Cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública de Goiás (Lacen-GO), detectaram o genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue. Normalmente, ele é presente na Ásia, no Oriente Médio, na África e em países do Pacífico, sendo a linhagem mais disseminada no mundo. A identificação foi realizada em fevereiro deste ano, em uma amostra de um caso que aconteceu em novembro de 2021, na cidade de Aparecida de Goiânia, em Goiás. Essa foi apenas a segunda vez em que o genótipo foi registrado nas Américas, após um surto no Peru, em 2019. Um artigo sobre a detecção foi publicado na plataforma medRxiv, que permite a divulgação rápida de resultados, sem a revisão de pares. O trabalho também foi submetido para publicação em uma revista científica, ainda em fase de revisão.
“Relatamos o primeiro caso confirmado do genótipo cosmopolita DENV-2 isolado de um paciente do sexo masculino de Aparecida de Goiânia, no Centro-Oeste do Brasil. Usando sequenciamento de nanoporos e análises filogenéticas, nossos resultados fornecem a primeira visão preliminar sobre a introdução desse genótipo emergente no Brasil e na América do Sul”, informaram os autores do artigo. À Jovem Pan, Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, falou sobre o vírus, explicando que é uma linhagem dos quatro tipos de dengue e conhecido por ter uma transmissibilidade maior que outros genótipos. “O vírus da dengue possui quatro sorotipos, de 1 a 4, e cada um pode ser dividido em diferentes linhagens ou genótipos. Pela primeira vez, foi encontrado no Brasil o genótipo 2 do vírus da dengue tipo 2, também chamado de genótipo cosmopolita. E qual é a preocupação? Ele tem uma capacidade de transmissão muito mais fácil do que os outros vírus da dengue e é potencialmente responsável por causar uma dengue mais grave”, disse Raquel.
Embora não seja possível afirmar, os pesquisadores suspeitam que o vírus entrou no país a partir do Peru, na fronteira com o Acre. O patógeno detectado em Goiás se assemelha a dois microrganismos isolados durante o surto na província peruana de Madre de Dios. “Tudo indica que a introdução nas Américas ocorreu a partir da Ásia, provavelmente através de viagens intercontinentais. Porém, para compreender a dinâmica da dispersão no continente americano, precisamos ter mais amostras sequenciadas”, destacou Marta Giovanetti, co-autora do estudo e pós-doutoranda do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, em nota divulgada pela fundação. “A vigilância genômica ativa na região de Madre de Dios, com sequenciamento genético de amostras de dengue 2, seria importante para entender essa introdução e orientar as ações para conter o espalhamento viral.”
Luiz Carlos Júnior Alcantara, pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, tem o mesmo temor de Stucchi sobre a disseminação da doença no Brasil. “Ainda não sabemos como será a proliferação do genótipo cosmopolita no país. Mundialmente, ele é muito mais distribuído e causa mais casos do que o genótipo asiático-americano, que circula no Brasil há anos. O quadro global indica que a linhagem cosmopolita tem capacidade de se espalhar facilmente”, destacou o cientista. No entanto, os pesquisadores responsáveis pela descoberta afirmam que, por ora, não há nenhuma evidência de que a nova linhagem está relacionada ao aumento de casos de dengue em Goiás neste ano.
Ao falar sobre a prevenção, Raquel Stucchi diz que “os cuidados para evitar a dengue são os mesmos, independente do genótipo do vírus”. Entretanto, ela faz um alerta para os riscos envolvendo a maior transmissibilidade do vírus: “Nós precisamos estar ainda mais atentos para evitar a transmissão”. Dentre os principais métodos para conter a disseminação da dengue, está a eliminação de locais com água parada, que servem como criadouros para o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. Outro método, destacado tanto pela infectologista quanto pela Fiocruz, é a manutenção de um grupo de observação e investigação para identificar novos genomas e saber quais estão circulando em território brasileiro.
*Fontes: Ministério da Saúde, Hospital Albert Einstein e Hospital Oswaldo Cruz