Ao longo de sua trajetória, Ariani Queiroz de Sá escolheu o enfrentamento, a inclusão e a luta pelos direitos da pessoa com deficiência. Aos 59 anos, ela se despede com a sensação de dever cumprido da coordenadoria do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comude) pela segunda vez, onde atuou de 2013 a 2017 e 2019 a 2021. "Minha participação é no intuito de provocar o cumprimento e implementação das políticas públicas. Isso é de suma importância para garantir nossos direitos e não perder o que conquistamos", afirma.
Ela também já fez parte do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência (CEAPcD), do Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres de Bauru e do Conselho Municipal de Saúde.
Ariani teve poliomielite aos dois anos de idade, mas tornou-se cadeirante em 2009, após uma infecção hospitalar. Destaca a sorte de ter uma família que nunca a discriminou. Já a semente da militância começou em meados dos anos 90, fruto da amizade com Graziela Yoshie Nishiyama, fundadora do Centro de Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência de Bauru, falecida em 2012. Foi justamente nesse ano que Ariani passou a participar de reuniões e debates do Comude.
Aposentada pelo Hospital Beneficência Portuguesa, onde trabalhou por 12 anos, Ariani ainda formou-se em Serviço Social em 2020. "Foi por necessidade, por envolvimento com a área, com a militância. Completou muitas coisas que eu já sabia, em termos de direito, de políticas públicas. Nada como você ter um conhecimento mais profundo para poder desenvolver melhor essas atividades e saber tudo que pode cobrar", explica.
Ariani é nascida em Bauru, filha de Adelete Queiroz de Sá e Alexandrino Vieira Sá, ambos falecidos. É a caçula de quatro irmãos. Hoje vive com sete gatos em uma casa no Jardim Petrópolis, em Bauru. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que ela concedeu ao JC.
JC - Como a poliomielite a afetou?
Tive poliomielite com 2 anos. É uma doença viral que atinge o sistema nervoso central. Para minha felicidade, só tive a perna direita afetada. Tanto é que eu andava até doze anos atrás. Usei aparelho ortopédico até os 17 anos, fiz cirurgia de correção, deixei de usar o aparelho, passei a usar uma bengala para me dar apoio. Quando completei 41 anos, tive um desgaste no joelho esquerdo por forçar muito, pela compensação. Fui operar para colocar uma prótese, mas peguei uma infecção hospitalar. Lutei por quatro anos, fui perdendo massa óssea, foi um processo doloroso em todos os aspectos. E foi isso que me levou à cadeira de rodas.
JC - Como foi o processo de transição para a cadeira de rodas?
Como toda mudança, gera um grande incômodo. A cadeira de rodas é muito limitante. Os espaços têm que ser plenos para o cadeirante se sentir incluído, desenvolver suas ações. Eu costumo dizer que não é a pessoa que é deficiente, é o espaço que é. Se eu vou a um lugar que me não agrega enquanto pessoa com deficiência, a culpa é do local.
JC - Quais foram as maiores dificuldades?
A princípio, as barreiras arquitetônicas. E também a questão do vestuário. Tem determinadas roupas que eu gosto, mas não uso mais. São difíceis de vestir e tirar para ir ao banheiro, por exemplo. Outra dificuldade é o prejuízo com a própria imagem. Quando você se torna cadeirante, a cadeira vem antes da pessoa. Enxergam mais a cadeira do que a mim. Isso é uma coisa que a sociedade precisa mudar. É uma condição, mas não é a deficiência que define a pessoa. Existem muitas formas de capacitismo, que é a forma infantilizada, discriminatória ou protecionista demais em relação à pessoa com deficiência. Normalmente as pessoas têm a visão de que a pessoa com deficiência é menos, não é capaz, não tem condições. Isso é uma forma discriminatória.
JC - Como começou sua militância na área?
Eu lembro estar lendo uma matéria no Jornal da Cidade, por volta de 1994, com a Graziela Nishiyama. Meu primeiro contato foi nessa época, eu ainda andava. Senti uma tremenda empatia com a causa. A partir daí comecei a participar das reuniões e aprendi muito com a Graziela, marcou minha vida positivamente, despertando a minha consciência social. Não imaginava que me tornaria uma cadeirante.
JC - No que falta avançar para melhorar a inclusão?
Eu entendo que o preconceito só vai ser derrubado quando as pessoas tiverem esse olhar empático sobre quem tem deficiência. Entendo que quem não conviveu com um deficiente não é obrigado a conhecer minhas necessidades. Mas é possível fazer um exercício: e se fosse comigo? E se eu estivesse nessa condição? Porque ninguém está isento de se tornar uma pessoa com deficiência. Ninguém nasce preconceituoso, assim como não nasce racista. Eu acredito que a quebra total do preconceito só será possível quando os pais incentivarem os pequenos a fazerem essa reflexão. E a nossa sociedade hoje está com uma visão bem mais aberta, mais ampliada.
JC - Você também tem um apoio bem "carinhoso" em casa, né? (risos)
Tenho sete gatos. A Mabel é a minha predileta, a mais carinhosa. Os gatos são muito independentes. É muito bom ter um animalzinho, a função deles é me fazer companhia. Posso dizer que estou solteira sim, mas sozinha nunca.
Eu costumo dizer que não é a pessoa que é deficiente, é o espaço que é
Quando você se torna cadeirante, a cadeira vem antes da pessoa. Enxergam mais a cadeira do que a mim. Isso é uma coisa que a sociedade precisa mudar.
É possível fazer um exercício: e se fosse comigo?
Fonte: jcnet
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