22 de Novembro de 2024

Erdogan joga com Ocidente para conseguir ingresso na UE, mas adesão da Turquia é improvável


PETRAS MALUKAS / AFP

Quando venceu as eleições em maio e manteve sua era, que já dura 20 anos, tudo levava a crer que o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se distanciaria ainda mais do Ocidente e fortaleceria seus laços com a Rússia. Contudo, nesta semana, duas mudanças de posicionamento chamaram atenção: o aval para o ingresso da Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o interesse de retomar as negociações para que seu país ingresse na União Europeia, duas ações que até então não faziam parte da pauta política do turco — que sempre se posicionou contra a expansão da Otan, prega uma Turquia “grande novamente” e prometia uma política externa mais independente. Contudo, é importante lembrar que a aprovação da Suécia na aliança militar foi condicionada à retomada das negociações para a entrada de seu país no bloco europeu. “Primeiro, abram o caminho para a adesão da Turquia à União Europeia, depois abriremos o caminho para a Suécia, como abrimos o caminho para a Finlândia”, disse o presidente turco, antes de o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, anunciar que ele havia dado um sinal verde. Apesar dessa mudança de posicionamento poder sinalizar um flerte com o Ocidente e o abandono à Rússia, especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan dizem que, na verdade, Erdogan tenta ver até aonde a União Europeia e os Estados Unidos estão dispostos a ir para ter a Estocolmo entre eles. 

“A meu ver, é um jogo. Por trás dessa aproximação tem um jogo político que está sendo muito bem conduzido. Erdogan tem habilidade e expertise em negociações internacionais. Ele está agindo com o Ocidente da mesma forma que o Ocidente age com a Turquia”, aponta Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte. “Ele quer que os países ocidentais e outros países da Europa apoiem o ingresso da Turquia à União Europeia, mas sabemos os entraves que existem”, acrescenta o especialista. Há mais de 20 anos, se discute o ingresso dos turcos ao bloco. Entretanto, as negociações estão travadas. No final de 2020, a Comissão Europeia estimou que a adesão de Ancara estava “em ponto morto” devido a decisões contrárias aos interesses da UE por parte de seus líderes. Mario Schettino, professor de relações internacionais da UFMG e do Ibmec, acrescenta que Erdogan está tentando capitalizar. “Ele iniciou a aprovação da Suécia com indicativo que a Turquia seria aceita na UE. Ele capitalizou essa posição diante dos parceiros ocidentais, já que tem um custo envolvido em relação à Rússia — não só politico, como econômicos, desafio geopolíticos em relação da proximidade dos dois países e acesso ao mar negro. Erdogan esta capitalizando essa posição para ver se a entrada da Turquia no bloco avança.”

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O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg (ao centro), o presidente turco Tayyip Erdogan (à esq.) e o primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson (à dir.) durante uma reunião, na véspera de uma cúpula da aliança em Vilnius, Lituânia?EFE/EPA/YVES HERMAN / POOL

Na segunda-feira, 10, diante do posicionamento do turco, foi organizada às pressas uma reunião de Erdogan com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que lidera a instituição da UE que representa os governos dos 27 países do bloco, para desbloquear a questão. Em um tuíte, Michel anunciou que discutiu com Erdogan como “revitalizar” a relação entre a UE e a Turquia. “Exploramos oportunidades para trazer a cooperação entre a UE e a Turquia de volta ao centro das atenções e revitalizar nossas relações”, escreveu Michel após o encontro com o presidente turco. Além disso, o europeu indicou que o Conselho “convidou o Alto Representante [o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell] e a Comissão Europeia a apresentar um relatório com uma visão de como proceder estrategicamente e com foco no futuro”.

Turquia na União Europeia 

Apesar da breve movimentação que houve nesta semana para retomada das negociações, os especialistas não acreditam que essas discussões vão ter êxito e um aval positivo. Segundo eles, quatro motivos cruciais estão em jogo e barram a adesão: cultura, religião, autocracia e imigração, com destaque para última, o principal fator. “Nos últimos anos, vimos que os grupos de direita e conservadores cresceram em vários países como França e Alemanha. Para que haja a entrada da Turquia, tem que ter anuência deles. Embora exista essa possibilidade, ela tem sido cada vez menor devido ao quadro que vemos ultimamente na Europa, com fortalecimento de grupos à direita que são contra o ingresso dos turcos ao bloco europeu”, diz o cientista político Christopher Mendonça. A Turquia é a porta de entrada do Oriente para a Europa. São eles que barram o ingresso das pessoas ao continente. “Se eles entrarem [na UE], abriria mais uma porta e criaria fluxos que não são desejados pelos países da Europa territorial, principalmente grupos de direita”, acrescenta. Há grupos nacionalistas que consideram que o aumento da criminalidade está diretamente relacionado aos fluxos migratórios.

Mario Schettino destaca que se realmente houver uma proposta definitiva para os turcos, pode ser que saia um acordo em que eles passem a fazer parte do bloco, mas não no Espaço de Schengen, que permite a circulação livre nos territórios. “Essa pode ser uma forma de controlar esse principal desafio da entrada da Turquia na UE”, fala. Ele também destaca outro fator importante: a centralização de concentração de poder que Erdogan realiza há alguns anos. Se por um lado a adesão da Turquia não parece uma boa aposta para Europa, para os turcos ela é uma ótima opção. “Se ela entra no bloco, sua presença no mundo ganha relevância. Ela sai de potência regional e vira média. Para eles, seria ótimo entrar, até porque podem se tornar um interlocutor importante entre Ocidente e Oriente, o que dá margem para uma possibilidade maior de um cessar-fogo na Ucrânia.” A Turquia tem sido um importante mediador na guerra do Leste Europeu, que se encaminha para o segundo ano, e conseguiu firmar o primeiro acordo entre Rússia e Ucrânia: a liberação dos grãos, que vence no dia 17 de julho — e os russos não têm, até o momento, interesse em renovar.

Volodymyr Zelensky e Volodymyr Zelensky

Presidente Da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se reuniu com o líder turco Recep Tayyip Erdogan no começo de julho ?HANDOUT / Press Office of the Presidency of Turkey / AFP

Entrando na União Europeia, os turcos ganham acesso irrestrito ao mercado europeu, com facilidade de circulação de pessoas, capitais, mercadoria e importância econômica, uma vez que poderá atrair investimento tanto de empresas para produzir para o mercado europeu, como receber investimento estrangeiro e circulação de turistas maior. Mario Schettino tem um posicionamento diferente de Mendonça em relação ao impacto da adesão nos objetivos de Erdogan. Para ele, caso isso aconteça, terá uma certa limitação, porque a União Europeia tem uma política externa de segurança comum. “Os membros podem ter politica própria e politica de segurança comum. A questão é que essas posições não podem ser opostas, precisam estar harmonizadas. Toda essa limitação da política externa pode estabelecer limites na venda de armas e acordo de neutralidade, como, por exemplo, a questão da Ucrânia”, finaliza.

Fonte: jovempan

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