O fim do mês de novembro de 2021 foi marcado pela descoberta de uma nova variante do coronavírus, batizada como Ômicron pela Organização Mundial da Saúde. Apesar da mutação de um vírus ser um processo natural, o surgimento de novas cepas no momento em que já há vacinas para combater a circulação do vírus escancaram a desigualdade vacinal no mundo. Em entrevista à Jovem Pan, o ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Marchiori Buss, explica como a imunização impede a circulação do vírus e, consequentemente, o surgimento de novas variantes. “A vacina produz um conjunto de anticorpos e, com isso, a transmissão ou se suspende naquela comunidade ou reduz muito. Assim, nós ‘bloqueamos’ a forma mais frequente de aparecer variantes novas de um determinado patógeno, que é pela replicação dele nas pessoas. Quanto mais o vírus passa de uma pessoa para outra, mais você tem possibilidades dele alterar as características da sua fita de RNA”, detalha Buss.
“Se existir um lugar em que o vírus está circulando muito, como, por exemplo, a Rússia, é possível que daqui a pouco se identifique uma variante lá. Então, não adianta nada o país do lado da Rússia ter 100% de vacinados se Rússia desenvolver uma variante que escape das vacinas”, enfatiza o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal. “O fato de que nós temos países com quantidade suficiente de vacinas para toda a população, talvez para vacinar duas vezes a mais do que precisa, enquanto alguns países têm menos de 10% da população vacinada, representa a desigualdade vacinal. Há um excesso de vacinas em alguns lugares e uma escassez em outros. Isso mostra uma desorganização dos países para atender as demandas da pandemia, mas mostra também uma abordagem equivocada na compreensão do que é uma pandemia”, aponta Hallal.
Ainda antes da detecção da Ômicron, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, já havia afirmado que seria necessário vontade política e coragem para pôr um ponto final na disseminação da Covid-19. “A pandemia vai acabar quando o mundo decidir acabar com ela, porque está em nossas mãos. Não é mais uma questão de tecnologia ou ciência. É uma questão de vontade política e coragem. Isso tem que ser resolvido. A desigualdade da vacina é epidemiológica, econômica e moralmente errada. A desigualdade tem que acabar se quisermos acabar com esta pandemia”, declarou. Se seguir no atual ritmo de vacinação, o continente africano, por exemplo, só baterá a meta de 70% dos habitantes imunizados com a primeira dose conta a Covid-19 em agosto de 2024. Diversos países, incluindo o Brasil, já bateram a meta em 2021, o primeiro ano de aplicação de vacinas contra a doença. Quando se analisa a taxa de africanos com as duas doses do imunizante, o número é ainda mais assustador: apenas 8% de seus 1,3 bilhão de habitantes completaram o esquema vacinal.
Enquanto África sofre com falta de vacinas, algumas nações já estão aplicando uma terceira dose. “Eticamente, isso só seria justificado depois da gente ter a maioria da população do mundo vacinada com duas doses, porque a terceira é uma dose de reforço, a vacinação básica já protege contra a maior parte das variantes. A recomendação da dose de reforço, quando a maior parte da África e grande parte da Ásia não receberam nem a primeira dose, é uma injustiça e, ao meu ver, é uma incorreta orientação epidemiológica”, argumenta Paulo Buss. Pedro Hallal, por sua vez, avalia que não podemos culpar os países que optaram pelo reforço neste momento. “Se você me perguntar isoladamente sobre o Brasil, se devemos investir na terceira dose, eu diria que sim. Agora, se formos pensar como uma estratégia global de enfrentamento da pandemia, seria mais inteligente que essa terceira dose estivesse sendo administrada na África e no sul da Ásia”, analisa. “Eu não acho que a gente deva criticar os países que estão adotando a terceira dose, eu acho que a gente deve criticar a falta de um esforço coletivo internacional para gerar a vacinação para toda a população mundial”, acrescenta o ex-reitor da UFPel.
Fonte: jovempan
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