Não é de hoje que casos envolvendo contratos entre artistas e empresários têm desfechos turbulentos. O mais recente é o desentendimento do influenciador digital Iran Ferreira, mais conhecido como “Luva de Pedreiro”, com o agente Allan Jesus. Fenômeno da internet, com mais de 34 milhões de seguidores em suas redes sociais, o jovem de 20 anos afirma que assinou o contrato sem ler e reivindica o dinheiro que teria a receber. Já o agente diz que o pedido de rescisão feito por seu ex-cliente é “indevido”. “Iran e sua nova equipe de agenciamento têm direcionado grande parte de suas postagens e falas ao relacionamento que mantivemos, com mentiras e fatos deturpados, tão somente para me acuar, pressionar e me obrigar a fazer um ‘acordo’ no qual nem sequer me é devolvido o valor que investi, que, diga-se de passagem, não foi pouco”, justificou-se Jesus. O contrato é mantido em sigilo por decisão da Justiça.
“Luva” alega que acreditou na palavra do seu empresário ao assinar um documento sem ler. “Não sei muito ler, não”, disse ele ao “Fantástico”. Seu pai também não teria condições de compreender as extensas cláusulas do contrato. “Eu achei que ele [Allan] ia me ajudar, cuidaria da minha carreira. Eu não sabia desse negócio de quatro anos [de contrato], não sabia dessa multa [rescisória] de R$ 5 milhões”, declarou o influenciador, em outra entrevista, esta à TV Record. De acordo com Marco Aurélio Gonzaga da Cunha, especialista em direito contratual, o que “Luva de Pedreiro” fez é relativamente comum entre atletas, artistas, influenciadores e outras pessoas que confiam a terceiros o gerenciamento de suas carreiras. “Acontecem muitos casos assim. E, na maioria das vezes, por mais de uma razão. Pode ser por simples falta de aptidão para leitura, como no caso do Luva de Pedreiro, por excesso de confiança na outra pessoa e até por falta de interesse de quem costuma terceirizar tudo, sempre tem algum assessor para fazer suas tarefas. Não pega para se inteirar para ver o que está assinando. Aí, acaba se arrependendo porque são coisas absurdas.”Por mais que isso pareça muito distante da realidade, ainda acontece certa frequência a assinatura de contratos sem a devida leitura. Especialmente quando nos afastamos dos grandes centros e metrópoles. E isso pode ocorrer por mais de uma razão. Pode ser por simples falta de aptidão para leitura, como no caso do Luva de Pedreiro, por excesso de confiança na outra pessoa e até por falta de interesse de quem costuma terceirizar tudo, que sempre tem algum assessor para fazer suas tarefas. Essas pessoas acabam ficando sujeitas à própria sorte e por vezes assinam contratos pouco equilibrados”.
O caso piora quando há cláusulas no contrato que podem prejudicar o agenciado. Cunha afirma que há empresários que se aproveitam da ingenuidade do cliente. “Não podemos generalizar, mas, às vezes, acontece, sim. Como em qualquer mercado, existem os bons e os maus profissionais, e inclusive aqueles que são mal-intencionados. E quando esses profissionais encontram pessoas menos preparadas do outro lado da mesa, se aproveitam da situação para fazerem um contrato que os beneficia excessivamente, que chamamos de ‘leonino’.” Como agenciado e agenciador são partes contrárias, ambos devem estar assessorados por advogados distintos, para que cada um defenda os interesses próprios e entrem em um acordo equilibrado. “Isso é o que deveria acontecer. No momento da assinatura de um contrato de agenciamento, agente e agenciado são partes opostas na negociação, com interesses diversos e, por vezes, conflitantes. Por isso, cada parte deveria, idealmente, estar assessorado por seu próprio advogado de confiança nessa negociação, cujo mandato será defender exclusivamente os interesses daquela parte. Mas por vezes o agenciado não toma todos esses cuidados e, quando vai ver, está preso a um contrato que está longe de ser benéfico para ele, como aparenta ser o caso do Luva de Pedreiro.”
O desentendimento entre o influenciador digital e o empresário repercutiu nas redes sociais nas últimas semanas. Em 19 de junho, “Luva de Pedreiro” anunciou que daria uma pausa na gravação dos vídeos e desabafou sobre as cobranças que vinha recebendo. Os seguidores ficaram preocupados e fizeram especulações de uma suposta briga com Allan Jesus. Dias depois, a coluna de Léo Dias divulgou detalhes da vida financeira do influenciador. As duas contas de Iran tiveram um giro de R$ 7.500 no decorrer de 2022, mas o atual saldo seria de “praticamente nada”. Allan Jesus, CEO da empresa de marketing ASJ Consultoria e empresário de “Luva” na época, alegou que o influencer ainda tinha R$ 2 milhões a receber por trabalhos publicitários. Depois disso, “Luva” decidiu rescindir o contrato com o empresário. Seu atual agente é o ex-jogador de futsal Falcão, que tirou o aspirante a craque da pequena Quijingue, no interior da Bahia, e o colocou em uma casa de alto padrão na região metropolitana do Recife.
“Olhando o caso de fora, sem conhecer os detalhes e tomando por base exclusivamente as informações que saíram na mídia, temos a impressão que o empresário se aproveitou da ingenuidade do ‘Luva de Pedreiro’. Mas seria leviandade da minha parte fazer qualquer afirmação nesse sentido sem conhecer os detalhes do caso. Fato é que se trata de um menino muito simples, com pouca instrução, lidando com um homem de negócios, acostumado com esse tipo de negociação. Até mesmo os pais dele são pessoas bastante simples. Então ha certamente um desequilíbrio nessa relação. O que resta ao influenciador agora é buscar na Justiça uma rescisão contratual, com base em eventuais descumprimentos cometidos pelo agente. Aparentemente, podemos dizer que houve até uma quebra de confiança, pois o agente deixou de apresentar, sem qualquer motivo aparente, propostas de grandes marcas que tinham interesse em contratar o ‘Luva’, o que pode eventualmente representar uma quebra do mandato”, disse Marco Aurélio. O advogado se refere a uma propaganda que o autor do bordão “receba” faria com o astro português Cristiano Ronaldo. O encontro teria sido impedido por Allan Jesus.
Quem confia sua carreira a outros precisa saber detalhadamente como será executado o contrato, a relação entre ambas as partes, questões de remuneração e as cláusulas de rescisão contratual. “Normalmente os grandes perigos estão concentrados nesses contratos de agenciamento de carreira. O primeiro deles é não saber quais obrigações que aquele agente tem com você; quais são as atividades que ele deve desempenhar, como ele deve te prestar contas, quais propostas fica obrigado a te comunicar, quem fica responsável por assinar os documentos de maneira geral, etc. Outro aspecto que merece especial atenção é a remuneração, se ela é justa ou não. Em um contrato desequilibrado, uma das partes pode acabar abocanhando um percentual maior do que aquele normalmente praticado no mercado. Além disso, há as cláusulas de saída. As possibilidades de rescisão do contrato e penalidades dela decorrentes devem idealmente ser paritárias. Quando não há equilíbrio contratual, pode estar previsto, por exemplo, que apenas o uma das partes pode rescindir o contrato sem justa causa. Mas além do problemas relacionados ao contrato de agenciamento, outro problema é a forma como aquela pessoa passa a gerenciar sua carreira. Muitas vezes são criadas empresas entre agente e agenciado, a qual passa a ter direitos exclusivos de exploração da imagem do agenciado, mas que o próprio agenciado não possui poder para representar tal empresa”, enumera Cunha.
A lista de famosos que romperam com seus empresários inclui, entre outros, Taylor Swift, MC Loma e Wesley Safadão. A funkeira afirma que deixou de ganhar dinheiro com seu sucesso “Envolvimento” porque seu empresário lhe “passou a perna”. Marcelo Fernandes, dono da produtora Start Music, afirma que Loma sempre recebeu o que estava previsto no contrato. Mas é preciso tomar cuidado: nem sempre o empresário pode ser considerado o “vilão” da história. Quem está do outro lado do balcão também deve redobrar a atenção na hora de pegar a caneta e colocar sua assinatura no papel. Marco Aurélio Gonzaga da Cunha relembrou o caso da disputa judicial entre o ex-jogador Denilson e o cantor Belo. Em 1999, o atual comentarista da Band se tornou empresário do Soweto, mas se sentiu lesado após a saída da principal estrela do grupo de pagode no ano seguinte. Em 2004, a Justiça ordenou que o cantor indenizasse Denilson. Após cobranças públicas nada amistosas por parte do pentacampeão mundial, os dois firmaram um acordo no ano passado. No entanto, o ex-atleta afirma que ainda não viu o dinheiro (a dívida é de cerca de R$ 5 milhões). “Não pode ser normal um cara te dever e dormir tranquilo”, declarou Denilson ao podcast Flow Sport Club.
“O ponto importante é que o empresário também deve estar bem assessorado na hora de fechar o contrato. Os mesmos cuidados que o agenciado deve tomar também se aplicam ao agente”, destaca Cunha. “Normalmente, achamos que o empresário está sempre bem assessorado, por ser um homem de negócios. Mas por vezes ele também não toma o devido cuidado. Neste caso, especificamente, o contrato previa uma penalidade justamente por descumprimento contratual, que aparentemente foi a base da condenação do cantor.” O especialista recomenda que, em situações como a de Belo e Denison, ambas as partes entrem em um acordo para realizar a rescisão de contrato e evitar dores de cabeça. “É o melhor caminho. Minha sugestão, normalmente, é buscar um acordo com a parte contrária. Eu costumo brincar que um mau acordo é melhor do que um bom processo. Isso porque em um acordo as partes possuem total controle sobre o resultado. Se o assunto vai para a Justiça, o resultado torna-se incerto e dependente exclusivamente das impressões e interpretação de um terceiro (juiz) sobre o caso, que não necessariamente tomará a melhor decisão. Quando o caso é judicializado, abre-se um leque gigante de possíveis resultados, sendo impossível prever de antemão a forma como será concluído, se de forma favorável ou contrária ao seu cliente. Além disso, o processo pode se arrastar por anos em função da morosidade do poder judiciário, sem contar o risco de incorrer na situação que chamamos de ‘ganhou e não levou’, quando a outra parte é condenada, mas deixa de efetuar o pagamento da condenação e não possui nenhum bem em seu nome que possa ser liquidado para saldar a dívida.”
Fonte: jovempan
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.