Nomeado para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então presidente Fernando Collor de Mello, em 13 de junho de 1990, e tendo presidido o mais alto posto do Judiciário brasileiro, o ex-decano da Suprema Corte Marco Aurélio Mello nunca se furtou de verbalizar suas opiniões – ainda que polêmicas – à cerca dos mais diversos debates pautados no plenário da mais alta Corte do país. Com passagens pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e eleito em três oportunidades para comandar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o magistrado, que deixou o Supremo em julho de 2021, concedeu uma entrevista exclusiva à Jovem Pan na qual opina sobre os possíveis excessos do Judiciário sobre os demais Poderes, reflete sobre o futuro do STF, critica a tentativa das Forças Armadasde se imiscuir no processo eleitoral e ressalta sua defesa à liberdade de expressão. “Você pode não concordar com esta ou aquela ideia, mas chegar ao ponto de proibir e praticar atos processuais visando inibir a manifestação, é um passo demasiadamente largo que não se deve dar”, declarou. O ministro explicou, ainda, o motivo pelo qual seu voto nas eleições presidenciais de outubro não irá para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), beneficiário de uma “ressuscitação política do STF”, na visão de Marco Aurélio. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
A tensão entre os Poderes no Brasil está elevada. Há um embate entre presidência e o Supremo Tribunal Federal, e o Supremo foi levado para uma discussão sobre qual instituição a população mais confia: Presidência ou STF. A que o senhor atribui esse cenário? Em primeiro lugar, a um antagonismo indesejável. Isso não atende aos interesses nacionais. Os Poderes, pela Constituição, são independentes e harmônicos. O entendimento deve fincar temperança, deve fincar a compreensão. Agora, esse antagonismo não contribui para o crescimento do Brasil para dias melhores. É preciso que cada qual compreenda que se precisa reunir forças visando corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham. Ai sim nós vamos avançar.
Sobre a operação da Polícia Federal contra empresários que defenderam um golpe de Estado em caso de vitória do ex-presidente Lula nas eleições, há como diferenciar liberdade de expressão de um ato antidemocrático? É possível traçar esse limite? É possível percebendo que nós vivemos em um Estado Democrático de Direito e, em um Estado de Direito, medula a liberdade de expressão e de manifestação. Você pode não concordar com esta ou aquela ideia, mas chegar ao ponto de proibir e praticar atos processuais visando inibir a manifestação, é um passo demasiadamente largo que não se deve dar. Não compreendi a fala no WhatsApp, até hoje não sei como invadiram o WhatsApp, que para mim é muito seguro, eu não compreendi a fala como estimulando esta ou aquela ideologia. Foi uma manifestação, em si, dos empresários. Eu, por exemplo, como ex-juiz, não posso votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muito embora, no passado, já tenha votado. Por que não posso? Porque ele foi condenado por crime contra a administração em quatro processos. De repente, o Supremo o ressuscitou politicamente. O Supremo deu o dito pelo não dito, sob a minha ótica, e assim votei porque estava na bancada, em uma retroação. Mas paciência, o Supremo bateu o martelo e não se tem mais a quem recorrer. De certa forma, essa ressuscitação política inviabilizou o surgimento de um terceiro nome. Agora, que aguardemos as eleições e a palavra esta como eleitor.
Muito se falou no último ano e nos meses recentes sobre a possibilidade de um golpe de Estado. O senhor teme um episódio desta natureza? É possível que haja um golpe? Imaginar golpe a essa altura na democracia brasileira, que veio para ficar, ela é perene, é ver, como costumo dizer em um jargão muito carioca, chifre em cabeça de cavalo. É algo que deixa todos atônitos. Não há campo para golpe. Nem o presidente da República pretende dar qualquer golpe, porque o golpe em si, de início, teria de ter um apoio popular. Nós precisamos deixar essa mania de qualquer coisa imaginar que, apeando-se o presidente da República, inviabilizando-se uma reeleição, se terá dias melhores. Nós precisamos avançar e avançamos observando as regras legais e constitucionais.
O senhor acredita que o STF tem invadido competências de outros Poderes? E como enxerga o futuro da Corte? Ressaltei quando ainda estava na bancada de julgador no Supremo, que toda vez que o Supremo avançava, invadia a seara de outro Poder e lançava um verdadeiro bumerangue que poderia voltar à própria testa. E não cabe, o poder Judiciário não é mais que o poder Executivo e não é mais que o poder Legislativo. Aliás, se nós formos à Constituição, nós vamos ver que há referência aos Poderes nesta ordem: Legislativo, que legisla e dita as normas; Executivo, que executa as normas; e Judiciário, que julga os conflitos de interesses restabelecendo a paz social momentaneamente abalada pelo conflito. Então, a posição do Supremo, e de qualquer órgão do Judiciário, é uma posição inerte. Ele não deve atuar de ofício e deve perceber, eu também disse isso anteriormente, que de certa forma a oposição, que não figura no Congresso, ela se vale do Supremo para fustigar o governo que está sendo exercido sendo este ou aquele. Isso não é bom. A judicialização sem medidas de controvérsias.
Como um ex-presidente do TSE, qual a avaliação do senhor sobre a aproximação da Corte eleitoral com os militares? Na despedida do cargo do presidente do Superior Tribunal Militar, o general Luis Carlos Gomes disse que as Forças Armadas não deveriam se envolver com as eleições, embora tenham sido convidadas a participar da comissão de transparência eleitoral. Eu presidi o Tribunal Superior Eleitoral três vezes e presidi, inclusive, em eleições. Sempre tomei as Forças Armadas como um auxílio no deslocamento das urnas eletrônicas para os locais de difícil acesso. Ao meu ver, o Tribunal Superior Eleitoral, na gestão do ministro Luís Roberto Barroso, cometeu um ato falho quando convidou as Forças Armadas para compor comissões no TSE. A eleição em si é um ato civil, não é um ato para as Forças Armadas. Tenho a maior admiração pelas Forças Armadas, fiz a Escola Superior de Guerra em 1983 e, como eu era o estagiário de maior qualificação, fui o xerife da turma. Ou seja, o elo entre o corpo de estagiários e o corpo permanente, mas não há espaço para atuação das Forças Armadas. Temos para as eleições, para a garantia em si das eleições, as forças repressivas que são reveladas em si pela Polícia Militar. Também temos a Polícia Civil, investigativa. Agora, mais do que isso é um exagero, é muito ruim. E o que ocorreu? Quando as Forças Armadas apresentaram sugestões, eles [TSE] se sentiram melindrados e rejeitaram o que foi ponderado pelas Forças Armadas. A hora é de entendimento, é de temperança, de respeito mútuo e, portanto, de pensar-se no Brasil e na chegada de dias melhores para essa sofrida República que é a brasileira.
O senhor falou há pouco sobre as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Recentemente, também declarou que, em um eventual segundo turno, votaria no presidente Jair Bolsonaro. Qual o senhor acredita que foi o legado do atual mandatário? Pois é. O Jornal Nacional, por exemplo, perdeu uma belíssima oportunidade de indagar o presidente da República tudo o que ele realizou. E realizou muita coisa. É só parar, com boa vontade, e perceber com isenção. E também deixou de perguntar, o [apresentador Willian] Bonner e a nossa Renata Vasconcellos, sobre o que ele pretende realizar caso reeleito e buscaram fustigá-lo. Ele acabou dando um nó nos dois belissimamente bem, parecia até um tribunal de inquisição. Evidentemente, isso não foi bom. Agora, nós precisamos esperar. Como eu disse, a palavra está com os eleitores. O ex-presidente Lula foi presidente da República durante oito anos, deu as cartas durante seis anos no governo Dilma [Rousseff, ex-presidente da República], porque ele realmente era ouvido. Por que ele quer voltar? Ele que esteve, inclusive, preso e condenado. Condenado não pelo Sergio Moro, porque quem prolatou as sentenças condenatórias foi uma outra colega juíza federal. Foi condenado e está se apresentando. Qual é o objetivo? Em 210 milhões de almas, nós não temos um outro candidato que possa se apresentar? Agora, é lastimável que a ressuscitação política deixe uma quase impossibilidade do surgimento de um terceiro nome viável. Vamos aguardar, vou repetir o que disse no início: voto em quem estiver no terceiro lugar. No segundo turno, tendo que decidir, vou exercer o meu direito inerente à cidadania, muito embora pela idade não esteja mais obrigado, e votarei no governo atual que tem aspectos muito bons que precisam ser considerados.
Ao longo da sua trajetória no STF, o senhor nunca se furtou de dar opiniões em on, segundo o jargão jornalístico, algo que não é comum no contato dos ministros com a imprensa. Por que adotava essa postura e o que o senhor pensa sobre este expediente adotado pela maioria de seus ex-colegas? Olha, eu nunca pedi [para falar em off]. Sempre falei em on, sempre coloquei, nas minhas falas, as minhas impressões digitais. Um homem público deve ser um livro aberto. Um homem público deve calcar a sua atuação na transparência. É a transparência que permite, aos contribuintes, acompanharem a vida da administração pública de maneira direta ou indireta. E cobrar dos administradores, chegando, portanto, à eficiência. Eu jamais falei. Todos os anos em que estive ocupando cadeira no Judiciário, e foram 42 anos em colegiado julgador, jamais falei em off. Só espero, Eduardo, que se algum dia eu vier a ser preso, você leve onde eu estiver o que eu gosto muito, que são chocolates.
Fonte: jovempan
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