Desde que começou a concorrer à presidência, Ciro Gomes nunca havia perdido no Ceará, onde fez carreira política. Em 1998, o pedetista bateu, com 34,23% dos votos, Lula (PT) e FHC (PSDB). Em 2002, venceu Lula e José Serra (PSDB), com 44,48% dos votos válidos. E também foi vitorioso contra Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (na época do PSL) em 2018, com 40,95%. Entretanto, nesta eleição o ex-governador amargou seu pior desempenho da história e conquistou apenas 6,80% do eleitorado, atrás de Jair Bolsonaro (PL), com 25,38%, e de Lula, com 65,91%. Na disputa pelo governo do Ceará também é a primeira vez, desde 2007, que o Estado não será governado por um aliado político de Ciro. Com 14,14% dos votos, Roberto Cláudio (PDT) viu o deputado estadual Elmano de Freitas (PT), indicado pelos petistas após Ciro escolher Cláudio e causar a implosão de uma aliança de quase duas décadas entre PT e PDT, ser eleito em primeiro turno com 54,02%. Cláudio, inclusive, ficou atrás do deputado federal Capitão Wagner (União Brasil), apoiado pelos bolsonarisats.
As tensões da articulação política cearense começaram em julho, quando o diretório do PDT decidiu lançar a candidatura do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio ao Palácio da Abolição. Por 55 votos a 29, o indicado de Ciro ganhou uma votação interna contra a atual governadora, Izolda Cela, que reivindicava o direito de tentar a reeleição. Como o PT já havia manifestado publicamente a preferência por Izolda, o partido de Lula rompeu a aliança com o PDT e decidiu lançar uma chapa pura com o deputado estadual Elmano de Freitas. Paralelamente, o indicado do PT ao Senado foi o ex-governador Camilo Santana, de quem Izolda foi vice por mais de sete anos. Apesar do rompimento com ex-aliados, Ciro Gomes teve capital político suficiente para que seu indicado tivesse vantagem no início da disputa. Na pesquisa Ipec para o governo do Ceará divulgada em 1º de setembro, Roberto Cláudio (PDT) aparecia com 28% das intenções de voto, tecnicamente empatado com Capitão Wagner, com 30% das intenções, e nove pontos à frente do candidato petista, que aparecia com 19%. Uma semana após ser derrotada no diretório estadual do PDT, Izolda Cela se desfiliou da legenda e deixou claro seu rompimento político com o núcleo de Ciro Gomes. Nas redes sociais, a governadora afirmou: “Poderíamos já estar todos unidos contra o fascismo, a intolerância e o ódio. Defendi isso desde o início, juntamente com Cid, Camilo e tantos outros”. Daí em diante, os rumos da disputa no Ceará mudaram drasticamente, pois estava claro o isolamento político de Ciro Gomes em seu Estado natal, onde até seus irmãos, o senador Cid Gomes e o prefeito de Sobral, Ivo Gomes, não manifestaram apoio ao seu indicado, pelo contrário, fizeram campanha para Camilo Santana, candidato petista ao Senado. A seis dias da eleição, Izolda chegou a manifestar apoio formal à candidatura petista nas redes sociais: “Conheci Elmano quando eu era secretária de Educação do Cid, e vejo uma trajetória pautada na defesa do povo cearense. Tenho certeza que, com Elmano governador, o Ceará vai garantir as conquistas e avançar ainda mais no caminho certo em busca das vitórias que todos nós desejamos”.
Com os apoios oficiais de dois ex-governadores, Izolda e Camilo, e a aparente neutralidade de Cid e Ivo Gomes, Elmano de Freitas conseguiu superar o candidato pedetista na reta final da eleição. O petista estava empatado tecnicamente com Roberto Cláudio na pesquisa Ipec divulgada no dia 9 de setembro, na qual ambos apareciam respectivamente com 22% e 21% dos votos, atrás de capitão Wagner, com 35%. Entretanto, no levantamento divulgado na véspera da eleição, Elmano passou a liderar a disputa com 40%, seguido pelo candidato do União Brasil, com 33% , ambos muito à frente do candidato do PDT, que desidratou e manteve apenas 17% das intenções de voto. A cinco dias da eleição, Ciro Gomes disse que sua falta de apoio no Ceará era como uma “facada”, quando perguntado sobre o assunto em sabatina na TV Record: “Se você me permite, eu lhe peço humildemente para não comentar isso, porque a facada ainda está doendo muito aqui. A ferida está aberta, está sangrando neste momento. Dói para valer”. O candidato à Presidência declarou que essa foi a razão pela qual não fez muitas atividades no Ceará, embora tenha finalizado sua campanha em uma carreata no Estado – vale dizer que os irmãos e os antigos aliados não estiveram presentes, em mais um exemplo de seu isolamento político.
De acordo com pesquisa Ipec, divulgada no dia 25 de setembro, 34% dos cearenses consideram a gestão da atual governadora ótima ou boa, enquanto 11% a reprovam, considerando como ruim ou péssima. Nesse sentido, o mesmo levantamento apontou que, na semana da eleição, 43% dos cearenses que avaliaram o governo como ótimo e bom tinham intenção de votar em Elmano, enquanto 25% votariam no Capitão Wagner e 23% em Roberto Cláudio. Para o cientista político Alberto Carlos Almeida, o apoio de Izolda Cela foi essencial para que a candidatura de Elmano superasse o indicado de Ciro: “O que esses números mostram é que o Elmano é o candidato governista. A aliança foi feita em torno do candidato governista, e Ciro ficou com um candidato que não é governista. Roberto Cláudio é um candidato de oposição. Ele tem menos votos, o candidato governista sempre vai ter mais votos junto a quem avalia ótimo e bom o governo, e o candidato de oposição vai ter menos votos. O Ciro ficou em uma situação difícil, ao invés de ficar na aliança”, afirmou ao site da Jovem Pan. “Inclusive, o Camilo Santana, por ter deixado o governo bem avaliado, ele vai ser eleito senador com com facilidade. O Ciro vai perder a sua base eleitoral. Todo político tem que preservar a sua base eleitoral, e o Ciro vai perder isso. O fundamento eleitoral dele não é o Brasil, a base eleitoral dele é o Ceará. Os irmãos não vão perder, porque os irmãos viram que Elmano tinha mais chances e aderiram ao candidato do PT”, acrescentou.
Para o especialista, barrar a candidatura de Izolda à reeleição foi um verdadeiro tiro no pé: “Eu acho que o Ciro se deixou mover mais por algum tipo de ressentimento contra o PT, do que por qualquer outra coisa. Havia um acordo, a governadora ia se manter no PDT, ia ser candidata pelo PDT, o partido de Ciro. Então, não dá para entender porque ele não seguiu o acordo. Eu acho que há um elemento irracional nisso. Não dá para explicar pela racionalidade, que é o que um analista político tenta fazer”. Na noite do domingo, 2, quando o resultado das urnas apontava para a disputa entre Lula e Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial e o avanço da direita no Senado, onde 13 dos 27 eleitos são aliados de Bolsonaro, o ex-ministro fez um curto pronunciamento, em que disse estar “preocupado” com o futuro do país e pediu “algumas horas” para revelar que caminho seguirá na etapa final do pleito. “Estou profundamente preocupado com o que estou assistindo acontecer no Brasil. Como vocês sabem, eu vou inteirar 65 anos de vida e tenho 42 desses dedicados ao meu amor, à minha paixão ao Brasil, eu nunca vi uma situação tão complexa, tão desafiadora, tão potencialmente ameaçadora sobre a nossa sorte como nação”, iniciou. “Por isso eu peço a vocês que me dêem algumas horas para conversar com meus amigos, conversar com meu partido, para que a gente possa achar o melhor caminho, o melhor caminho para bem servir a nação brasileira”, acrescentou. Como a Jovem Pan mostrou, o PDT antecipou para esta terça-feira, 3, a reunião da Executiva Nacional que debaterá a postura no segundo turno. O apoio ao atual presidente da República está descartado e, segundo relatos feitos à reportagem, uma das hipóteses aventadas é declarar um “apoio crítico” a Lula, algo semelhante ao que ocorreu em 2018, quando Fernando Haddad (PT) enfrentou Bolsonaro no segundo turno. Seja como for, a campanha eleitoral deixa uma ferida aberta em Ciro e no PDT, que saem menores do pleito e assombrados pela acusação de terem servido de linha auxiliar ao bolsonarismo.
Fonte: jovempan
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