viagem que estava comprada e paga desde 25 de maio. Eles iam para Cancún e Riveira Maya para comemorar o aniversário de casamento. Essa seria a terceira vez que os dois iriam para o México e foi a primeira que enfrentaram dificuldade. “Na quarta-feira eu fiquei o dia todo cancelando toda a viagem”, conta. Ela diz que desde o anúncio sobre a necessidade de emissão do visto físico, eles começaram a tentar diariamente um agendamento, mas nunca teve agenda disponível. “Meu marido foi até a embaixada e o próprio funcionário falou que só entrava lá com horário e não tinha ninguém para dar uma satisfação. Tinha uma fila de gente querendo explicação”, relata. Eles iam embarcar no dia 22 de outubro. Daniela também tentou contato com a embaixada, Itamaraty e consulado, mas não teve nenhuma resposta. “Essa decisão está lesando várias pessoas. Eu ainda tenho a sorte que consigo pagar as taxas a mais, mas tem gente que perdeu tudo”, afirma. Além da dor de cabeça de não conseguir o visto, ela ainda relata outro problema. A companhia aérea que ela comprou a passagem não vai reembolsa-lá. “Pelo motivo da exigência do visto, eles resolveram isentar os passageiros, mas só até para quem viaja dia 18 de outubro. Eu viajaria no dia 22”, desabafa, indignada. “Estou indo para o mesmo destino das pessoas do dia 18. Eu estou sendo obrigada a cancelar e deixar minha passagem em aberto porque não consigo visto. Então, como quem viaja até dia 18 tem esse direito e eu não se meu motivo é o mesmo?”, questiona. Daniela e o marido vão precisar pagar uma penalidade de aproximadamente R$ 1.600 quando forem remarcar, fora mudança de data e alteração de rota que terá uma taxa a mais. Além disso, ela ainda vai ter que pagar uma quantia de US$ 500 (R$ 2.620 na cotação atual) para remarcar o hotel. Ela conta que o marido está irritado e não quer mais nem ouvir falar sobre essa viagem.
Não é só quem está com viagem marcada para o México que tem enfrentado problemas com a questão do visto. Pessoas com escala marcada na região também tem tido dúvidas sobre a necessidade ou não do documento e sobre como conseguir, pois afirma que as explicações disponíveis no site não são tão claras. Welbert Lima, 30 anos, precisou pagar uma quantia maior e alterar a rota da viagem para o Canadá por falta de informação sobre o visto para o México. “A interpretação no texto no consulado é abrangente. Falavam que em visto canadense válido conseguiria entrar, mas em nenhum lugar dizia se o eTA que eu tenho também estava no pacote”, explica. O eTA é um requisito para entrar no Canadá sem a necessidade de visto. Ele é concedido a estrangeiros que desejam ir para o país via aérea para diversos fins específicos, incluindo turismo, negócios e trânsito. Ele é equivalente ao visto, porém é eletronicamente vinculado ao passaporte. “Ligava no consulado e ninguém atendia. Ou dava ocupado ou com muita demanda”, conta. Pela informações fornecidas pelo México, o visto de Welbert deveria ser aceito, porém, as companhias aéreas pediam o visto físico. Ele até conseguiu uma resposta por e-mail, mas mandaram ele entrar no site e lá não tinha informações que sanassem sua dúvida.
Nas redes sociais, alguns grupos que desenvolveram robôs para ficarem monitorando a abertura de vagas, tem cobrado para notificar as pessoas quando tem data disponível. Foi dessa forma que Julia Vieira, 24 anos, e o namorado conseguiram realizar o agendamento da entrevista para tirar o visto. “São pouquíssimas vagas para muita gente. Achei que eles não estão dando esse suporte, já que é uma coisa nova e muitas pessoas já estão com a viagem programada há tempos”. A dela já está marcada há um ano. Além da dificuldade para agendar, ela fala de outro problema: as exigências para adquirir o visto. “Em relação aos documentos que eles pedem, é um absurdo. Por exemplo, eu sou CLT, eles pedem comprovação de renda de R$ 4.900. Acho que eles estão complicando muito nesses quesitos”. E não para por aí. Ela conta que as documentações podem mudar de consulado para consulado, que é o que tem sido relatado nos grupos em que participa. “Não temos uma base de como é e, ainda assim, dependemos de outra pessoa dizer se você vai ter o visto ou não”, desabafa. Julia conta que ela e o namorado escolheram o México como destino justamente pelo fato da entrada ser menos burocrática.
Foi com a ajuda de um consultoria que Maycon Monteiro, 30 anos, conseguiu tirar seu visto. “Levei dois meses para conseguir o visto a partir do momento que foi anunciada a necessidade”, conta. Ele é de São Paulo e só conseguiu tirar o documento em Brasília. Ele e a mulher vão para o México no dia 17 de outubro em lua de mel. “A partir do momento que o governo mexicano passou a exigir o visto físico, surgiu a dificuldade de conseguir o agendamento por causa da alta demanda”, fala. “A decisão de última hora pegou todo mundo de surpresa e eles não têm capacidade de atender todas as pessoas. Estão tentando fazer por prioridade, e para eles o turismo não é prioridade, pelo que entendemos”, acrescenta. Por contar com a ajuda de uma consultoria, Maycon precisou gastar uma quantia a mais do que tinha planejado, o que onerou bastante a questão financeira da viagem. Ele gastou cerca de R$ 2 mil a mais e demorou 40 dias para sair. Maycon conta que os documentos exigidos para a retirada do visto foram passaporte, comprovante de renda (com valor médio de movimentação de R$ 13 mil nos últimos três meses), comprovante de residência, holerite, carteira de trabalho, e o visto só é válido por seis meses, outro fator que tem intrigado as pessoas, pois é muita exigência e falta de suporte por uma autorização que dura tão pouco tempo.
A reportagem tentou contato com a Embaixada, Consulado e Itamaraty. Até a publicação desta reportagem, a Embaixada do México no Brasil falou que era necessário “consultar a página do Setor Consular da Embaixada do Brasil no México para informações sobre os serviços prestados”. Ao entrar em contato com o Consulado do México , a reportagem foi informada que esse tipo de informação deveria ser contatada com a assessoria do Ministério das Relações Interiores. O Itamaraty respondeu dizendo que “a emissão de vistos de entrada é de exclusiva competência e soberania de cada nação. Todo país utiliza diferentes critérios e exigências para a entrada e permanência de estrangeiros em seus territórios. Cabe lembrar que os requisitos exigidos podem variar a depender do objetivo da viagem.”