Além das sequelas físicas e sintomas persistentes, pessoas acometidas pela Covid-19 vêm desenvolvendo alterações cognitivas e psiquiátricas. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), divulgado na revista General Hospital Psychiatry, avaliou 425 adultos entre seis e nove meses após receberem alta do Hospital das Clínicas. Destes, 51,1% relataram problemas de perda de memória após a infecção, e 15,5% apresentaram transtorno de ansiedade generalizada. Além disso, 13,6% dos pacientes desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático. Pelo menos 8% tiveram diagnóstico de depressão, sendo que 2,5% deles desenvolveram a doença após a internação. Os outros já tinham sintomas depressivos, mas apresentaram piora no quadro após a Covid-19.
O estudo analisou pacientes com quadros graves e moderados. Rodolfo Furlan Damiano, psiquiatra assistente do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, é um dos autores do artigo. Ele explica que não há relação entre a incidência de alterações cognitivas e psiquiátricas e a gravidade da doença. Pelo contrário. O estudo constatou que pacientes que ficaram apenas 24 horas internados e não foram entubados também desenvolveram sequelas do tipo. “Também não encontramos relações com questões psicossociais como perda de trabalho, perda financeira ou morte de familiares e pessoas próximas. A gente esperava que pacientes com esse tipo de vivência teriam maior grau de sintoma, mas não encontramos isso”, afirma Damiano.
Segundo o psiquiatra, existem algumas hipóteses para o desenvolvimento de sequelas neuropsiquiátricas em pacientes infectados pelo coronavírus. “A primeira é o próprio adoecer em si. O paciente começa a ter sequelas pulmonares, já não anda direito, começa a ter sequelas musculares. Isso pode levar a esse adoecimento psíquico. Mas isso explicaria 20% ou 30% dos casos”, diz Damiano. Segundo o especialista, há indícios que apontam que o Sars-Cov-2 age diretamente no sistema nervoso central. “O vírus causa uma tempestade inflamatória que gera uma neuroinflamação. Outro ponto é a autoimunidade. O nosso organismo produz anticorpos contra o vírus, e esses anticorpos podem atacar também algumas ‘células suporte’, o que pode levar a esses sintomas”, explica.
Damiano ressalta que há evidências de que o vírus entra no sistema nervoso central e ataca os astrócitos, as “células suporte” que nutrem os neurônios. “O que acontece se o vírus ataca essas células? Ele diminui a oxigenação, nutrição e proteção dos neurônios, o que leva a uma morte neuronal, perda cognitiva e alterações psiquiátricas”, conclui. Para o médico, a longo prazo, as consequências podem ser mais amplas. “A Covid aumentou em 2,5% a taxa de depressão. Se a gente pega todos os pacientes acometidos pela doença no mundo, um aumento de 2,5% em números absolutos é gigantesco. Isso vai causar um impacto social significativo no futuro.”