O escritor e jornalista João do Rio será o autor homenageado da 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), maior evento de literatura do país, que ocorre entre os dias 9 e 13 de outubro. João do Rio se tornou conhecido pelas crônicas sobre o cotidiano do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu, fez carreira e morreu, mas também escreveu romances, ensaios, contos e peças de teatro. O autor ocupou a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras (ABL) com apenas 29 anos, sucedendo o poeta Guimarães Passos. Entre seus livros mais conhecidos estão “A alma encantadora das ruas”, “As religiões no Rio” e “Dentro da Noite”. Foi um dos pioneiros do jornalismo literário no Brasil ao fazer a junção de reportagem, literatura e ficção. Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip, chama atenção para esta mistura. “João do Rio não separou jornalismo de literatura. Sua busca por transformar o ofício em grande arte é um convite a pensarmos no fazer literário em seu campo expandido”, afirma.
A curadora Ana Lima Cecilio destaca que o estilo de João do Rio, considerado o fundador da crônica moderna, mudou a forma de fazer jornalismo. “Muito se diz que a crônica, como ela se deu no Brasil, é um gênero totalmente brasileiro. Vem um pouco da tradição do ensaio, claro, mas aqui ganhou pitadas de humor, de observação sagaz. João do Rio, como um dos pioneiros, foi além: registrou a história de uma cidade que se transformava, e não é exagero dizer que ele fez uma etnografia no início do século”, disse. João do Rio, pseudônimo mais famoso de Paulo Barreto (1881-1921), era frequentador de bares e cafés do centro da capital fluminense, habitual caminhante de suas ruas, um verdadeiro flâneur. Também usou pseudônimos como Claude, Caran d’Ache, Joe e José Antônio José.
João do Rio fez coro com pensadores da passagem do século 19 e 20 que tinham a cidade como centro do pensamento, refletindo sobre o progresso, a velocidade, a formação urbana e as suas contradições. João do Rio foi um arguto cronista da Belle Époque carioca ao registrar os salões e as recepções elegantes da elite que tentava se sofisticar e imitar os estrangeiros. Ao mesmo tempo, quando deixa a redação do jornal para subir vielas, acompanhar manifestações culturais, observar de perto as habitações e os hábitos de uma cidade que se transformava vertiginosamente, João do Rio funda um modo de fazer jornalismo, numa espécie de “etnografia pulsante”.
“Ele desempenhou um papel crucial ao documentar a vida urbana do Rio de Janeiro com uma perspectiva única e detalhada num momento em que a, então capital federal, se expandia de maneira desgovernada. Ainda hoje, o crescimento predatório faz parte da realidade de diversas cidades brasileiras, como Paraty. É com essa sensibilidade etnográfica, presente na literatura de João do Rio, que convidamos moradores e visitantes a estar no território que abriga a Festa”, explica Munhoz.
Filho de pai branco e mãe negra, abraçou as polêmicas com coragem, como mergulhar nas religiões de matriz africana, tão populares no Rio de Janeiro, e traduzir e divulgar a obra de Oscar Wilde no Brasil, o que levou a especulações sobre sua sexualidade. O escritor foi um personagem múltiplo e continua sendo uma figura contraditória. “Por um lado, era fascinado por Paris, por outro, subia o morro do Rio de Janeiro com muito gosto, da mesma forma que o Rio era uma cidade dividida entre a fome de progresso e o convívio com sua formação”, conta a curadora.
A homenagem da Flip quer destacar essas contradições e dar visibilidade ao autor, que apesar de ter morrido famoso, foi esquecido logo depois. “Ainda que tenha morrido famoso, seu enterro arrastou multidões, permaneceu quase esquecido por mais de um século. A homenagem da Flip quer destacar essas contradições, justamente por ajudarem a explicar o Brasil”, completa. João do Rio foi vítima de um ataque cardíaco que o impediu de completar 40 anos, deixou 25 livros e mais de 2.500 textos publicados em jornais e revistas.
Fonte: jovempan
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