O governo Lula 3, como é chamado o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), completa seus primeiros cem dias nesta segunda-feira, 10, com entraves na economia, atrito com o Banco Central (BC) e políticas públicas recicladas. Lula ainda vê o risco da criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com senadores e deputados, ser instalada no Congresso Nacional, para investigar o governo pelos atos do dia 8 de Janeiro. Durante o período, a falta de clareza nas políticas econômicas da administração federal, com a indefinição do esperado novo arcabouço fiscal, fez com que o BC mantivesse a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75%. O fato rendeu críticas por parte de Lula, do vice Geraldo Alckmin (PSB), do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e diversos outros ministros de Estado ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, acusado de ser bolsonarista e de fazer gestão política da crise econômica contra o governo. Também nesses cem dias, o Lula 3 se notabilizou por reciclar políticas públicas de sucesso e apelo popular no passado, como o “Minha Casa, Minha Vida” e o “Novo Bolsa Família”. O presidente ainda esteve envolvido em uma polêmica com o senador Sergio Moro (União-PR), tendo dito que queria prejudicá-lo quando esteve preso. Já no Congresso Nacional, sem base de apoio, o mandatário fez concessões ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), reconduzido ao cargo em fevereiro com apoio histórico de seus pares. Lula deve reunir ministros de Estado nesta segunda-feira para marcar os primeiros cem dias da gestão, fazendo um balanço do início do mandato e uma prestação de contas. O presidente da República ainda deve anunciar um novo pacote de investimentos para cumprir promessas de campanha.
Nesta semana, seis ministros de Estado serão ouvidos na Câmara dos Deputados sobre diversos assuntos, principalmente os atos do 8 de Janeiro. Há a possibilidade de uma CPMI ser instalada no Congresso Nacional para investigar as ações e omissões do governo Lula diante do ocorrido. O governo culpa a administração passada por falta de preparo e acredita até em facilitação para entrada de vândalos nas sedes dos Três Poderes em Brasília, alegando que as lideranças das forças de segurança não realizaram comandos corretos e nem repassaram informações. Por outro lado, a oposição quer saber por que forças federais de segurança não foram mobilizadas rapidamente naquele dia para impedir as ações apontadas por alguns como de “terrorismo”.
Na segunda quinzena de março, Lula entrou em uma polêmica com o ex-juiz e senador Moro, que foi responsável pela prisão dele em 2018, no âmbito da Operação Lava Jato. No dia 21, o presidente disse, em entrevista ao site Brasil247, que, quando esteve preso, sentia que só ficaria bem quando “fodess* Moro”, dando a entender que alimentou algum sentimento de vingança em relação ao opositor político. No dia seguinte, a situação foi agravada pela ação da Polícia Federal, que desmantelou um plano da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que tinha por objetivo sequestrar e matar autoridades públicas, dentre elas o senador Moro. A oposição, logo associou as duas situações, o que foi desacreditado pelo atual ministro da Justiça, Flavio Dino: “Eu fico espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação séria, tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo”. Entretanto, apesar do esforço do ministro Dino para elucidar o caso e baixar a poeira, o presidente Lula ainda comentou a situação no dia 23, chamando o plano do PCC de “mais uma armação de Moro”: “Eu acho que é mais uma armação do Moro. Mas eu quero ser cauteloso, eu vou descobrir o que aconteceu, é visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar, eu vou saber do porquê da sentença”, declarou.
Lula foi criticado por políticos pela sua fala, inclusive pelo próprio Moro, que, em entrevista exclusiva à Jovem Pan News, se disse furioso com a declaração e confrontou o presidente: “Diante dessas declarações e as risadas contra uma família ameaçada, o senhor não tem decência? O senhor tem que fazer uma reflexão muito séria a respeito do que o senhor quer fazer no seu governo. Se o senhor quer, de fato, transformar o seu governo em um ato de vingança contra mim e contra a população brasileira ou se vai governar para do país. Mas a primeira pergunta que o senhor tem de responder diante dos fatos de hoje é: você tem ou não tem decência?”, provocou Moro.
No âmbito das relações internacionais, Lula visitou três países, incluindo grandes parceiros comerciais: Estados Unidos, Argentina e Uruguai. Uma quarta viagem, para a China, foi adiada recentemente em função de pneumonia contraída pelo presidente. Com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, o governo vem se reposicionando nas relações bilaterais para reconquistar apoios e tentar fazer novas parcerias para o Fundo Amazônia. Lula vem tentando se posicionar contra o conflito Rússia–Ucrânia, mas negando o fornecimento de armas e equipamento e tentando galgar uma posição de mediador pela paz – algo que nenhum outro líder político do mundo conseguiu fazer até o momento. Diante do conflito no Leste Europeu, Lula já chegou a fazer falas em que culpabiliza os dois lados pela guerra, mesmo a Ucrânia tendo sido invadida deliberadamente pelos russos. A relação entre o presidente da República e os chefes de Estado de ambos os países, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, vem sendo cordial e amigável nesses cem dias.
Ainda na questão internacional, Lula divulgou uma carta em conjunto com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, na qual defendiam a criação de uma moeda única entre os dois países exclusivamente para transações comerciais. Na ocasião de sua viagem a Buenos Aires, Lula ainda ressaltou sua vontade de garantir o protagonismo do Brasil na América Latina a partir de parcerias de apoio econômico – assunto pelo qual suas gestões passadas são muito criticadas pela oposição. Durante os primeiros cem dias de Lula 3, o Brasil vivenciou desastres naturais (São Paulo e Maranhão), violência armada em escalada (Rio Grande do Norte) e denúncias de crimes contra a humanidade, como no caso dos povos Yanomamis. Em todas as situações, a gestão federal se solidarizou às vítimas e familiares e montou equipes para atuar fortemente na recuperação dos espaços e da vida das pessoas.