O caso Daniel Silveira ganhou um novo capítulo na última semana após o presidente Jair Bolsonaro (PL) invocar uma graça constitucional — espécie de indulto individual — ao deputado federal, que havia sido condenado no Supremo Tribunal Federal (STF). Presente no artigo 84 da Constituição, compete privativamente ao chefe do Executivo “conceder indulto e comutar penas” impostas pelo Judiciário. O dispositivo autoriza a atuação de Bolsonaro. Já o artigo 5.º alega que apenas o tráfico ilícito de drogas, terrorismo e crimes hediondos impedem um condenado de receber “graça ou anistia”. As acusações impostas ao parlamentar não se referem a tais práticas, portanto, o réu estava apto a receber o benefício do mandatário. A dúvida, porém, paira sobre os direitos políticos de Silveira, já que o deputado deve se candidatar ao Senado pelo Estado do Rio de Janeiro. A equipe de reportagem da Jovem Pan ouviu juristas para entender se Daniel estará apto a disputar as eleições neste ano ou suspenso dos próximos pleitos.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, declarou na última terça-feira, 26, que Silveira continua inelegível mesmo com o perdão dado por Jair Bolsonaro. Em despacho em que questiona o não cumprimento das medidas restritivas impostas a Daniel Silveira, o magistrado ressaltou que, “dentre os efeitos não alcançados por qualquer decreto de indulto está a inelegibilidade decorrente de condenação criminal em decisão proferida”. Moraes alegou também que a graça concedida pelo presidente “não equivale à reabilitação para afastar a inelegibilidade decorrente de condenação criminal, o qual atinge apenas os efeitos primários da condenação à pena, sendo mantidos os efeitos secundários”. Arthur Rollo, advogado especialista no direito eleitoral, alega que o “entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é no sentido de que a inelegibilidade não é pena”, ou seja, “é consequência da condenação” e, por isso, a perda dos direitos políticos “subsistiria apesar da graça concedida”. “Na prática, quem julga é a Justiça Eleitoral, que certamente aplicará a inelegibilidade”, argumenta o jurista.
Sancionada no dia 4 de junho de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a lei complementar número 135 impõe “casos de inelegibilidade” e “prazos de cessação” para aqueles que forem condenados “contra a administração pública”, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. A decisão que condenou Daniel Silveira foi realizada por um órgão colegiado, ou seja, por pelo menos três magistrados. No total, dez ministros do Supremo Tribunal Federal (André Mendonça, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber) optaram por condenar o parlamentar. O único voto contrário foi realizado por Kassio Nunes Marques.
Advogado criminalista, Antônio Carlos de Almeida Castro, popularmente conhecido como Kakay, também tem o mesmo entendimento e alega que a graça constitucional não alcança os efeitos secundários da condenação. Ou seja, mesmo que Daniel não seja preso, ele se tornaria inelegível, já que a perda dos direitos políticos é uma consequência da condenação através da lei da Ficha Limpa. “No tocante a perda dos direitos políticos, o Supremo Tribunal Federal já decidiu isso e, sem sobra de dúvidas, no momento da condenação ele [Daniel Silveira] já perdeu os direitos políticos”, argumenta. Kakay ressalta que os efeitos da lei Ficha Limpa já são aplicáveis ao deputado mesmo sem o trânsito em julgado pelo tipo de delito cometido. “O crime dele é contra a segurança nacional, contra as instituições democráticas, logo, a simples condenação já traz os efeitos da Ficha Limpa”, opina o advogado, antes de ser enfático: “Ele já perdeu os direitos políticos”.
Em 2016, após ser cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados, em setembro, o ex-presidente da Casa Eduardo Cunha tornou-se inelegível e encontra-se até o momento impossibilitado de disputar cargos eletivos. Agora filiado ao PTB, Cunha permanecerá com seus direitos políticos suspensos até 2027. O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, também tornou-se inelegível após ter o seu mandato cassado em 2005. Na ocasião, 293 deputados optaram pela sua cassação, e o parlamentar perdeu o direito de concorrer aos pleitos no país. No mesmo ano, Roberto Jefferson também foi cassado pela Câmara com 313 votos favoráveis de seus pares. Em todos os casos, os parlamentares também foram condenados pelo Judiciário.
Miguel Reale Júnior, advogado e ex-ministro da Justiça, entende que a “decisão condenatória do Supremo Tribunal Federal, independentemente de ser considerado o decreto de graça constitucional ou não, é determinante no sentido da perda dos direitos políticos e da inelegibilidade”. O co-autor do pedido de impeachment que afastou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) defendeu que “mesmo que se tenha por válido o decreto de graça, ele não atinge as consequências da condenação”, sendo um desses efeitos a “perda dos direitos políticos e da inelegibilidade”.
“É jurisprudência da Câmara dos Deputados que, quando há condenação em transitado e julgado, cabe à Mesa, tão somente, declarar a perda de mandato. Portanto, a vontade do presidente da Câmara [Arthur Lira] em, eventualmente, não cumprir contraria as decisões anteriores e casos semelhantes”, informou. O jurista também opinou que não faz questão da candidatura de Daniel Silveira, pois trata-se de “alguém que ofendeu a República e cometeu crimes de lesão à ordem constitucional”. “Acho que é um benefício que ele não venha a se candidatar”, disse Reale.