23 de Novembro de 2024

Do sarampo à pólio: devemos nos preocupar com o reaparecimento de doenças no Brasil?


Divulgação/Prefeitura de São Paulo

Em todo o mundo, uma em cada cinco crianças não recebeu nenhuma vacina ou não completou o esquema de doses necessário para ficar completamente imunizada contra doenças que podem ser prevenidas. No total, 67 milhões de crianças perderam por completo ou parcialmente a chamada imunização de rotina no período entre 2019 e 2021. O dado alarmante faz parte do relatório “Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação”, publicado pelo Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2023. O documento alerta para o maior retrocesso contínuo na imunização infantil em 30 anos, cenário propício para o ressurgimento de doenças que antes estavam erradicadas, como sarampo, meningite e poliomielite. No Brasil, a cobertura vacinal da população tem despencado e chegou, em 2021, a apenas 61% dos cidadãos imunizados. De acordo com o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações, em 2019, o índice era de 73% e, em 2020, de 67%. Ainda em 2022, o índice apresentou estabilidade e fechou o ano em 68%. O patamar ideal seria de 95%, índice que foi atingido pela última vez em 2015.

Quando uma população passa muitos anos sem contato recorrente com uma doença, é comum que o medo ao redor da patologia diminua, o que influencia na queda da vacinação. Paralelamente, as desinformações a respeito da imunização propagadas durante a pandemia da Covid-19 não podem ser descartadas. Segundo a Unicef, no Brasil, embora os números continuem altos, houve uma queda de 10 pontos percentuais no índice de confiança nas vacinas – antes da pandemia, 99,1% dos brasileiros confiavam nas vacinas infantis e, pós Covid-19, são 88,8%. Com uma população cada vez menos preocupada em se prevenir de doenças tão graves, o cenário brasileiro é de alto risco para reintrodução destas patologias, como explica o pediatra e infectologista Renato Kfouri.

“O Brasil conquistou o status de um dos primeiros países, aliás, o continente americano, em termos de controle e eliminação de doenças. Foi o primeiro continente que erradicou a varíola, que eliminou a pólio, que controlou o sarampo e a rubéola. Graças a programas extensos de imunização, com elevadíssimas coberturas vacinais e uma franca adesão da população a todas essas estratégias propostas. É claro que, quando você não se vê livre destas doenças em outros locais do mundo, há o risco de reimportação e reintrodução dessas doenças já controladas. Quando elas encontram um ambiente favorável, ou seja, o número de suscetíveis suficientes para fazer a doença circular, torna esse risco iminente, especialmente para doenças de maior transmissibilidade”, explica Kfouri.

De acordo com o também infectologista Marcelo Neubauer, a globalização contribui para que essas patologias, mesmo que erradicadas em certos lugares, reapareçam. “A pessoa está hoje aqui e amanhã ela está do outro lado do planeta. Eventualmente, uma pessoa pode carregar esse vírus, tendo muito pouco ou nenhum sintoma e, tendo o contato com pessoas suscetíveis, elas podem se contaminar e desenvolver a doença.” Frente a este contexto, o site da Jovem Pan conversou com os especialistas para entender os reais riscos que o Brasil enfrenta com relação ao sarampo, meningite e poliomielite.

Sarampo

Entre 1990 e 2000, o Brasil registrava mais de 177 mil casos de sarampo, de acordo com dados da Fiocruz. No entanto, campanhas de vacinação levaram o país a receber o certificado de eliminação da doença em 2016. Em 2019, o país perdeu o reconhecimento após não conseguir controlar um surto iniciado no Norte, em 2018, que se espalhou para os demais Estados. “Nós vivemos uma ameaça hoje real de sarampo. Nós perdemos a condição de país livre do sarampo. Estamos em busca da reconquista dessa certificação de eliminação, já que estamos há quase dez meses sem nenhum caso registrado da doença. Há muito o que melhorar em termos de coberturas vacinais para que isso realmente se torne uma realidade”, destaca Kfouri.

A queda da cobertura vacinal do sarampo no Brasil acompanha o aumento do número de casos. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2019, a cobertura vacinal começou a cair, oscilando entre 85% e 95%. Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, a porcentagem de crianças vacinadas baixou para 80%, caindo em 2021 para o pior índice da história recente, com apenas 73% da meta atingida. O resultado foi a volta do sarampo ao país que, entre 2018 e 2021, contabilizou mais de 40 mil doentes, dos quais 40 morreram. Apesar do risco de morte ser baixo, o sarampo pode acarretar em diversas sequelas, como diminuição da capacidade mental, cegueira, surdez e retardo do crescimento. Para se imunizar contra a doença, basta seguir o calendário de imunização e tomar as duas doses da Tríplice viral (que também protege contra caxumba e rubéola), além da Tetra viral (que ainda oferece a proteção contra a catapora).

Meningite

Há alguns anos, o Ministério da Saúde tem alertado para o retorno da meningite por conta dos baixos índices de vacinação. Em 2022, cerca de 47% do público-alvo foi vacinado contra a doença no Brasil. A baixa adesão tem contribuído para o surgimento de novos casos, como na capital paulista, que teve ao menos 58 registros da doença e dez mortes. No Estado, a cobertura vacinal está em torno de 71%. A baixa receptividade à imunização contra a doença não é de hoje. De 2010 até 2021, a cobertura vacinal esteve em queda, sendo que no ano passado teve 70% de adesão no total, menor índice neste intervalo de 11 anos. Apesar do índice decrescente da vacinação, Renato Kfouri avalia o aumento de casos como esperado após o fim do isolamento causado pela pandemia da Covid-19: “A meningite é uma doença endêmica. Apesar dela ter um caráter também epidêmico e evoluir muitas vezes com surtos, os casos anualmente acontecem. Não há nenhuma expectativa ou previsão de aumento.”

“Esses aumentos revistos e detectados em 2022 e 2023 são fruto muito mais da reaproximação das pessoas no período pós-pandêmico do que um aumento real de doença. Nós praticamente diminuímos de maneira muito grande os casos em 2020 e 2021, ou seja, o isolamento, o distanciamento e o uso de máscaras favoreceram também o controle das meningites. Já que é uma doença de transmissão respiratória e, obviamente, esses aumentos são em cima de um número bastante reduzido e não trazem preocupações neste momento atual”, explicou.

A meningite é a inflamação e o acometimento das meninges, isto é, das membranas que envolvem o sistema nervoso central. Segundo o Ministério da Saúde, essa doença é considerada grave, contagiosa e endêmica. O grupo de risco são as crianças, adolescentes e jovens adultos, pois possuem maiores chances de complicações e adoecimento. De acordo com o ministério, as possíveis sequelas incluem: perda de memória, surdez, perda de visão, epilepsia, paralisia, perda de membros, danos nos órgãos e danos cerebrais. Para se imunizar contra a meningite C, a vacina mais abrangente no teritório nacional é a meningocócica C, que protege contra a doença meningocócica causada pelo sorogrupo C. As vacinas pneumocócica 10-valente, Pentavalente e Meningocócica ACWY também oferecem proteção – esta última inclusive protege contra a doença meningocócica causada pelos sorogrupos A,C,W e Y.

Poliomielite

Até meados de 1980, a poliomielite causava paralisia em quase 100 crianças por dia no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente no Brasil, foram registrados quase 27 mil casos entre 1968 e 1989, ano da última notificação no país. Em 1994, as Américas receberam o certificado de eliminação da doença. Desde a popularização da vacina, o vírus selvagem da poliomielite havia sido eliminado em todos os países, com exceção de Afeganistão e Paquistão. No entanto, em 2022, os Estados Unidos registraram o caso de uma criança nova-iorquina que ficou paralisada em decorrência da poliomielite, primeiro caso da enfermidade no país em quase uma década. Israel também identificou um caso de paralisia causada por poliomielite em fevereiro de 2022.

Há alguns anos, o Ministério da Saúde alerta para um possível retorno da doença por conta dos baixos índices de vacinação. Em 2021, menos de 70% do público alvo estava com as doses em dia, frente aos mais de 98% em 2015. A queda na cobertura vacinal, aliada ao ressurgimento da doença em outros países, coloca o Brasil sob alto risco. “O Brasil foi classificado pela própria Organização Pan-americana da Saúde como de muito alto risco para a reintrodução da pólio. Porque nos três pilares que baseiam esse risco o Brasil não vai bem. Nas coberturas vacinais, estamos com 77% das nossas crianças chegando a um ano com três doses. O ideal seria 95%. Embora já apresentemos uma recuperação em relação ao final de 2021, que era de 70% a cobertura, subimos para 77%. Ainda estamos longe do ideal, que seria 95% das crianças vacinadas”, explica Kfouri.

“Para além das coberturas vacinais baixas, nós também não fazemos uma vigilância ambiental à procura do vírus vacinal nos nossos esgotos de maneira adequada. Para completar, também não investigamos os casos de paralisia aguda em crianças e adolescentes de maneira célere, rápida e oportuna. É recomendado que todo caso de paralisia seja investigado imediatamente. Existem outras causas de paralisia que não pelo vírus da pólio, para afastar e, obviamente, se trata-se ou não de um caso de poliomielite, fazer as ações de vacinação de bloqueio. Não vacinamos bem, não vigiamos bem o ambiente e não investigamos de maneira rápida os casos suspeitos. Dessa maneira, o Brasil, junto com a República Dominicana, Peru e Haiti, foi considerado, infelizmente, um país de alto risco para a reintrodução da pólio. Nós precisamos melhorar muito as coberturas vacinais, porque seria muito triste voltarmos a ver casos de paralisia infantil depois de tantas décadas sem registro de casos no nosso país”, alerta.

Frente ao risco iminente, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) lançou em 2022 a campanha “Paralisia Infantil – A Ameaça Está de Volta”, em parceria com o Ministério da Saúde, para estimular a adesão à campanha de vacinação contra a poliomielite. Os dados da pasta apontam que três em cada 10 bebês brasileiros nascidos em 2021 não tomaram as doses da vacina intramuscular contra a pólio, previstas para os 2, 4 e 6 meses de idade. A proteção contra a doença também requer doses em gotas aos 15 meses e aos 4 anos de idade. Ainda de acordo com o ministério, a partir de 2024, haverá a substituição gradual da versão oral do imunizante, que passará a ser aplicado por injeção ao invés da conhecida gotinha. A versão injetável contém o vírus inativado, é mais moderna e facilita o esquema de vacinação pois diminui o prazo da imunização completa.

Fonte: jovempan

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