Com o recuo pontual nos índices de novos casos, hospitalizações e mortes pela Covid-19, alguns países e territórios do mundo retomam parte das flexibilizações sanitárias. Entre as mudanças adotadas estão: a retirada das máscaras, o fim das recomendações de distanciamento social e até mesmo a dispensa da exigência do passaporte da vacina para entrada em ambientes fechados. Contudo, outra determinação vem ganhando os holofotes mundiais: a decisão de Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca de atualizarem a classificação da Covid-19 para endemia. Com a mudança, as infecções pelo Sars-CoV-2 deixam de ser uma emergência de saúde. Mas, de fato, o que isso significa para o enfrentamento à doença? Antes de entender como essa alteração pode refletir nas ações de combate e erradicação do coronavírus, é preciso estabelecer as diferenças na classificação da doença.
Diferente da pandemia, que é caracterizada pela disseminação e aumento generalizado de uma doença em diversos territórios, a endemia é a situação sanitária em que se assume que é esperada uma quantidade determinada de casos – e óbitos – por uma enfermidade. Ou seja, na situação endêmica, há um controle nas estatísticas, como explica a infectologista do Grupo Pardini Marília Turchi. “Várias doenças infecciosas atingem um determinado patamar e depois, com uma série de medidas de controle, entram em um patamar endêmico. Ou seja, com número de casos que estaria dentro do limite esperado. Mas estar em uma situação endêmica não necessariamente é uma situação confortável ou boa”, afirma a médica. Ela menciona que, além de representar um cenário mais positivo e estável, a mudança para endemia abrange novas estratégias de enfrentamento à doença.
No entanto, embora seja inicialmente positiva, a mudança na classificação também traz preocupações a especialistas. O motivo é que existem dúvidas de quais índices de infecções, hospitalizações e óbitos pela Covid-19 serão considerados “aceitáveis” pelos países para o momento endêmico. A preocupação é que esse patamar de estabilidade seja alto e, com isso, continue representando altos números de casos e mortes. “Se analisarmos os dados de países que anunciaram mudança no cenário epidemiológico de pandemia para epidemia, alguns deles estão com números muito altos de casos e óbitos. Então qual seria esse patamar necessário? Zero casos? Também não chegaremos”, menciona. Para determinar esse limite estimado, o infectologista Adelino de Melo Freire Júnior, diretor médico da Target Medicina de Precisão, explica que caberá a cada país avaliar individualmente os dados epidemiológicos. “As autoridades classificam os níveis pandêmicos de acordo com uma média histórica, você olha para trás e define. Não é possível definir valores gerais, cada local vai ter o seu valor”, menciona.
Embora seja o “caminho esperado”, a mudança de classificação para endemia está longe de indicar o fim da Covid-19 e também distante de ser um cenário epidemiológico confortável, pontua Júnior. “Endemia não é erradicação da doença. É exatamente o oposto. Quando você assume que uma doença é endêmica, você assume que ela vai continuar ali. Não muda nada em relação à gravidade, à prevenção, à abordagem individual de tratamento. Você assume que vão continuar tendo casos, que isso vai permanecer. É o que se espera da infecção pelo novo coronavírus. É quase uma unanimidade o entendimento que não vamos ficar livre dele, não vamos erradicar. É pouco provável que a gente se livre dele completamente, isso não vai acontecer.” O infectologista menciona, inclusive, que da mesma forma que houve a mudança de pandemia para endemia nos países europeus, a reversão também é possível. “Se tivermos uma nova variante como a Ômicron, que escape da imunidade, isso pode mudar. Talvez seja um pouco precoce. Espero que dê certo, mas apenas o tempo vai dizer.”
Enquanto Dinamarca, Reino Unido, Espanha e França avançam no entendimento da Covid-19 como uma doença endêmica, o Brasil sofre com novos recordes de infecções e aumento nos óbitos. Nesta sexta-feira, 11, foram contabilizados 144.240 casos e 1.135 mortes pela doença no país, segundo o Ministério da Saúde, o que ainda preocupa. No entanto, em alguns Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, dados epidemiológicos já apontam recuo nas hospitalizações, o que pode indicar momento decrescente da onda causada pela Ômicron. Mesmo que o cenário seja distinto e pouco preciso, o entendimento é que em uma previsão otimista a situação pandêmica do Sars-CoV-2 chegue ao fim ainda no primeiro semestre deste ano. “Se evoluímos para uma doença que tenha níveis equilibrados, que não tenha novas ondas, é o que vai acontecer [classificação de endemia]. Agora dizer quando vai acontecer? Hoje, vivemos um aumento extremo de casos. Com a Ômicron, batemos recordes de casos todos os dias, isso é o oposto de uma endemia. Quando isso vai reduzir e ficar em níveis estáveis e meses consecutivos para mudar a classificação? Apenas o tempo vai dizer”, finaliza Adelino Júnior.