Desde o final de julho, quando o exército do Níger comandou um golpe militar, derrubou o presidente Mohamed Bazoum e assumiu o poder, a situação tem ficado mais tensa no país africano e aumentam as chances de mais um conflito no planeta. A região é mais um polo de conflito entre Rússia e Ocidente. Na quinta-feira, 10, os países da África Ocidental aprovaram uma intervenção no Níger “o mais rápido possível” para expulsar do poder os autores do golpe de Estado. “Os chefes de Estado-Maior terão outras reuniões para finalizar os detalhes, mas eles têm o acordo da Conferência de Chefes de Estado para que a operação comece o mais rápido possível”, disse o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, após uma cúpula de emergência da Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (Cedeao). Eles tinham dado até domingo para os golpistas restabelecerem o poder do presidente Bazoum, sob pena do uso da força. A decisão deixa a situação ainda mais delicada, visto que países como Burkina Faso e Mali, também liderados por militares que tomaram o poder à força nos últimos anos, afirmaram que, se o Níger fosse atacado, eles considerariam isso “uma declaração de guerra”.
Após o anúncio da mobilização da força de reserva da entidade, o Ministério das Relações Exteriores da França anunciou que dá “seu pleno apoio ao conjunto das conclusões” adotadas durante a cúpula da Cedeao sobre o Níger. Os Estados Unidos, que contam com soldados no país como parte de uma operação antijihadista, também expressou seu apoio “à liderança e trabalho da Cedeao” para restabelecer a ordem constitucional, disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken. O presidente da Nigéria, Bola Tinubu, à frente da presidência rotativa da Cedeao, insistiu na necessidade de “priorizar as negociações diplomáticas e o diálogo”, sem excluir outras opções. “Não descartamos nenhuma opção, inclusive o recurso da força. Se não o fizermos, ninguém o fará em nosso lugar”, afirmou. Ouattara lembrou que “a Cedeao já tinha feito intervenções na Libéria, Serra Leoa e Guiné Bissau” quando a ordem constitucional desses países se viu ameaçada. “Hoje, o Níger vive uma situação parecida e quero lembrar que a Cedeao não pode aceitar isso”, acrescentou. O bloqueio ao diálogo alimenta os temores de uma intervenção militar no país de 25 milhões de habitantes. Na terça-feira, uma delegação conjunta da Cedeao, da União Africana e da ONU tentou viajar a Niamei, capital do Níger, mas os militares recusaram a visita e alegaram motivos de “segurança”.
Envolvimento da Rússia e Estados Unidos
Uma intervenção militar na região, principalmente se for apoiada por Estados Unidos e União Europeia, fará com que o Grupo Wagner e a Rússia interfiram no conflito, o que, segundo os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan, aumentaria a insegurança no planeta. “Existe uma possibilidade real de avanço militar, de que os países invadam o Níger para tentar devolver o poder ao presidente”, fala o economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa Igor Lucena. Para ele, existem dois problemas que afetam a execução de uma intervenção militar. “Os países têm os seus próprios problemas com grupos terroristas e não estão unidos. Mesmo que iniciem um conflito, eles têm medo de criar uma guerra entre os Estados africanos que saia do controle”, explica o especialista, acrescentando que é complicado pensar em uma solução a curto prazo. Ele observa que uma participação da França, Estados Unidos, Nigéria e outros países ocidentais poderia resolver a situação muito rapidamente, contudo, “isso poderia alavancar a entrada do Grupo Wagner e poderia tornar um conflito sem fim em mais uma região do planeta, deixando-o mais inseguro”. Lucena acredita que, por mais que os países estejam agindo para tentar resolver o problema de forma democrática, a possibilidade de conflito se aproxima cada dia mais.
Nesta semana, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, conversou com Bazoum, que está em prisão domiciliar em Niamei. O porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, disse a repórteres que Washington ainda tem esperança de resolver o conflito pacificamente. Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, fala que a intervenção militar não é uma boa opção porque intensificaria o quadro de conflito. “Uma conflagração mais aberta trará grandes impactos, seria uma guerra aberta em uma região que já enfrenta crises humanitárias e desencadearia uma nova crise de refugiados, além de que a participação de países terceiros pode fortalecer o apoio da população aos golpistas”, explica, destacando que esse foi o principal motivo do golpe militar. Velasco lembra que a “influência da Rússia na África é muito significativa, dando apoio militar e econômico. Parte da população do Níger vê o Vladimir Putin e Rússia como os libertadores, que os libertam de seus colonizadores mesmo após a independência do país.”
Velasco fala que estamos testemunhando uma transição sistemática e pós-ocidental. A África é um palco importante e a influência dos países ocidentais europeus está diminuindo na região, enquanto a da Rússia e da China cresce. Os chineses são uma influência brutal e os russos, política e militar. É uma passada de bastão e uma derrota da polarização”, observa. Durante as manifestações que aconteceram no Níger após o golpe, milhares de apoiadores se reuniram em frente à embaixada francesa em Niamei com bandeiras do país africano e da Rússia colocadas no lugar da bandeira francesa, pisoteada por manifestantes que gritavam: “Viva Putin!”, “Viva a Rússia!”, “Abaixo a França!”. Após a aprovação da intervenção militar, milhares de simpatizantes do regime se reuniram perto da base militar francesa de Niamei, entoando palavras de ordem hostis à França. Diante desse cenário, Velasco diz que os próximos rumos da tensão no Níger devem ser de instabilidade e incerteza. “Veremos o governo militar se mantendo no poder e, com isso, o fim de mais um Estado que tinha governo democrático. Com isso, não temos mais nenhum Estado democrático na refião que vai do Saara até a Savana do Sudão”.
Instabilidade no Níger
O Níger já experimentou quatro golpes e dezenas de tentativas. Mohamed Bazoum chegou ao poder em 2021 após vencer as eleições com mais de 55% dos votos, sendo a primeira vez em 60 anos de independência que o Níger teve uma transição de presidentes eleitos. Os especialistas explicam que a instabilidade política, não só no Níger como em outras regiões africanas, se dá pela história de colonização. “A instabilidade politica africana é conturbada, porque não conseguiu se organizar desde a descolonização, porque a constituição costuma ser um mix de tribos, religiões, línguas e muitas vezes não se entendem sobre os próprios desenvolvimentos e identidades nacionais”, fala Lucena. “Nos últimos anos, vimos nações como Guiné e Burkina Faso que, por inflação descontrolada, problemas relacionados à falta de direções politicas, pobreza, falta de organização política, geram movimentos pró-golpe, porque têm uma parcela considerável que não está a favor da situação econômica ou política e, como as instituições estão fracas, com situações de terrorismo e falta de poder do Estado, essas nações estão suscetíveis a golpes, principalmente militares”, completa o doutor em relações internacionais.
Velasco acrescenta que esses são países que conseguiram independência recentemente e têm democracias muito jovens. “Há inclinação e tendência ao extremismo e golpe, não dá para pensar naquela região africana como democracia madura e consolidada. Os constantes golpes não são estranhos se considerarmos que são países embrionários em maturação institucional, constitucional e existe desconhecimento do que é constituição e como deve funcionar”, diz o especialista. “São países que têm vivido quadro de golpes ao longo dos últimos 4 e 5 anos, e são golpes que refletem o descontentamento da sociedade, da população desses países contra uma presença europeia que se mantinha muito forte na região. Mesmo após a independência, os colonizadores continuavam dando pitaco”, acrescenta. No caso do Níger, além de o país ser rico em ouro e prata, também tem urânio usado basicamente para alimentar os reatores nucleares da França, onde 65% da eletricidade vem da energia nuclear.
Fonte: jovempan
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.